segunda-feira, 31 de julho de 2023

Gustavo Loyola* - Não perder oportunidades

Valor Econômico

O projeto de reforma sintetiza o anseio na sociedade por um sistema tributário mais racional e equitativo

Roberto Campos teria dito que “infelizmente, o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”. Essa frase cai como uma luva quando tramita no Congresso Nacional um projeto de reforma profunda dos tributos que incidem sobre o consumo, cuja aprovação tem o potencial de impulsionar o crescimento da economia brasileira nas próximas décadas.

Muito embora o projeto em discussão no Legislativo represente uma oportunidade ímpar para se adotar no Brasil um regime de tributação sobre o consumo dos mais avançados no mundo, infelizmente grupos de pressão têm atuado ativamente para levá-lo ao fracasso, claramente colocando interesses regionais e setoriais acima do interesse nacional. Como munição, tais grupos, muitas vezes, não hesitam em lançar mão de falácias, meias verdades ou equívocos técnicos flagrantes.

O mencionado projeto prevê a substituição de cinco tributos por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, mantendo separados o IVA que engloba tributos hoje na órbita federal (IPI, PIS e Cofins) daqueles que estão nas esferas estadual e municipal (ICMS e ISS). Conquanto o ideal fosse a criação de apenas um IVA nacional, os autores do projeto, de maneira inteligente, optaram pela dualidade do tributo, com vistas a afastar a ideia de que haveria o enfraquecimento da Federação, caso houvesse a concentração em apenas um único tributo, gerenciado pela União.

Apesar disso, ainda há aqueles que seguem apontando o projeto como uma ameaça à autonomia dos Estados e municípios. O argumento parece-me falacioso, pois o projeto não impede que os entes federados possam fixar as alíquotas para seus territórios. O que na realidade o projeto veda é atribuir poder discricionário a Estados e munícipios para fixar hipóteses de incidência e bases de cálculo do tributo, porque isso representaria a manutenção do manicômio atual, onde há de fato 27 regimes tributários diferentes, anulando um dos grandes benefícios almejados pela reforma, que é a simplificação tributária e a diminuição do custo de observância pelos contribuintes. Vale notar que outras nações organizadas politicamente como federação, como a Alemanha, há muito adotam o IVA nacional, sem prejuízo dos princípios federativos.

Outra discussão que tem potencial para ferir de morte a reforma tributária diz respeito à criação de exceções à regra geral, para beneficiar determinados segmentos econômicos. A PEC como aprovada na Câmara dos Deputados já se afasta bastante do ideal de uma alíquota uniforme, ao prever três alíquotas: a cheia ou de referência, uma reduzida em 60% em relação à de referência e a alíquota zero, além de regimes especiais ou com a faculdade de adesão pelo contribuinte como do Simples e o da Zona Franca de Manaus. Caso prosperem tais exceções e mais aquelas que ainda estão sendo cogitadas, a alíquota de referência do novo tributo dificilmente ficará muito abaixo dos 30%, que é um percentual muito acima da média observada internacionalmente. Ou seja, para que o nível de arrecadação atual seja mantido, uma maioria das empresas pagará uma conta mais salgada por causa das vantagens tributárias atribuídas a alguns setores minoritários.

De toda maneira, vale ressaltar que a criação do IVA nos moldes ora em discussão pelo Legislativo trará enormes benefícios para a economia brasileira. A tributação no destino e a eliminação dos tributos em cascata vão permitir que a alocação de recursos siga a racionalidade econômica, e não mais uma busca pura e simples de vantagens tributárias, o que deve tornar a economia mais produtiva e a produção doméstica, mais competitiva nos mercados externos. Ademais, o país deixará de exportar impostos, em razão de a incidência passar a ser no destino e não mais na origem, como na presente situação, em que o processo de desoneração das exportações é imperfeito e tortuoso, principalmente em razão da dificuldade de se transferir créditos tributários entre os distintos entes federados. Além disso, a adoção do IVA dual, ao simplificar profundamente a legislação tributária vigente, deve reduzir de modo significativo o custo de observância pelas empresas, inclusive diminuindo a insegurança jurídica e o alto grau de litigiosidade entre as autoridades tributárias e os contribuintes.

Por outro lado, o longo período de transição entre o modelo atual e o proposto na reforma e os mecanismos nela previstos para preservar o atual nível de arrecadação de Estados e municípios afastam os riscos da transição de regime, tanto para o Fisco quanto para os contribuintes. Tal característica da reforma, a meu ver, permite que haja mais ousadia na busca de um modelo de IVA o mais próximo do ideal, com um mínimo de exceções e de regimes especiais.

Em suma, está nas mãos dos congressistas a responsabilidade de evitar que mais uma vez o Brasil perca uma oportunidade. O projeto de reforma dos impostos sobre o consumo resultou de anos de estudos e debates e sintetiza o anseio majoritário na sociedade brasileira por um sistema tributário mais racional e equitativo. Cabe ao Congresso Nacional não apenas aprovar a reforma, como também preservar seus princípios basilares de modo a evitar que todo esforço redunde apenas numa “troca de seis por meia dúzia”.

*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.