- O Estado de S. Paulo
Já se perguntou a quem interessa esse tal de #PanamaPapers? A Vladimir Putin, o probo presidente russo que passou a ser suspeito de ter escondido US$ 1 bi com ajuda da Mossack Fonseca, é que não é. Quem foi um dos primeiros a retuitar a história logo que ela saiu? Edward Snowden. Onde mora Snowden? Na Rússia. Para quem trabalhava Snowden? Para a CIA. Por que Snowden se tornou famoso? Por hackear e vazar documentos sigilosos. Qual a fonte dos #PanamaPapers? 11,5 milhões de documentos hackeados. Sacou? Assim se inventa uma teoria da conspiração.
Mal as primeiras reportagens do #PanamaPapers foram publicadas, pulularam especulações sobre “quem estava por trás”. Entre as várias versões conspiratórias que surgiram, logo prevaleceu a menos original de todas: os EUA. Principal “argumento”? “Não há gringos denunciados”. Para “confirmar”, o consórcio internacional (ICIJ) que coordenou a investigação de 376 jornalistas de 76 países tem sede em – é claro – Washington.
Em três dias, o #PanamaPapers derrubou o primeiro-ministro da Islândia e provocou sérios problemas – entre outros – para governantes do Reino Unido, Austrália, Argentina, México, Rússia, El Salvador, Panamá, Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes, África do Sul, Iraque e até da China. Apesar do alcance global, não apareceu nenhum político de peso norte-americano nas reportagens que saíram até agora. O que isso prova? Nada e tudo.
Em primeiro lugar, mostra que os políticos gringos conhecem bem o que é o Panamá. Faz 27 anos, sacaram um ditador panamenho à força quando ele parou de obedecer as ordens da CIA. Depois, por que um poderoso dos EUA haveria de ocultar patrimônio com ajuda do filho de um oficial da SS nazista se um dos lugares mais seguros, práticos e baratos para fazer isso são os próprios EUA?
Nevada, Wyoming e Delaware são estados unidos pela liberalidade de suas legislações na hora de abrir empresas. É possível criar uma offshore sem apresentar nem um documento sequer dos proprietários. Panamá? Só para visitar o canal.
Melhor ir para Las Vegas e se beneficiar das leis de um estado que não cobra imposto de renda de quem tem domicílio fiscal lá.
Há viés de seleção nas centenas de milhares de offshores registradas pela Mossack Fonseca e investigadas pelo consórcio de jornalistas no #PanamaPapers?
Obviamente sim. Só aparecem as administradas pelos panamenhos. Como não vazou nada ainda de suas concorrentes, não se conhece o universo da fabricação de empresas de fachada pelo mundo. Mas, se não é científica, a amostra da Mossack Fonseca parece bem ampla e representativa.
São mais de 215 mil empresas abertas e/ou administradas pela firma panamenha com sedes distribuídas por 159 países ou localidades diferentes. Da campeã Suíça, com mais de 38 mil offshores, às raras duas offshores de Guam, há um arco-íris de bandeiras. Destacam-se também Hong Kong (38 mil), Panamá (16 mil), Luxemburgo, várias ilhas britânicas que são paraísos fiscais como Jersey e Guernsey, além do próprio Reino Unido.
Há 31 localidades com mais de mil offshores, entre as quais países como China, Uruguai, Rússia, Equador, Colômbia e, sim, os EUA. Na verdade, há mais do que o dobro de offshores norte-americanas (3 mil) do que brasileiras (1,4 mil). E no ranking de acionistas, os EUA também aparecem dez posições à frente do Brasil, em 9.º lugar, com 3,5 mil pessoas relacionadas.
Há milhares de gringos nos #PanamaPapers. Se não há políticos norte-americanos famosos é porque eles têm seus próprios paraísos fiscais dentro dos EUA, que são muito mais discretos do que o Panamá. Por fim, se mesmo assim quiser crer em uma teoria da conspiração, escolha uma original. Por exemplo: isso é só para desacreditar o futebol (vide Fifa, Uefa, Messi etc) e impor o beisebol como esporte mais popular do mundo. Né, Snowden?
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