segunda-feira, 31 de julho de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mercado de trabalho segue mais forte que o esperado

Valor Econômico

Esse aperto monetário está provocando uma desaceleração da atividade econômica

A economia deu vários sinas de desaceleração no segundo trimestre, depois de um começo de ano muito forte, puxado pelo setor agrícola. Ainda assim, o mercado de trabalho segue com um desempenho melhor do que o esperado. O que é uma boa notícia para o bem-estar da população. Representa, por outro lado, um desafio para o Banco Central baixar a inflação para a meta de longo prazo.

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) na sexta-feira mostram que a taxa de desemprego ficou em 8% no segundo trimestre, o mais baixo percentual para essa época do ano desde 2014. O número surpreendeu todas as 26 instituições financeiras e empresas de consultoria ouvidas pelo Valor Data. O mais otimista esperava que o desemprego ficasse em 8,1%.

O mercado de trabalho está se mantendo relativamente imune à desaceleração da atividade. Reportagem publicada pelo Valor também na sexta mostra que, depois de um desempenho excepcional no primeiro trimestre, com avanço de 1,9%, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deverá se desacelerar no segundo trimestre, para algo como 0,3%.

Com a desaceleração, a economia cumpre o roteiro esperado pelo Banco Central, que elevou os juros a 13,75% ao ano para trazer para a meta, de 3%, uma inflação que chegou a superar 10%. Mas um dos elos da cadeia de transmissão da política monetária parece rompido. O mercado de trabalho deveria se desacelerar, ampliando a taxa de desemprego e o nível de ociosidade, garantindo uma queda duradoura da inflação. Pelo menos é o que diz a chamada Lei de Okun, proposta pelo economista americano Arthur Melvin Okun, que relaciona o crescimento econômico e a taxa de desemprego.

No percentual de 8%, o desemprego está menor do que se acredita que seja a chamada “taxa natural”, ou seja, o nível mínimo de desocupação que a economia pode ter sem provocar a aceleração da inflação. A julgar pelas expectativas de longo prazo coletadas na pesquisa Focus do Banco Central, os economistas hoje estimam a taxa natural de desemprego em 9%. Assim, pelo menos na teoria, o desemprego de 8% estaria atuando para manter a inflação alta, em vez de a baixar.

De fato, em 2014, na última vez em que o desemprego esteve em níveis tão reduzidos, a inflação estava em níveis muito altos, sobretudo os preços de serviços. Foi um árduo trabalho para trazer os índices de preços para as metas. À frente do Banco Central, o economista Ilan Goldfajn só começou a cortar os juros em fins de 2016, quando a taxa de desocupação se encontrava em elevados em 12,2%.

A perspectiva de baixar a inflação com o desemprego nas mínimas dos últimos anos parece ser muito boa para ser verdade - representa um processo de desinflação sem grande dores. Os economistas, porém, estão discutindo se a economia mudou nos últimos anos e ficou estruturalmente diferente do que foi no passado e, portanto, seria possível reinar sobre o avanço de preços com um custo menor.

Uma hipótese muito popular é que a reforma trabalhista, aprovada no governo Temer, pode ter gerado ganhos de eficiência que permitem à economia operar com uma taxa de desemprego menor sem acelerar a inflação. Outra hipótese é que, com a pandemia e o pagamento de benefícios assistenciais, o mercado de trabalho mudou. Uma parcela da população estaria deixando de ofertar sua mão de obra ou estaria abrindo mão de reajustes em favor de esquemas de trabalho mais flexíveis. De fato, a parcela dos trabalhadores que estão empregados ou buscando um emprego diminuiu. Hoje, representam 61,6% das pessoas em idade de trabalhar, comparado com níveis de cerca de 63% antes da pandemia.

Embora plausível para justificar o nível absoluto mais baixo de desemprego, porém, a explicação não muda o fato de que o mercado de trabalho vem apresentando um desempenho melhor do que o esperado. Como ocorreu no segundo trimestre, os economistas estão de forma recorrente superestimando o desemprego. Quando o ano começou, o consenso era que o desemprego fosse ficar em 9% em dezembro. Agora, a estimativa é de 8,5%.

Nada disso inviabiliza o esperado ciclo de corte de juros em reunião desta semana do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. A taxa Selic, que já era muito alta em termos nominais, está se tornando mais restritiva em termos reais, com a queda das expectativas de inflação.

Como apontado, esse aperto monetário está provocando uma desaceleração da atividade econômica. O mais provável é que a Lei de Okun siga valendo, provavelmente com uma maior defasagem. Mais recentemente, os núcleos de inflação se desaceleraram, e esse pode ser um sinal de que a economia opera, sim, com capacidade ociosa.

Além do mais, esse não é o único fator que contribui para a queda da inflação. A decisão correta do governo de manter a meta de inflação em 3% para o longo prazo, depois de todo o ruído desnecessário em torno do tema, ajudou a baixar as expectativas de inflação. Mas, certamente, o Copom se sentiria mais confortável para iniciar um ciclo menos parcimonioso, como indicado pela própria autoridade monetária, se o mercado de trabalho estivesse se desacelerando.

PL das Fake News precisa ser votado pela Câmara

O Globo

Com a volta da atividade legislativa esta semana, a expectativa é que, enfim, tema entre na pauta

O Congresso Nacional retomará seus trabalhos nesta semana, e existe expectativa dentro e fora do Parlamento de que o Projeto de Lei das Fake News volte à pauta da Câmara para, enfim, ser votado. Faz três anos que a proposta da Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, seu nome formal, foi aprovada no Senado, e já passou bastante tempo para que o projeto fosse aperfeiçoado. No evento E Agora, Brasil?, promovido pelo GLOBO e pelo jornal Valor Econômico na semana passada, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto, disse, com razão, que está na hora da definição de um calendário para sua votação.

O texto tem como objetivo regular a atuação das plataformas digitais, o que foi feito na União Europeia, uma referência para a redação da lei brasileira. Ao entrar na fase final de sua tramitação na Câmara, a proposta também acelerará a discussão sobre a entidade que supervisionará a aplicação da lei.

Até agora, a proposta enfrenta lobby cerrado das big techs — nome dado às empresas Alphabet (dona de Google e YouTube), Meta (FacebookInstagram e WhatsApp) e Twitter. As redes têm sido terreno fértil para a circulação de notícias falsas, na tentativa de confundir a aplicação da Lei das Fake News com censura, entre outros absurdos.

Um deles é que a nova legislação acabaria com a liberdade de culto religioso no país, uma tentativa canhestra de obter apoio principalmente dos evangélicos. O deputado Orlando Silva tem se reunido com a bancada evangélica no Congresso para esclarecer que, ao contrário, a legislação defende a liberdade de expressão de qualquer pessoa diante da arbitrariedade de qualquer plataforma digital.

Uma das participantes do E Agora, Brasil?, a pesquisadora Rose Marie Santini, diretora do respeitado Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab-UFRJ), explicou o problema de maneira clara: “a falta de regulamentação impede o fluxo de informação de qualidade nas plataformas, cujo modelo de negócio e arquitetura favorecem a desinformação”.

Sem regulação, as plataformas se transformam em um instrumento poderoso nas mãos de criminosos. O exemplo mais atual é a utilização de Google e Facebook por estelionatários para atrair, com anúncios falsos, incautos que procuram renegociar suas dívidas pelo programa Desenrola Brasil. Foi preciso que o governo federal determinasse formalmente, com despacho publicado no Diário Oficial, que as plataformas retirassem os anúncios de suas redes. O tempo gasto com a burocracia certamente ajudou a aumentar o número de vítimas. Se a nova legislação já estivesse em vigor, as próprias plataformas estariam atentas para evitar ou reduzir qualquer dano causado por conteúdos que circulam nas suas redes.

No caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, as redes foram usadas para agredir a honra da vítima. Faz portanto sentido quando o deputado Orlando Silva diz que o projeto de regulação das plataformas representa um “desafio civilizatório”. É hora de o Congresso encarar esse desafio.

Queda da produção científica no país deveria gerar consenso sobre soluções

O Globo

Brasil ficou ao lado da Ucrânia entre os que tiveram a maior redução de artigos em 2022

A situação da ciência no Brasil chegou a um ponto que exige uma reflexão profunda. Dos 51 países que publicam mais de 10 mil artigos científicos por ano, 23 tiveram uma redução da produção no ano passado. O Brasil, porém, foi destaque negativo. Com diminuição de 7,4%, ficou empatado com a Ucrânia na lista das maiores quedas, segundo levantamento elaborado pela empresa Elsevier em parceria com a Agência Bori. É verdade que o Brasil se manteve em 14º lugar no ranking mundial de maior produção acadêmica, mas isso não anima muito.

Ao GLOBO, Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), disse, com razão, que “o fato de a Ucrânia ser um país em guerra e ter uma queda similar à registrada no Brasil já dá um pouco a medida da gravidade”.

É compreensível que, mesmo que a crise da Covid-19 tenha se iniciado em 2020, o impacto na redução da produção científica viesse a ocorrer dois anos depois, devido ao tempo necessário para projetos de pesquisas serem realizados, redigidos e publicados. A pandemia explica a queda em 45% dos países pesquisados, mas não o desempenho especialmente ruim do Brasil.

A comunidade científica tem seus motivos para reclamar da falta de verbas. O investimento do governo em Ciência e Tecnologia neste ano está previsto em R$ 3,2 bilhões, o que equivale a 0,03% do PIB. Na Coreia do Sul o percentual é de 1%, na Alemanha 0,93%, na França 0,73% e em Israel 0,51%. Apesar do fato de que faltam verbas, há outros problemas à espera de solução. Seria uma ilusão achar que o Brasil só precisa atingir as taxas de investimento de Coreia do Sul, Alemanha, França e Israel para ter uma produção científica do mesmo nível em termos de quantidade e qualidade.

O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, é um dos que propõem uma discussão sobre como os recursos têm sido aplicados. Chamam a atenção os professores que recebem salário de tempo integral sem serem efetivamente pesquisadores. Se esse desvirtuamento fosse corrigido, certamente haveria mais verba para quem realmente está dedicado a projetos de produção científica.

Outro ponto a ser avaliado é a ausência de foco. Muitas vezes, o dinheiro é disperso, sem priorizar áreas estratégicas para o país ou centros de excelência. Além disso, a conexão entre universidades e empresas é, em geral, fraca — muitas vezes, devido à oposição dos próprios pesquisadores. Por fim, parece haver um problema de mão de obra. Em vários segmentos, a conjuntura tem desmotivado a entrada de jovens em projetos de pesquisa.

O debate sobre o que fazer para mudar o statu quo costuma ficar paralisado, com diferentes grupos em suas trincheiras. É preciso que os interessados no avanço da ciência brasileira baixem as armas e consigam chegar a algum consenso.

Operação de risco

Folha de S. Paulo

Governo propõe flexibilizar regras para estados e municípios, muitos perdulários

É positivo que o Ministério da Fazenda reforce a cooperação entre União e entes regionais, que vêm sofrendo acelerada deterioração em suas contas nos últimos anos.

O risco, como a experiência mostra, é que maior flexibilidade nas regras fiscais não resolva as razões de fundo para os conflitos e apenas abra espaço para novos episódios de imprudência na gestão, que ao final resultam em socorro federal.

A grave crise nas contas de estados e municípios entre 2015 e 2016, afinal, decorreu da fragilização de controles na gestão de Dilma Rousseff (PT), com sequelas até hoje. Não se pode esquecer que estados perdulários, como o Rio de Janeiro, chegaram ao ponto de não pagar salários, obrigando a União a bancar esse tipo de obrigação.

Em vários episódios, para piorar, há interferência do Judiciário, que suspende o pagamento por parte dos entes e proíbe o governo federal de executar garantias, sempre com a justificativa da necessidade de manter serviços públicos.

Promete-se que, desta vez, será diferente. O governo anunciou 24 propostas, agrupadas no plano "Novo Ciclo de Cooperação Federativa", com foco na facilitação de concessões de crédito da União, flexibilização de amarras financeiras sob certos critérios e maior espaço para investimentos.

Em tese, são objetivos defensáveis, mas o problema está nos detalhes. De positivo, prevê-se maior rigor em relação à manutenção de recursos em caixa de forma contínua, não só em fim de mandato.

Mas haverá alterações potencialmente perigosas em dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e na régua utilizada para medir a saúde financeira dos entes subnacionais —a Capag (capacidade de pagamento), que vai de A a D.

Os novos critérios, ainda objeto de audiência pública, facilitam a obtenção da classificação máxima e beneficiam 400 municípios, incluindo algumas capitais.

Quem alcançar a melhor nota poderá contratar crédito fora dos limites atuais, de R$ 20 bilhões para este ano. A ausência de restrições pode abrir espaço para gastos difíceis de reverter depois, durante uma conjuntura mais adversa.

Por fim, o governo quer tornar opcionais algumas obrigações de ajuste para estados em Regime de Recuperação Fiscal. Deixam de ser compulsórias vendas de ativos e cortes de benefícios, por exemplo.

Autonomia federativa é uma via de duas mãos. Se estados querem ajuda da União, devem se comprometer com os contratos que assinam, que, por sua vez, não podem ser afrontados por ativismo do Judiciário. Como não é possível garantir que o ciclo de socorros dos últimos anos não se repetirá, é preciso muito cuidado com o afrouxamento de regras prudenciais.

Sem teto, com direitos

Folha de S. Paulo

STF força governos a reavaliarem políticas públicas voltadas a moradores de rua

Omisso: este foi o termo utilizado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para qualificar a atuação do poder público na proteção de pessoas em situação de rua em todo o país.

Em decisão na semana passada, o magistrado determinou que, em 120 dias, o governo federal apresente um plano de ação e monitoramento da política nacional para a questão. Estados e municípios também devem seguir o que determina a respeito do tema o decreto federal 7.053, de 2009 —que garantiu uma série de direitos a esse contingente da população.

Apresentada em maio de 2022 ao STF, a ação que ensejou a decisão partiu de iniciativa da Rede, do Psol e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. Ela responde a um contexto de violações de direitos de moradores de rua, população que cresceu devido à crise econômica e humanitária desencadeada pela pandemia da Covid-19.

Entre 2019 e 2021, o número de pessoas que vivem nas ruas da cidade de São Paulo, por exemplo, teve alta de 31% —cifra que pode estar subestimada. O número de famílias inteiras sem moradia dobrou.

Não há soluções mágicas. Investir na remoção de barracas dessas pessoas sem prover alternativas de habitação é uma tentativa frustrada de maquiar um problema complexo com ações rápidas, mas ineficazes e desumanas.

A decisão de Moraes proíbe a retirada forçada de pessoas e determina que se deve divulgar previamente o dia, a hora e o local de operações de zeladoria. A lógica é, de um lado, permitir que moradores recolham seus pertences e, de outro, executar a limpeza das vias públicas sem conflitos. Evita-se, assim, a supressão dos pertences de quem já tem pouco.

Um dos muitos desafios da decisão é que apenas uma canetada do Supremo não resolverá o problema. Aos executivos federal, estaduais e municipais, dentro de suas competências, cabe detalhar os contornos da política a ser adotada, desde que se respeite os direitos de pessoas em situação de rua, garantidos constitucionalmente.

O prazo de 120 dias, que pode ser considerado exíguo à primeira vista, deve permitir ao menos que os entes reavaliem a questão e se organizem para apresentar planos mais duradouros. Ou que, ao menos, consigam ir além da maquiagem urbana. Nesse sentido, a decisão de Moraes será bem-vinda se conseguir abrir o debate e tirar os responsáveis da inércia atual.

Uma paz relativa e frágil

O Estado de S. Paulo

Queda no número de homicídios verificada em pesquisa se deve principalmente a uma aparente decisão dos chefões do crime organizado, e não à eficácia de políticas públicas de segurança

O 17.º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no dia 20 passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou a segunda queda consecutiva no número de mortes violentas intencionais registradas no País – a quarta em cinco anos. Em 2022, houve 47.508 casos de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, morte por intervenção policial e morte de policial em serviço ou folga. Recentemente, este jornal comentou alguns dos indicadores apresentados no relatório (ver editorial Incivilidade brasileira, 22/7/2023).

À primeira vista, a redução das mortes violentas pode levar à conclusão de que o Brasil estaria se tornando um país mais pacífico. Mas, a despeito da sinalização positiva, os dados do Anuário retrataram um país apenas menos brutal. Afinal, aqui são praticados, em média, 130 assassinatos por dia – cerca de 5 a cada hora. O relatório revelou ainda um país totalmente à mercê dos interesses dos chefões do crime organizado. Em outras palavras: é a dinâmica de atuação das mais perigosas facções criminosas do País que determina o grau de oscilação das estatísticas de violência, não a eficácia de políticas públicas na área de segurança.

Uma evidência dessa vergonhosa realidade é a tendência de queda no número de mortes violentas intencionais registradas nas Regiões Norte e Nordeste. Lá, há alguns anos, o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Cartel do Norte – antiga Família do Norte (FDN) – travam uma guerra sanguinária pelo controle das rotas do tráfico internacional de drogas, um negócio que atinge cifras bilionárias. Por fatores que só esses criminosos controlam, as facções decidiram suspender as rebeliões nos presídios, disputar menos partidas de futebol usando cabeças de rivais como bola e praticar menos homicídios nos municípios em que atuam. Essa espécie de “paz armada”, chamemos assim, tem reflexo direto nos indicadores de violência no Brasil.

“A expansão do CV-PCC em aliança até 2016, a guerra entre os dois grupos pelo País todo em 2017 e a acomodação desse conflito logo em seguida, na maioria dos territórios, têm muito mais influência nas taxas agregadas (de violência urbana) do que qualquer política pública”, disse ao Estadão o pesquisador Gabriel Feltran, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), ligado ao governo francês.

É claro que, para os bolsonaristas, nada disso importa. O que interessa é espalhar a desinformação segundo a qual há uma relação causal entre a queda no número de mortes violentas intencionais ocorridas no País nos últimos anos e o aumento expressivo do número de armas de fogo em poder dos cidadãos no mesmo período. O que se pode depreender do Anuário é exatamente o contrário, vale dizer, não fosse a maligna obsessão de Jair Bolsonaro em armar os brasileiros até os dentes por propósitos políticos, decerto a taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes seria ainda menor no País.

É um terrível engano achar que o Brasil está menos violento porque os cidadãos estão mais armados. Só houve queda no número de mortes intencionais porque a cúpula das mais perigosas quadrilhas em atuação no País entendeu que era o caso de reduzir o ritmo dos massacres em nome de seus desideratos criminosos. A melhora relativa dos indicadores de violência no Brasil, portanto, é extremamente frágil. Se o Estado não se impuser contra o crime organizado, uma nova carnificina pode irromper a qualquer momento.

Qualquer governo minimamente responsável tem o dever de restringir o acesso a armas de fogo aos civis, além de fiscalizar com rigor a posse e o porte dessas armas pelos cidadãos autorizados a adquiri-las, como fez o presidente Lula da Silva. Por óbvio, deve ainda combater o crime organizado de forma inteligente e implacável. Só isso poderá alterar um estado de coisas em que o controle da percepção de segurança dos cidadãos, que cabe exclusivamente ao Estado, siga dependendo dos humores dos criminosos.

Competência institucional não é um capricho

O Estado de S. Paulo

Quando um Poder atropela a Constituição e invade a competência de outro a pretexto de resolver um problema social, não se resolve o problema e ainda se criam novos

Muitas vezes, o respeito às competências institucionais de cada Poder é visto como um apego a formalidades burocráticas, numa atitude de despreocupação com a resolução efetiva dos problemas. É comum, portanto, ouvir que, a depender das circunstâncias, os agentes públicos não deveriam ser censurados por atropelos aos limites das atribuições do cargo. Uma “boa causa” mereceria exceções.

Caso recente foi a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que União, Estados e municípios adotassem uma série de medidas para a população em situação de rua. Mais do que averiguar se ele tinha competência jurisdicional para proferir tal decisão, o fundamental – como muitos postularam – seria o reconhecimento da gravíssima situação humana e social, a demandar uma atuação excepcional do poder público. Lembrar a necessidade de o juiz ater-se às suas atribuições institucionais seria, no caso, quase uma agressão à humanidade das pessoas em situação de rua, uma indiferença com esse drama humanitário. Similar raciocínio é aplicado a muitas outras áreas, como o combate à corrupção e o fomento da educação.

O alerta faz-se necessário. No Estado Democrático de Direito, a distribuição de competências entre os Poderes e órgãos públicos não é apenas por uma divisão de poder, o que é, por si só, uma razão importante. No regime democrático, não há poderes ilimitados. Existe, no entanto, outro motivo, igualmente significativo. A atribuição de competências específicas para cada órgão estatal obedece a uma razão de eficácia.

Só respeitando as atribuições institucionais é que o poder público pode ser realmente eficaz na resolução dos problemas sociais e econômicos. É muito bonita uma decisão judicial impondo uma série de obrigações a todos os entes federativos em relação ao cuidado com a população em situação de rua. Parece, à primeira vista, que ela proporcionou um avanço na compreensão desse grave problema social, bem como na disposição de enfrentá-lo. No entanto, a medida é utópica, sem apoio na realidade, a começar pela falta de condições do STF para acompanhar o cumprimento dessa decisão pelos 27 Estados da Federação e pelos 5.568 municípios brasileiros.

A ter em conta o teor da decisão de Alexandre de Moraes, o STF passa a ser o revisor de todas as políticas públicas da União, dos Estados e dos municípios em relação à população em situação de rua. Tal centralização na Corte, comemorada por alguns como o reconhecimento da relevância do tema, é absolutamente disfuncional, tanto para o funcionamento do Supremo – cuja estrutura é incapaz de fazer a gestão desses casos – como para a proteção das pessoas em situação de rua. Mais do que levar todos os casos para Brasília,

a efetividade dos direitos é obtida, entre outros meios, pela capilaridade do sistema de Justiça, que deve estar próximo das pessoas.

O Estado Democrático de Direito é incompatível com soluções “para inglês ver”. Por sua própria razão de ser, ele tem um compromisso com a efetividade dos direitos. Por isso, medidas salvacionistas, que pretendem resolver questões complexas com uma canetada, são inadequadas. Além de descumprirem as competências constitucionais – quase sempre há violação ao princípio federativo e intromissão na seara do Congresso, o que gera déficit de legitimidade democrática –, elas são enganosas. Prometem o impossível. Basta pensar na falácia, muito difundida nos tempos de Lava Jato, de que a 13.ª Vara Federal de Curitiba – uma vez alçada à condição de “juízo universal de combate à corrupção”, como alertou certa vez Alexandre de Moraes – seria capaz de limpar e renovar toda a política nacional.

Advertir a respeito da incompetência jurisdicional de um juiz na fixação de políticas públicas para a população em situação de rua em todo o País não é ignorar esse grave problema social. É o contrário. Trata-se de não se iludir com soluções mágicas – e ineficazes. O tempo é curto. E os direitos das pessoas, valiosos. O tema tem de ser enfrentado responsavelmente.

O preço da imprudência

O Estado de S. Paulo

Inadimplência de programa da Caixa para negativados, criado no período pré-eleitoral, bate em 80%

Impressiona a escalada da inadimplência na concessão de microcrédito pela Caixa. Até meados do ano passado, a taxa rodava a uma média anual inferior a 4%. Cerca de seis meses antes da eleição presidencial, sob a gestão de Pedro Guimarães, o banco lançou o programa de facilitação de empréstimos a pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) mesmo que sob avaliação negativa dos órgãos de controle de crédito. A partir de então, a taxa de inadimplência da Caixa disparou até ultrapassar 21% em maio deste ano.

Somente no programa que incluiu a “inovação” do crédito a negativados, custeado em parte por recursos arrecadados pelo FGTS, o índice de calote em 12 meses gira em torno de inacreditáveis 80%. Apesar dos valores limitados dos empréstimos – no máximo R$ 4,5 mil por operação –, a adoção do programa, batizado de SIM Digital, desconsiderou regras básicas de prudência bancária.

Sob o falso propósito de estimular o empreendedorismo, fez parte do processo de distribuição de recursos com fins claramente eleitorais. E que, de forma mais do que previsível, elevou a inadimplência da Caixa no segmento de microcrédito a um patamar recorde. É um exemplo que vale analisar num momento em que outro programa governamental tem como um dos principais objetivos “limpar” CPFs incluídos no cadastro de negativados por dívidas irrisórias.

Há muitas diferenças entre as duas iniciativas, a começar pelo próprio timing. O SIM Digital ocorreu no fim do governo Bolsonaro, às vésperas de uma eleição polarizada e na qual o próprio presidente da Caixa tinha sérias pretensões – eliminadas depois de seu afastamento do cargo e do governo em meio ao escândalo das acusações de assédio sexual. O Desenrola Brasil, iniciado neste mês, ocorre em início de gestão, como parte do cumprimento de promessas de campanha.

Na semana passada, quando entrou em vigor o programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo Lula, os bancos anunciaram que 1,261 milhão de clientes que estavam com o nome “sujo” por dívidas ativas de até R$ 100 haviam sido retirados do cadastro de inadimplentes. A dívida permanece, é renegociada e terá de ser paga, mas eles passam a estar, de imediato, aptos a novos créditos.

Não deixa de ser chocante que tanta gente receba o selo de mau pagador por dívidas bancárias em valores insignificantes, o que torna ainda mais patente a necessidade de uma educação financeira desse público. É óbvio que o crescimento do endividamento não está circunscrito a isso, mas é uma base que precisa ser reforçada. Não adianta apenas liberar mais empréstimos, muito menos de forma tão desprovida de critérios, como foi a que idealizou o SIM Digital.

Cabe ao governo e às instituições financeiras que aderiram ao novo programa orientar os tomadores de empréstimos. O cumprimento dos compromissos resguarda os agentes, robustece os clientes à medida que eleva seu grau de avaliação no sistema financeiro e faz girar a economia, dentro de um nível de risco plausível. A reabilitação ao crédito é bem-vinda – desde que sem irresponsabilidade eleitoreira.

Ovnis — a verdade está lá fora

Correio Braziliense 

"O Congresso dos EUA viveu um dia literalmente de outro planeta com uma audiência organizada por grupos que pressionam o governo norte-americano por mais transparência sobre os encontros com objetos voadores não-identificados, os famosos ovnis"

Normalmente palco de debates acalorados sobre leis, projetos e articulações políticas, o Congresso dos Estados Unidos viveu um dia literalmente de outro planeta na última quarta-feira, com uma audiência organizada por grupos que pressionam o governo norte-americano por mais transparência sobre os encontros com objetos voadores não-identificados, os famosos ovnis. A reunião ouviu o depoimento de testemunhas que deram seus relatos sobre supostos encontros com os também chamados fenômenos anômalos inexplicáveis (UAP, na sigla em inglês).

A fala mais impressionante foi de David Grusch, ex-funcionário de inteligência dos EUA. Ele afirmou, sem meias palavras: “Nós não estamos sozinhos, e as autoridades dos Estados Unidos estão escondendo evidências”. Grusch alega que o governo norte-americano oculta informações sobre ovnis não apenas do público, mas também do Congresso, e afirmou existir material biológico não-humano recuperado de uma nave alienígena de posse do comando do país.

Ele disse ter entrevistado pessoas com conhecimento direto sobre veículos não humanos. “Meu depoimento é baseado em informações que venho recebendo de indivíduos com uma longa trajetória de legitimidade e serviço a este país, muitos dos quais também compartilham evidências convincentes, como fotografias, documentação oficial e depoimentos orais classificados”, afirmou, sob juramento — prática que os americanos costumam levar muito a sério.

Além do depoimento de Grusch, outras duas testemunhas marcaram presença na audiência: os ex-pilotos de caça da Marinha, David Fravor e Ryan Graves, que descreveram encontros com objetos desconhecidos, em décadas e continentes diferentes. As preocupações levantadas por Graves ao comitê são pertinentes: “Se os UAP são drones estrangeiros, é um problema de segurança nacional urgente. Se for outra coisa, é uma questão para a ciência. Em ambos os casos, objetos não identificados são uma preocupação para a segurança do voo”.

Na sequência, a Nasa, a agência espacial norte-americana, anunciou que vai divulgar em agosto um relatório sobre os encontros de ovnis. A decisão também é digna de destaque, pois representa um importante passo em direção à transparência. Ao tornar esses dados mais acessíveis, a Nasa demonstra compromisso com a busca pela verdade e pela compreensão de fenômenos que ainda não se pode explicar totalmente.

Com o tema dos ovnis avançando rapidamente, é fundamental manter um equilíbrio entre as revelações — que podem ser surpreendentes — e o rigor científico. Neste momento, o sensacionalismo e o pânico infundado não contribuem para o avanço do conhecimento, e podem levar a interpretações equivocadas ou alarmistas.

Além disso, cabe destacar que, até o momento, não há evidências definitivas de que ovnis sejam, de fato, espaçonaves alienígenas, e boa parte deles são explicados por meio de fenômenos meteorológicos. Famosa por abordar o tema, a série de televisão Arquivo X (1993-2018) tinha como bordão a frase: “A verdade está lá fora”. Agora que o assunto está sendo tratado com seriedade, cabe à sociedade e ao mundo buscá-la com responsabilidade.

 


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