quinta-feira, 7 de abril de 2016

Eleição constitucional – Editorial / Folha de S. Paulo

Dois aspectos precisam ficar claros nos debates sobre eventual realização de eleições presidenciais como forma de superar a grave crise política vivida pelo Brasil.

Primeiro, a sugestão, quando encampada por membros do governo Dilma Rousseff (PT) ou seus aliados, constitui antes desconversa do que sincera tentativa de encontrar um bom caminho para o país.

A estratégia é evidente. Acenando com desfechos alternativos para a crise, o campo governista pretende seduzir alguns parlamentares que antes enxergavam solução somente no impeachment de Dilma.

Daí não decorre, porém, que a ideia deva ser automaticamente rechaçada. Há bons motivos para supor que, do modo como o processo está sendo conduzido, o simples afastamento da petista se revelará insuficiente para resolver o atual impasse político e econômico.

Melhor seria, como esta Folha sustentou, que houvesse novas eleições presidenciais. As tensões e os anseios se encaminhariam pelo canal institucional apropriado, e o novo governo chegaria ao Planalto com incontestável legitimidade.

Aqui se faz necessário o segundo esclarecimento. A Constituição autoriza a convocação de eleição presidencial antes do prazo regulamentar apenas se os cargos de presidente e de vice-presidente ficarem vagos. Qualquer outra proposta de antecipar o pleito desrespeitaria a Lei Maior.

Para uma democracia merecer o nome, os cidadãos devem ser chamados a, de tempos em tempos, escolher seus representantes. Não por acaso a Constituição lista o princípio do voto periódico entre as cláusulas pétreas, que não podem ser alteradas nem por proposta de emenda à Constituição (PEC).

É fácil ver que o voto periódico impede o político de esticar o próprio mandato como bem entender; se o fizer, estará agredindo uma garantia da democracia.

Menos óbvio, mas igualmente importante, é o outro lado dessa moeda: ninguém pode encurtar a duração de um mandato, a não ser pelas regras já fixadas quando se disputou o cargo. Como chamar de periódico, afinal, um voto que não ocorre em intervalos previsíveis?

Sem essa garantia, um Legislativo forte sempre poderia abreviar a vida de um Executivo fraco, impondo novas eleições até ser sufragado um nome de seu agrado.

Como o princípio do voto periódico vale para o Executivo e para o Legislativo, não passa de factoide a sugestão de se realizarem eleições gerais neste ano, nas quais todo os cargos estariam em disputa.

Outra coisa, no entanto, é defender novo pleito presidencial dentro daquilo que a Constituição prescreve. É o que faz esta Folha.

Se Dilma Rousseff e Michel Temer (PMDB) renunciarem a seus mandatos, haverá eleições –apenas presidenciais, não gerais– em 90 dias. O mesmo acontecerá se o Tribunal Superior Eleitoral encontrar evidências suficientes para cassar a chapa vencedora em 2014.

Talvez a alguns a hipótese pareça demasiado utópica. Em uma crise inaudita como esta, contudo, não se deve descartar nenhum prognóstico. O que ontem soava impossível talvez seja provável hoje –e, quem sabe, necessário amanhã.

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