Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Nos últimos três meses o mundo viveu um desafogo. Subiram as bolsas, os preços das commodities.
Caiu a aversão ao risco e despencaram os riscos de países e empresas. O dólar enfraqueceu em relação à maioria das moedas. O crédito começou a voltar. Tudo isso fez muita gente sonhar com o começo do fim da crise, mas os economistas estão divididos entre o V e o W.
Os mais otimistas acham que esse é o começo da recuperação da crise e que a economia mundial chegará ao fim do ano — alguns países mais rapidamente que outros — em ritmo de retomada para um 2010 melhor do que este difícil ano que estamos vivendo. Outros acreditam que pode haver uma segunda queda; é o cenário em W.
O que todos concordam: passou o pânico que quase levou o mundo ao precipício no final de 2008; reduziramse muito os riscos de uma grande depressão como a da crise de 1929; diminuíram os riscos bancários, apesar de os bancos ainda não estarem saneados.
Mas acabam aí os consensos.
A turma do W parece mais consistente. Há incertezas demais e artificialismos demais para se acreditar que este é o momento de retomada sustentada e de saída de uma crise dessa magnitude.
Há um enorme descasamento entre a economia real e o clima de carnaval fora de época do mercado.
Esse descasamento faz o mundo caminhar num fio de navalha: basta um dado ruim para precipitar um período de realização, ou seja, uma nova queda. Novos períodos de volatilidade podem ocorrer. Se não houver a rápida recuperação que está sendo prevista no segundo semestre.
Os excessos monetários e fiscais dos países ricos provocarão uma crise mais adiante. O ano de 2011 está marcado em vermelho em alguns calendários como um ano em que se pode enfrentar uma onda de inflação global. Hoje isso parece ficção, porque as economias maduras mal conseguiram afastar o risco da deflação. Mas com a intensidade do relaxamento fiscal e monetário é difícil escapar dessa onda.
Mas há riscos mais imediatos como uma nova onda de queda de ativos. O economista Nouriel Roubini publicou, em um dos seus últimos relatórios, que a economia chinesa pôs um tal volume de recursos à disposição das estatais que elas, sem conseguir alocar todos os recursos, estão estocando matéria-prima muito além de suas capacidades produtivas.
Os brasileiros que voltaram da reunião mundial da siderurgia, e que eu entrevistei no programa da Globonews, Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), e Carlos Loureiro, do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), disseram que as avaliações feitas em Nova York eram de que a recuperação do consumo de aço nos países industrializados será lentíssima.
Eles falaram também que alguns analistas estavam avaliando no Steel Survival Strategies (antigamente o S era de Success) que a China pode estar chegando à maturidade em termos de consumo de aço. Pode parecer estranho, porque a China ainda tem milhões de pessoas para incluir no mercado de consumo, mas o que eles dizem é que o país sobreinvestiu em infraestrutura em 2009, e que nos próximos anos vai naturalmente reduzir o ímpeto desse investimento.
— A China saiu de 98 quilos de aço por habitante/ ano, em 1998, para 340 quilos por habitante/ano, agora. O Brasil está há 20 anos estagnado em 100 quilos — explicou Marco Polo.
Loureiro disse que ouviu de alguns analisas que os Estados Unidos não voltarão, num horizonte visível, aos níveis de consumo de aço de 2008.
Os déficits públicos dos dez países mais ricos do mundo podem levar o endividamento global desses países de 78% do PIB em 2007 para 114% do PIB em 2014, disse a revista “Economist” citando economistas do FMI.
Essa é uma crise de longo curso, com etapas e desdobramentos ainda por vir.
Com possíveis surpresas e reviravoltas, por isso a pior coisa que se pode fazer em relação a ela é subestimá-la.
No Brasil, governo e empresas estão confundindo a recuperação da Bolsa, a queda do risco-país, a queda do spread nos bônus lançados pelas empresas como o fim da crise. Não foi só o Brasil que passou por essa recuperação.
Foi uma onda. Este ano, até agora, a Bolsa da China aumentou 60%; a da Índia, 50%; e a do Brasil, 57%. Tudo isso em dólares.
Não é sinal de saúde. A economia da Rússia, que vai ter uma recessão de grandes proporções, este ano teve uma alta na Bolsa de 51,8%.
Num artigo publicado no “Economists’ Voice”, o Nobel Joseph Stiglitz aconselha conter a alegria: “o otimismo voltou com a primavera, mas a economia americana tem um longo caminho a seguir”, disse ele.
Se houver novos períodos de volatilidade, incerteza e queda de ativos, estará mais bem posicionado quem não subestimar o tamanho dos riscos que ainda existem na economia brasileira.
Há setores que vivem intensidades diferentes da crise, mas ela ainda está se desdobrando. Ainda há muita coisa mal resolvida e mal parada na economia mundial e brasileira.
Os Estados Unidos têm como uma de suas estratégias para sair da crise o investimento na transformação da velha economia intensiva em carbono em uma nova economia de baixo carbono.
Na sexta-feira, essa estratégia avançou mais um pouco com a aprovação na Câmara dos Representantes — por estreita margem — da primeira legislação que estabelece a redução de emissões e estimula a produção de energia limpa. Os republicanos acham que ela vai destruir empregos. O presidente Barack Obama acha que ela será um dos motores da retomada econômica.
DEU EM O GLOBO
Nos últimos três meses o mundo viveu um desafogo. Subiram as bolsas, os preços das commodities.
Caiu a aversão ao risco e despencaram os riscos de países e empresas. O dólar enfraqueceu em relação à maioria das moedas. O crédito começou a voltar. Tudo isso fez muita gente sonhar com o começo do fim da crise, mas os economistas estão divididos entre o V e o W.
Os mais otimistas acham que esse é o começo da recuperação da crise e que a economia mundial chegará ao fim do ano — alguns países mais rapidamente que outros — em ritmo de retomada para um 2010 melhor do que este difícil ano que estamos vivendo. Outros acreditam que pode haver uma segunda queda; é o cenário em W.
O que todos concordam: passou o pânico que quase levou o mundo ao precipício no final de 2008; reduziramse muito os riscos de uma grande depressão como a da crise de 1929; diminuíram os riscos bancários, apesar de os bancos ainda não estarem saneados.
Mas acabam aí os consensos.
A turma do W parece mais consistente. Há incertezas demais e artificialismos demais para se acreditar que este é o momento de retomada sustentada e de saída de uma crise dessa magnitude.
Há um enorme descasamento entre a economia real e o clima de carnaval fora de época do mercado.
Esse descasamento faz o mundo caminhar num fio de navalha: basta um dado ruim para precipitar um período de realização, ou seja, uma nova queda. Novos períodos de volatilidade podem ocorrer. Se não houver a rápida recuperação que está sendo prevista no segundo semestre.
Os excessos monetários e fiscais dos países ricos provocarão uma crise mais adiante. O ano de 2011 está marcado em vermelho em alguns calendários como um ano em que se pode enfrentar uma onda de inflação global. Hoje isso parece ficção, porque as economias maduras mal conseguiram afastar o risco da deflação. Mas com a intensidade do relaxamento fiscal e monetário é difícil escapar dessa onda.
Mas há riscos mais imediatos como uma nova onda de queda de ativos. O economista Nouriel Roubini publicou, em um dos seus últimos relatórios, que a economia chinesa pôs um tal volume de recursos à disposição das estatais que elas, sem conseguir alocar todos os recursos, estão estocando matéria-prima muito além de suas capacidades produtivas.
Os brasileiros que voltaram da reunião mundial da siderurgia, e que eu entrevistei no programa da Globonews, Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), e Carlos Loureiro, do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), disseram que as avaliações feitas em Nova York eram de que a recuperação do consumo de aço nos países industrializados será lentíssima.
Eles falaram também que alguns analistas estavam avaliando no Steel Survival Strategies (antigamente o S era de Success) que a China pode estar chegando à maturidade em termos de consumo de aço. Pode parecer estranho, porque a China ainda tem milhões de pessoas para incluir no mercado de consumo, mas o que eles dizem é que o país sobreinvestiu em infraestrutura em 2009, e que nos próximos anos vai naturalmente reduzir o ímpeto desse investimento.
— A China saiu de 98 quilos de aço por habitante/ ano, em 1998, para 340 quilos por habitante/ano, agora. O Brasil está há 20 anos estagnado em 100 quilos — explicou Marco Polo.
Loureiro disse que ouviu de alguns analisas que os Estados Unidos não voltarão, num horizonte visível, aos níveis de consumo de aço de 2008.
Os déficits públicos dos dez países mais ricos do mundo podem levar o endividamento global desses países de 78% do PIB em 2007 para 114% do PIB em 2014, disse a revista “Economist” citando economistas do FMI.
Essa é uma crise de longo curso, com etapas e desdobramentos ainda por vir.
Com possíveis surpresas e reviravoltas, por isso a pior coisa que se pode fazer em relação a ela é subestimá-la.
No Brasil, governo e empresas estão confundindo a recuperação da Bolsa, a queda do risco-país, a queda do spread nos bônus lançados pelas empresas como o fim da crise. Não foi só o Brasil que passou por essa recuperação.
Foi uma onda. Este ano, até agora, a Bolsa da China aumentou 60%; a da Índia, 50%; e a do Brasil, 57%. Tudo isso em dólares.
Não é sinal de saúde. A economia da Rússia, que vai ter uma recessão de grandes proporções, este ano teve uma alta na Bolsa de 51,8%.
Num artigo publicado no “Economists’ Voice”, o Nobel Joseph Stiglitz aconselha conter a alegria: “o otimismo voltou com a primavera, mas a economia americana tem um longo caminho a seguir”, disse ele.
Se houver novos períodos de volatilidade, incerteza e queda de ativos, estará mais bem posicionado quem não subestimar o tamanho dos riscos que ainda existem na economia brasileira.
Há setores que vivem intensidades diferentes da crise, mas ela ainda está se desdobrando. Ainda há muita coisa mal resolvida e mal parada na economia mundial e brasileira.
Os Estados Unidos têm como uma de suas estratégias para sair da crise o investimento na transformação da velha economia intensiva em carbono em uma nova economia de baixo carbono.
Na sexta-feira, essa estratégia avançou mais um pouco com a aprovação na Câmara dos Representantes — por estreita margem — da primeira legislação que estabelece a redução de emissões e estimula a produção de energia limpa. Os republicanos acham que ela vai destruir empregos. O presidente Barack Obama acha que ela será um dos motores da retomada econômica.
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