Folha de S. Paulo
Perspectiva de ceder territórios ucranianos à
Rússia sem a anuência de Kiev seria recompensar Putin por guerra de agressão
Sim, Vladimir
Putin tinha motivos para queixar-se da expansão da Otan para o Leste,
que contrariou promessas feitas à Rússia nos
anos 1990. Mas o autocrata perdeu qualquer filamento de razão que pudesse ter
quando trocou o diálogo por uma guerra de agressão e invadiu a Ucrânia em
2022 (deixemos de lado o precedente da Crimeia).
Sim, Donald Trump tinha motivos para queixar-se do desequilíbrio no financiamento da Otan. Eram os EUA que arcavam com a maior parte dos custos da segurança do Ocidente, enquanto países europeus entesouravam os chamados dividendos da paz (redução de gastos militares após o fim da Guerra Fria).
O presidente americano, porém, entra em
terreno perigoso quando decide alienar seus parceiros europeus e negociar
a entrega de territórios ucranianos (sem a anuência de Kiev) à Rússia. O
paralelo com a crise dos Sudetos, em 1938, quando britânicos e franceses
entregaram territórios tchecos a Hitler (também
sem consulta a Praga) é inevitável.
O risco agora não é tanto uma reedição da 2ª
Guerra Mundial, mas a implosão de um sistema de governança global que,
apesar de muitos vieses e imperfeições, vinha sendo capaz de evitar conflitos
entre nações e, em menor medida, até guerras civis. Não é uma coincidência que
o período de 1945 até os dias atuais tenha sido batizado de Longa Paz.
De início, essa fase de menor beligerância
foi atribuída ao equilíbrio do terror característico da Guerra Fria, mas a
tendência se prolongou, se é que não se intensificou, para além da queda do
Muro de Berlim e do fim da URSS. Isso tem muito a ver com a ideia, da qual
sucessivos presidentes americanos foram fiadores, de um sistema internacional
baseado em regras que valem para todos e gerido de forma mais ou menos
multilateral.
É essa ideia que Trump põe a perder ao
recompensar Putin por uma guerra de agressão. Não acho que o russo irá sair
invadindo outros países da Europa, mas
deixou de valer o princípio civilizador segundo o qual mesmo potências
militares precisam seguir regras.
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