Por Thiago Resende e Raphael Di Cunto – Valor Econômico
BRASÍLIA - Relator do impeachment, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) recomendou ontem a abertura de processo para investigar a presidente Dilma Rousseff por supostos crimes de responsabilidade que podem resultar na destituição da petista. O governo, assim, sofreu um revés na primeira etapa de análise do pedido de impeachment. O parecer do petebista será votado pela comissão especial apenas na segunda-feira.
Jovair foi eleito relator do colegiado com apoio da oposição e da base do governo na Câmara. Chegou ao cargo em articulação iniciada pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto do Palácio do Planalto e que deu início ao impeachment. Jovair é aliado de Cunha e, há dez anos, líder do PTB - bancada majoritariamente a favor da saída de Dilma apesar de a sigla ter ministério no governo.
Antes de ler o relatório, ele se reuniu com os deputados petebistas. Informou sobre a decisão e, como justificativa, explicou que "não existe mais governabilidade" e citou dados do Banco Central apontando forte alta das "pedaladas fiscais" durante o governo Dilma.
Assim que começou a apresentação ao colegiado, Jovair já sinalizou qual seria o seu voto. "Alguns me chamarão de herói, outros, de vilão e golpista. Esses rótulos, contudo, não me preocupam", declarou, causando reações nos dois polos da comissão (oposicionistas x governistas).
Afirmou ainda que "processo de impeachment possui essência política", o que flexibiliza os rigores jurídico-formais de um processo judicial ordinário. Como exemplo, lembrou que ex-presidente Fernando Collor foi condenado pelo Senado, mas depois foi absolvido pela Suprema Corte, "em julgamento de caráter puramente jurisdicional".
Na denúncia apresentada pelos juristas Hélio Bicudo, Janaína Conceição Paschoal e Miguel Reale Júnior, que é ex-ministro da Justiça da gestão FHC, a presidente Dilma foi acusada de cometer crime de responsabilidade por diversos atos, como "pedaladas" fiscais de 2014 e do ano passado, decretos orçamentários irregulares e ilícitos envolvendo a Petrobras - ela teria se omitido deliberadamente sobre o esquema de corrupção na estatal.
Quando Cunha deflagrou o processo de impeachment, aceitou apenas as acusações referentes a fatos do atual mandato, as chamadas "pedaladas" e decretos assinados em 2015. Jovair ficou restrito a essa limitação. Quis evitar que o relatório fosse contestado judicialmente. Mas, ao apresentar o parecer, o petebista declarou que o Senado, responsável pela investigação, poderá ampliar esse escopo.
Apesar de a defesa da presidente sustentar que um processo de impeachment somente tem autorização para investigar o atual mandato, os senadores, segundo o relator, poderão analisar toda a denúncia, agregar novas acusações e até avaliar acusações de improbidade administrativa relacionadas à Petrobras. "Existem outras questões de elevada gravidade" além dos atos do ano passado, escreveu o petebista.
Jovair disse que a Constituição Federal jamais declarou que o presidente da República não possa ser responsabilizado por atos cometidos em mandato anterior. Para ele, a Carta Magna tem que ser interpretada "de maneira evolutiva". Isso porque, à época em que o texto foi redigido, não havia a previsão de que o governante poderia ser reeleito.
Em resposta ao ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, autor da defesa de Dilma, o relator afirmou ser precipitado dizer que governadores e prefeitos sofreriam processos de impeachment por editarem decretos orçamentários semelhantes aos questionados na denúncia contra Dilma.
"Além de não eximir a culpa, parece-nos precipitada. Registre-se que a condição constante do art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015 é típica das leis orçamentárias federais, em vista da competência da União de conduzir a política fiscal", defendeu.
Dilma responde pela assinatura de decretos de abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional mesmo sabendo que a meta de superávit primário não seria atingida. O petebista ressaltou: "Quem autoriza despesa pública é sempre o Legislativo".
À época dos atos da petista, o projeto que alterou a meta fiscal ainda não tinha sido aprovado pelos parlamentares. Na avaliação de Jovair, o mero envio do texto não afasta a necessidade de aguardar a aprovação do projeto "nem de manter a trajetória de gastos fundamentada na meta então vigente".
Ele também não aceitou a argumentação de que, ao aprovar a proposta que reduziu a meta fiscal de 2015, o Congresso convalidou os decretos. Acrescentou ainda que, ao abandonar a meta fiscal anterior à alteração feita pelo projeto, o governo adiou "providências e decisões políticas urgentes para o país no campo do controle do gasto obrigatório".
Ao concluir a análise desse tópico da denúncia, Jovair disse haver "sérios indícios de conduta pessoal dolosa da presidente" contra os princípios da separação de Poderes, do controle parlamentar das finanças públicas e do respeito às leis orçamentárias - gravidade, para ele, suficiente a autorizar a instauração do processo de impeachment.
Sobre as "pedaladas", Jovair ressaltou que houve atraso nos repasses ao Banco do Brasil (Plano Safra), o que "afrontaria os princípios da transparência, do planejamento e do próprio equilíbrio fiscal".
Negando que o impeachment seja um golpe, o relator reforçou que à Câmara cabe apenas admitir ou arquivar o processo. Mas escreveu: "Se confirmadas [as acusações], não representam atos de menor gravidade ou mero tecnicismo contábil, orçamentário ou financeiro. Pelo contrário, tais atos revelam sérios indícios de gravíssimos e sistemáticos atentados à Constituição".
A sessão do colegiado terminou pouco depois da leitura do relatório, que durou quase cinco horas. Para que todos os deputados inscritos possam se manifestar antes da votação do parecer, a comissão pode realizar debate de amanhã a domingo, já que segunda-feira é o prazo final. A previsão é que o pedido de impeachment seja analisado no plenário da Câmara a partir do dia 15 de abril.
Ontem, o empresário Roberto Naves e Siqueira, indicado pelo relator, foi exonerado da diretoria administrativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
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