Valor Econômico
A gravidade dos crimes denunciados pelo PGR não deixa dúvida de que Bolsonaro e os 33 outros denunciados dificilmente escaparão da prisão
A gravidade dos crimes denunciados pelo Procurador-Geral da República a
serem analisados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e julgados pelo
plenário da Corte não deixa dúvida de que o ex-presidente Jair Bolsonaro e os 33
outros denunciados dificilmente escaparão da prisão. O desgaste a que o
bolsonarismo será submetido ao longo do processo de aceitação e julgamento da
denúncia terá desdobramentos políticos com reflexos diretos sobre a disputa
presidencial de 2026.
A dúvida que surge é sobre o aperfeiçoamento institucional que decorrerá deste capítulo infeliz da história brasileira. O mais evidente e, em torno do qual gira boa parte das 272 páginas da denúncia, é o esforço dos golpistas, dos “kids pretos” ao ex-presidente da República, em envolver as Forças Armadas na tentativa de golpe.
O argumento usado pelos atuais comandantes e
pelo ministro da Defesa, José
Múcio, de que o golpe não se concretizou porque as Forças
Armadas resistiram não dá conta de explicar porque tantos civis e militares se
envolveram na tentativa de colocar as tropas nas ruas. Isso só aconteceu pela
existência do artigo 142 da Constituição, que prevê a atuação das Forças na
garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Os golpistas conhecem
tão bem o artigo que um dos coronéis envolvidos na trama, ciente da trava no
Judiciário e da indisposição entre os comandantes e o então presidente, sugere
que se envolva o Legislativo: “É pela determinação de qualquer um dos poderes
que as Forças Armadas podem intervir”, conclui.
Numa gaveta do gabinete que o general,
ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Neto, mantinha no
PL, foi encontrado um documento, denominado “Operação 142”, numa referência ao
artigo constitucional. Neste documento estão listadas todas as ações
decorrentes do uso do 142 como o fundamento para a consecução do golpe de
Estado: preparação da tropa para “ações diretas”, interrupção do processo de
transição, anulação dos “atos arbitrários” do STF, anulação das eleições e
preparação de novas, prorrogação dos mandatos até o “estado final desejado
político”: “Lula não sobe a rampa”.
É com base no artigo 142 também que o então
ministro da Defesa, Paulo
Sérgio Nogueira Batista, reúne, em seu gabinete, os três
comandantes militares, o general Marco
Antonio Freire Gomes , o brigadeiro Baptista Junior e o
almirante Almir
Garnier no dia 14 de dezembro. Nesta reunião foi
apresentado o decreto golpista aos chefes militares, obteve a anuência do
comandante da Marinha mas não daqueles do Exército e da Aeronáutica.
O fundamento de toda esta arregimentação é a
existência do artigo 142 e a possibilidade lá franqueada para que os militares
atuem na lei e ordem internas. O ministro da Defesa, José Múcio, é contrário à
revogação deste artigo sob o argumento de que as operações de garantia da Lei e
da Ordem, que garantem, por exemplo, a segurança de grandes eventos como o G-20
e a COP-30, estão nele fundamentadas.
Uma reforma para eliminar a interpretação de
que há respaldo constitucional para uma intervenção armada na ordem interna é o
que resultaria de mais concreto e duradouro do processo que agora ganhará
tração. Só a mudança efetiva deste artigo possibilitaria ao país, ao fim deste
processo, virar a página não do bolsonarismo, mas da sombra que voltou a
ameaçar a democracia brasileira.
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