Folha de S. Paulo
Imobilismo e voluntarismo geram
ineficiência crônica
A Reforma
Tributária enviada ao Congresso pelo regime militar, em 4 de
novembro de 1965, foi promulgada 26 dias após sua apresentação. A natureza
autoritária do regime foi essencial para o desfecho, mas não explica tudo; a
Reforma Tributária —como a Previdenciária— do governo Thatcher, também foi aprovada em semanas. Em outros
modelos de democracias, as reformas são processos negociados e morosos.
No Reino Unido, a proposta não poderia ter sido substancialmente alterada pelos
relatores ou comissões congressuais. A oposição não conta com instrumentos de
ação disponíveis em países com Legislativo descentralizado (ex. Brasil, EUA). A
obstrução também não poderia vir de membros de coalizões governativas: o voto
distrital leva ao bipartidarismo. E, por construção, o primeiro-ministro tem
maioria. Tampouco poder-se-ia questionar sua constitucionalidade (não há
revisão constitucional) ou recorrer à uma Suprema Corte (porque inexistia tal
instituição no país até 2009); o país sequer tem Constituição escrita.
O premiê britânico não é um "ditador
parlamentar": seu poder é institucional e partidário e o mandato não é fixo:
quando Thatcher se tornou altamente impopular foi desafiada internamente e
acabou levando o cartão vermelho do partido. Os conservadores ainda se
mantiveram no poder. Majoritários na opinião pública, ganharam as eleições.
Os sistemas políticos com autoridade política concentrada —modelos majoritários
de democracia— exibem alto grau de "decisividade" (McCubbins): a capacidade de tomar
decisões. Mas há um trade off envolvido no desenho institucional: decisividade
robusta está associada à alta volatilidade, que é incompatível com a
previsibilidade necessária em certas áreas de política (regimes regulatórios,
fiscais etc); "resolutividade", nos termos daquele autor.
Assim, o ideal normativo de governança democrática combina capacidade de
mudança e de estabilidade institucional ancorada em consenso sobre objetivos de
longo prazo (algo presente no Reino Unido).
O nosso modelo institucional híbrido —que combina elementos majoritários e
consensuais— exibe patologias como discutido aqui na coluna. Não é totalmente paralisante
nem vertical. Mas é marcado por altos custos de transação e movimentos
contraditórios.
Por um lado, imobilismo pelo excesso de barganhas oportunistas e comportamento
rentista. Por outro, voluntarismo majoritarista, que se manifesta nas
iniciativas curto-prazistas voltada para a blindagem de políticas, estruturas
burocráticas e indivíduos, criando rigidez e ineficiências crônicas. O que impede
que democracias consensuais não degenerem em corrupção e desgoverno? Eis o nosso dilema
institucional.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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