O evento político brasileiro mais importante do ano que se inicia, provavelmente, será a eleição municipal de outubro. Esta é a oitava vez que todos os eleitores brasileiros - com exceção dos moradores do Distrito Federal - irão às urnas no atual ciclo democrático para escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Este número não inclui a disputa de 1985, na qual votaram apenas os eleitores das capitais, municípios considerados áreas de segurança nacional e novos municípios.
A realização de eleições locais, separadas das eleições para postos estaduais e nacionais, é uma marca do atual período democrático. Durante o período 1945-1964 - outro momento da história republicana com eleições regulares e competitivas - o calendário eleitoral era mais confuso. O mandato do presidente durava cinco anos. As eleições para Congresso e Assembleias Legislativas aconteciam a cada quatro anos. O mandato dos governadores podia durar quatro ou cinco anos, dependendo da Constituição de cada Estado, que também definia o calendário das eleições municipais.
Quem acompanha a política brasileira sabe que existe uma conexão entre os dois ciclos de eleições. Por exemplo, deputados federais e estaduais apoiam politicamente e financeiramente determinados candidatos a vereador e a prefeito nas eleições municipais. Dois anos depois, é hora de as lideranças locais "retribuírem" o apoio recebido fazendo a campanha daqueles para o Legislativo estadual ou para a Câmara dos Deputados.
O calendário diferenciado também gera tensões entre a política municipal e a política estadual. Prefeitos e secretários municipais tornam-se potenciais candidatos ao Legislativo, rivalizando com os deputados federais e estaduais. Por outro lado, muitos deputados concorrem a prefeituras nas eleições que ocorrem no meio do mandato; nas seis eleições municipais realizadas a partir de 1988, a média de deputados federais que se candidatam a prefeito ou a vice-prefeito em cada legislatura é de 18%.
Na realidade, existem poucos estudos sobre como são montadas as redes de apoio dos deputados federais e estaduais no âmbito local. Por exemplo, não sabemos se as alianças entre as lideranças locais e as estaduais são estritamente partidárias ou feitas em bases mais amplas. É importante não esquecer que até 2009 as trocas de legenda eram muito frequentes.
Também não sabemos se existe variação do padrão destas alianças segundo o tamanho dos municípios. Talvez, deputados federais prefiram criar redes com lideranças de cidades de maior população, que podem garantir mais votos nas eleições gerais, do que com as lideranças das pequenas cidades do Estado.
Outro tema que merece mais estudos é a conexão entre os cargos majoritários estaduais (governadores e senadores) e as eleições para prefeito. Será que a vitória de um partido em uma determinada prefeitura tem realmente impacto positivo sobre o desempenho do governador ou presidente dois anos depois? Ou na outra direção: será que o apoio do presidente ou governador é determinante na escolha que os eleitores fazem nas eleições municipais?
Nas eleições de 2008, por exemplo, a enorme popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi suficiente para garantir que os candidatos do PT, ou apoiados pelo partido, vencessem as eleições em importantes municípios, tais como São Paulo e Porto Alegre. Mas do ponto de vista analítico as coisas ficam ainda mais difíceis se pensarmos em um cenário hipotético: o que aconteceria com os candidatos petistas não recebessem o apoio do presidente Lula?
Um exercício estatístico simples oferece algumas pistas sobre o padrão de conexão entre as eleições municipais e as gerais. Para observar o grau de associação entre os votos dos partidos e as eleições gerais que acontecem dois anos depois, comparei os dados da disputa de 2000 com os de 2002, e os de 2004, com os de 2006 (um pequeno problema com os dados de 2008 não permitiram uma comparação com as eleições de 2010).
Comparei os resultados de quatro partidos: PT, PSDB, PMDB e PFL. Os resultados para os cargos majoritários (prefeitos x governadores e presidentes) são surpreendentes: as correlações são estatisticamente fracas ou inexistentes. A única exceção é o PT, cujas votações estiveram correlacionadas (r = 0,23) na comparação 2002/2000. Ou seja, a votação obtida por Lula em 2002 guardou alguma relação com o padrão obtida pelo PT dois anos antes, mas a de 2006 teve um padrão muito diferente da votação do PT em 2004.
A comparação dos resultados dos partidos para as eleições proporcionais mostra resultados mais consistentes. A votação dos quatro partidos para vereador está positivamente associada à votação destes partidos para deputados federal e estadual. Os níveis de três partidos (PFL, PMDB e PSDB) são semelhantes, e variam entre r = 0,26 e r = 0,37.
A correlação dos votos do PT foi mais alta. As taxas para vereador e deputado federal foram as seguintes: r = 0,61 (2000/2002) e r = 0,53 (2004/2006). As taxas de correlação entre votos para vereador e deputado estadual são semelhantes: r = 0,60 (2000/2002) e r = 0,53 (2004/2006).
Dados atualizados e a inclusão de novos partidos no exercício pode dar mais pistas sobre como as eleições locais influenciam as nacionais (e eventualmente, o contrário). Ainda não temos boas evidências de que as eleições para o Executivo municipal estejam associadas ao que acontece a seguir nas disputas para presidente e governador. Mas os dados das correlações apresentadas sugerem um caminho que merece mais explorações: o desempenho dos partidos nas eleições para vereador está associado ao desempenho para deputado estadual e federal nas eleições que acontecem dois anos depois.
Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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