domingo, 28 de maio de 2023

Míriam Leitão - A estratégia para a crise ambiental

O Globo

Governo diz que projetos ambiental e indígena são prioritários, mas como tem minoria no Congresso nos temas, a estratégia é manejar politicamente

O que o presidente Lula falou na reunião de sexta-feira é que os projetos ambiental e indígena estão no coração do governo. Ótimo. Mas o que os dados mostraram, nas análises dos ministros presentes no encontro no Palácio, foi que, para estes dois temas, a base parlamentar tem pouco mais de 130 votos. Portanto, o governo não baterá de frente com o Congresso e vai manejar politicamente para recuperar os poderes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. É tudo o que eles podem fazer e é pouco para manter a integridade do projeto de recuperação do meio ambiente e dos direitos dos indígenas.

Por coincidência que só o criativo roteirista do Brasil explica, no meio dessa tempestade que se abateu sobre a área ambiental, a ONU escolheu Belém para sediar a COP 30, em novembro de 2025. A Petrobras entrou com novo pedido para liberar a perfuração no mar da Amazônia, os políticos se vingaram do Ministério do Meio Ambiente, a ponto de parlamentares progressistas se juntarem com a bancada do agronegócio. Culpa-se o centrão, quando o que intriga é o que faziam parlamentares do PT atrapalhando o projeto de organização do governo. O Brasil ficou sabendo que a ONU aceitou nosso convite de sediar a mais importante reunião global sobre o clima, enquanto os defensores da energia fóssil escalam nas pressões para liberar a exploração do petróleo na Costa da Amazônia.

O Centro de Despetrolização das Aves no projeto da Petrobras foi instalado em Belém, a 800 quilômetros do local onde se quer perfurar. Se houver algum desastre, doze barcos teriam que ir e vir para salvar as aves. O que a Petrobras está argumentando é que tudo está pronto para fazer o tal furo.

— Preparou-se o simulado, mandou-se a sonda para lá, todos os helicópteros, todos os barcos, tudo mobilizado e na hora de autorizar o simulado, o Ibama negou intempestivamente. A broca está lá no fundo e só precisamos do licenciamento ambiental desse poço — reclama uma fonte da empresa.

O problema é exatamente este, explica-se no Ministério do Meio Ambiente. O governo Bolsonaro fez a política do fato consumado, e mobilizou todo o material da Petrobras como se a licença fosse ser dada. A mesma licença que havia sido negada em 2018. Na reunião que houve na Casa Civil, semana passada, a conclusão foi que tudo passará agora pela AAAS, a avaliação ambiental estratégica de toda a região, antes de se retomar o pedido de licença.

É um nó. A Petrobras diz que teve de recorrer, insistindo no pedido, do contrário não teria como explicar aos acionistas o investimento que fez. Alega que atendeu todos os pedidos do Ibama. O Ibama diz que eles não foram acolhidos. A broca está no fundo para fazer o furo. Os políticos da região sonham com a ilusão de royalties e, por isso, se uniram ao que há de pior no Congresso para derrotar o projeto ambiental inteiro do governo.

O relator da MP da reorganização do governo, Isnaldo Bulhões, mostrando pouca latitude mental, disse que o Cadastro Ambiental Rural ficaria no Ministério da Gestão e Inovação porque o e-gov está lá. O CAR não é apenas um cadastro, é um instrumento fundamental para o combate à grilagem neste momento. Ele tem duas etapas. O primeiro passo é autodeclaratório. O produtor diz que a terra é dele. Depois o governo valida. Hoje o CAR virou o caminho da fraude porque grileiros registram como propriedade privada fatias de terra em parque nacional, em floresta pública, em terra indígena. A validação, feita agora de forma séria, será o instrumento estratégico de resgate da política ambiental.

Há outras perdas como a Agência Nacional de Águas que sairia do Ministério do Meio Ambiente, retirando-se a possibilidade de gestão ambiental dos recursos hídricos. Depois de impor essas derrotas, a coalizão antiambiental do Congresso quer mais e prepara novos botes no plenário. Por isso, a estratégia definida no governo foi reconhecer que é minoritário nessas pautas e tentar reverter um a um os retrocessos. No governo se diz que a agenda ambiental e indígena é prioritária, mas a semana terminou sob uma enorme incerteza. É um equívoco pensar que o governo é que saiu derrotado. O Brasil é que perde se prevalecer esse tipo de retrocesso.

 

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