quinta-feira, 7 de abril de 2016

Entre a cruz e a espada

Daniel Vargas, Evandro Sussekind - O Globo

Com sua liminar determinando abertura do impeachment contra Temer, o ministro Marco Aurélio traz para o Supremo a disputa política. Com que consequências?
No Congresso, partidos terão cada vez menos motivos para buscar saídas via acordos, apelando à Justiça ao menor sinal de desacordo.

Na Justiça, a mistura entre direito e política enfraquece o Supremo. A discussão que emerge no país já não é apenas se a liminar foi correta, mas se, pela excentricidade e riscos, deve ou não ser cumprida.

O papel de Eduardo Cunha no recebimento da denúncia por crime de responsabilidade é apenas reconhecer regularidade formal da denúncia. Não lhe cabe rejeitála com base no mérito. Até aqui, Marco Aurélio acertou.

O diabo, contudo, mora nos detalhes. O regimento também determina que “( d) o despacho do presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao plenário.” A regra não está ali à toa: garante ao denunciante direito a reexame da admissibilidade da denúncia.

Ao ignorar possibilidade de recurso interno da Câmara, a decisão do ministro suscita questionamentos.

Liminares só se justificam quando há perigo na demora. Mas onde há perigo quando ainda existe recurso ao plenário?

Enquanto as possibilidades de ação no Legislativo não se esgotarem, o Direito ainda está protegido. A decisão de Marco Aurélio despreza parte do regimento que possibilita ao Legislativo solucionar suas questões.

E que dizer do plenário da Câmara, que apreciaria esse recurso? Está apto a conduzir seus assuntos segundo seus próprios ritos?

O ministro afirma que negar o juízo de mérito à comissão especial “implica validar nefasta concentração de poder, em prejuízo do papel do colegiado, formado por agremiações políticas diversas”. Mas ignora que a possibilidade de recurso ao plenário está no regimento justamente para valorizar diversidade de agremiações no mais alto grau da Câmara.

Marco Aurélio acusa Cunha de queimar etapas. O ministro, contudo, não está em posição melhor: quer garantir direito à análise do mérito sem reconhecer, ao presidente da Câmara e ao próprio plenário, o direito à reanálise da admissibilidade do pedido de impeachment.

Entre a cruz e a espada, a Câmara é forçada a tomar decisão ruim para todos: assistir calada à ameaça à política ou desobedecer à Justiça para preservar sua competência.

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Daniel Vargas é professor da FGV Direito Rio e Evandro Sussekind é mestrando em Ciência Política pelo Iesp/ Uerj

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