segunda-feira, 16 de setembro de 2019

O que pensa a mídia – Editoriais

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Federação e autonomia – Editorial | O Estado de S. Paulo

A reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados trouxe de volta a questão sobre o pacto federativo. Em artigo publicado no Estado (Tributação em números, 12/9/2019), o senador José Serra (PSDB-SP) lembrou que, “do ponto de vista tributário, o Brasil é o país federativo mais descentralizado do mundo. (...) De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos países federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos”.

Essa descentralização é consequência direta do pacto federativo decorrente da Constituição de 1988, que definiu a autonomia como regra. A Carta Magna define, por exemplo, que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A Constituição define os princípios, mas a organização de cada Estado e município deve ser fixada pelo ordenamento jurídico específico de cada ente. Reafirmando a autonomia dos Estados, “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, diz o art. 25, § 1.º.

Observa-se, ao mesmo tempo, a crônica hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados. Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável.

Em vez de enfrentarem seus problemas, os entes federados recorrem à União, o que conduz à centralização e à uniformização de medidas, em sentido contrário ao que deveria ocorrer numa federação.

Tal situação é vista, por exemplo, nos debates sobre a ampliação do alcance da reforma da Previdência, para abranger também Estados e municípios. Não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos entes federados, mas é muito conveniente que o faça, diante das dificuldades políticas para que esses entes alterem seus sistemas de aposentadoria.

“Na Federação brasileira ainda proliferam casos de dependência e irresponsabilidade fiscal”, afirmou o senador José Serra, alertando para o fato de que “uma descentralização adicional de receitas sem condicionantes adequados pode criar ineficiências que corrompem a qualidade do gasto público e a própria autonomia dos entes federativos. Alguns indicadores a esse respeito são a baixa arrecadação municipal nas bases do IPTU e do ISS e a ociosidade de recursos destinados a projetos específicos, inclusive de emendas parlamentares”.

Eis um ponto extremamente preocupante. Em vez de apoiar e fortalecer a realidade local, o sistema federativo tal como previsto pela Constituição de 1988 tem sido ocasião para aumentar ainda mais a hipossuficiência dos entes federados.

“Alguns Estados e municípios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos”, escreveu José Serra.

A impressão é que se está diante do pior dos mundos. Têm-se todos os custos e complexidades inerentes a um sistema federativo e, ao mesmo tempo, não se aproveitam os benefícios que esse sistema deveria gerar. Diante desse panorama, é grande a pressão para que o Congresso adote soluções de curto prazo, diminuindo a autonomia dos entes federados. Em vez de resolver satisfatoriamente as questões relativas ao pacto federativo, essa tendência de mitigar a Federação acaba, no entanto, por ampliar suas contradições.

O sistema federativo tem muitas potencialidades, especialmente para um país tão extenso e variado como o Brasil. Mas, para obter seus melhores dividendos, é necessário não trocar a autonomia e a consequente responsabilidade dos entes federados por remendos centralizadores. O aprendizado com essas três décadas de Constituição deve levar a um aperfeiçoamento da Federação, e não ao seu abandono.

Câmara precisa acelerar o fim dos supersalários – Editorial | O Globo

Procurador que acha um ‘miserê’ ganhar R$ 24 mil, embora receba muito mais, não é caso isolado

Gravação de uma recente reunião do Ministério Público de Minas Gerais mostrou o procurador estadual Leonardo Azeredo dos Santos reclamando da remuneração. “Como é que se vai viver com 24 mil reais?”

Esse valor do seu salário-base equivale a 24 salários-mínimos, o que ele define como “um miserê”. O procurador não falou dos adicionais e outras vantagens que inflam a folha do Ministério Público. Nos sete primeiros meses, por exemplo, ele recebeu R$ 478 mil líquidos, ou seja, R$ 68 mil mensais. Outros na função receberam até R$ 88 mil.

A reação foi intensa, e protestos prosseguem em Minas, estado com déficit de R$ 36,2 bilhões acumulado no período de 2014 a 2018. Estima-se que o desequilíbrio nas contas estaduais, apenas neste ano, supere o patamar de R$ 12 bilhões. Há mais R$ 30 bilhões em dívidas pendentes.

Na origem estão as despesas com pessoal. Dispararam na gestão do então governador do PT Fernando Pimentel: representavam 68% da receita líquida mineira em 2014, e saltaram para 79% quatro anos depois.

Esse aumento reflete, também, excentricidades salariais comuns na União, estados e municípios, entre elas a incorporação de gratificações aos vencimentos. Resultado: a elite da burocracia nacional passou a ser sustentada com supersalários.

O caso do procurador é simbólico, mas não é peculiaridade mineira. No primeiro semestre, Minas pagou R$ 752.100 a um juiz estadual num único mês. Do total, R$ 725 mil corresponderam a “vantagens eventuais”.

Levantamento da Câmara dos Deputados mostra que cerca de 71% dos magistrados brasileiros têm ganhos que superam o teto constitucional (R$ 39.200), por meio de auxílio-moradia, alimentação, viagens, gratificações e todo tipo de penduricalhos remuneratórios que o sistema jurídico permite conceber e implantar no serviço público. Como o limite é a imaginação, o corporativismo tem produzido, a partir de brechas na lei, uma miríade de situações para multiplicar bônus, sempre com direitos cumulativos.

Há três anos o Senado aprovou um projeto para limitar os supersalários. Recebido na Câmara, o texto foi debatido, converti doem relatório negociado durante ano e meio pelo deputado-relator Rubens Bueno (Cidadania-PR). No primeiro semestre, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, adiou a votação para não atrapalhara reformada Previdência. Essa etapa já foi superada.

É escandaloso o setor público pagar supersalários num país em que metade dos trabalhadores do setor privado recebe um salário mínimo por mês, segundo o IBGE.

Como mostrou o episódio do procurador de Minas, a alta burocracia virou casta, e isso é inaceitável para uma sociedade que já paga um alto preço pelo resgate do equilíbrio nas finanças estatais. A Câmara precisa agir, rapidamente, e pôr um ponto final nos supersalários.

Bolha de privilégios – Editorial | Folha de S. Paulo

Judiciário e Ministério Público não acordaram para a realidade orçamentária

Enquanto os poderes Executivo e Legislativo precisam lidar mais de perto com cortes de verbas e reformas destinadas a mitigar o colapso das finanças públicas, outros setores da máquina pública não parecem ainda ter acordado para a realidade orçamentária brasileira.

Tornou-se nacionalmente conhecido nos últimos dias, por exemplo, o episódio em que um procurador do Ministério Público de Minas Gerais qualificou de “miserê” a média salarial de R$ 24 mil mensais verificada naquela instituição.

A enorme maioria da população não precisaria de estatísticas para apontar que tal cifra situa seu beneficiário no topo da pirâmide social. Os dados o confirmam: segundo o IBGE, em 2016 a renda média do trabalho do 1% mais rico do país era de R$ 27,3 mil.

O procurador mineiro não corre o risco de ficar fora desse estrato privilegiado. Constatou-se, afinal, que sua remuneração regular chega aos R$ 35,5 mil. Em julho, recebeu ainda outros R$ 41 mil em indenizações e outros penduricalhos.

Artifícios do gênero, destinados a driblar os tetos salariais do serviço público são costumeiros no Ministério Público e no Judiciário brasileiros —cujos custos, como proporção da renda nacional, têm poucos paralelos no mundo.

Essas estruturas consomem algo em torno de 1,6% do Produto Interno Bruto, patamar não encontrado em nenhum outro país relevante, conforme estudo publicado em 2015 por Luciano da Ros.

As aberrações não se limitam a vencimentos incompatíveis com os recursos do país, como mostram outros casos recentes.

Em São Paulo, os planos do Tribunal de Justiça para a construção de um prédio orçado em R$ 1,2 bilhão provocaram constrangimento entre membros da própria corte, segundo noticiou esta Folha.

A justificativa oficial para essa obra faraônica soa risível: economizar alegados R$ 58 milhões anuais hoje gastos com aluguéis e transporte de magistrados.

Tampouco se pode ver sem inquietude a ofensiva para a criação de um sexto Tribunal Regional Federal, com sede em Belo Horizonte. Tal proposta acaba de ser aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça, mas felizmente precisa passar também pelo crivo do Congresso e pela sanção presidencial.

Espera-se que os parlamentares possam tirar a limpo o argumento de que o novo órgão não implicará mais despesas, graças a remanejamentos de verbas e pessoal.

Não há mais como expandir uma máquina já inchada e perdulária, que ainda proporciona mordomias quase caricaturais —como o gasto de R$ 100 mil com três ministros do Superior Tribunal Militar que participaram de um seminário de dois dias na Grécia durante o período de férias coletivas.

Judiciário e Ministério Público devem passar por anos de contenção para ao menos mitigar discrepâncias no setor público. A necessária autonomia de que devem gozar não equivale ao direito de viver numa bolha orçamentária.

Governo busca meios de conter expansão vegetativa de gastos – Editorial | Valor Econômico

O que Paulo Guedes e sua equipe estão propondo é a redução das despesas obrigatórias para manter o teto e a carga tributária

Um estudo da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, divulgado na semana passada, mostrou que a despesa da União cresce de forma autônoma, independentemente de qualquer medida ou política do governo. Duas são as razões para o fenômeno: a correção automática e anual dos benefícios previdenciários e assistenciais e o crescimento vegetativo dos gastos.

Os números são impressionantes. O estudo mostrou que 81% do crescimento do gasto programado para 2020 resultam da indexação e do crescimento vegetativo. Ou seja, de um aumento total de R$ 76,7 bilhões na despesa prevista, R$ 62,1 bilhões decorrem dos dois fatores. O crescimento vegetativo representa o aumento do número de pessoas que fazem jus a algum benefício concedido pelo Estado.

Somente a indexação, ou seja, os reajustes dos benefícios pela inflação e pelo salário mínimo, representa 46% do aumento do gasto primário (que exclui a despesa com o pagamento de juros da dívida pública) no próximo ano. Isto ocorre mesmo com a proposta orçamentária não considerando reajuste real para o piso salarial.

O estudo da SPE indica que se fosse suspenso, no próximo ano, o reajuste dos benefícios previdenciários e assistenciais seria aberto um espaço fiscal de R$ 35 bilhões. O espaço aberto poderia ser utilizado pelo governo para tirar os ministérios do atual sufoco financeiro e elevar os investimentos públicos, que foram reduzidos a parcos R$ 19 bilhões no próximo ano.

Uma projeção feita pela comissão informal criada pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), relator da proposta de emenda constitucional 438/2018, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), mostra que seria aberto um espaço fiscal de R$ 77 bilhões se a correção dos benefícios fosse suspensa por dois anos, como informou este jornal.

A ideia que está por trás da proposta de não correção dos benefícios previdenciários e assistenciais é a manutenção do teto de gasto até 2026, ano em que poderia ter o método de correção dos limites alterado, de acordo com a própria Constituição.

Em vez de “flexibilizar” o teto, como querem alguns, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deseja “quebrar o piso”, como tem dito insistentemente. Abaixar o piso significa, justamente, reduzir as despesas obrigatórias, que crescem de forma autônoma, para abrir espaço para as chamadas despesas discricionárias (investimentos e custeio da administração pública). Mantido o teto, se as despesas obrigatórias não forem reduzidas no curto prazo, o Estado brasileiro será paralisado em 2021 ou 2022. Haverá, como gostam de dizer os economistas, um “shutdown”, com suspensão de vários serviços essenciais prestados à população.

O estudo da SPE diz, textualmente, que as duas saídas possíveis para o Orçamento brasileiro são diminuir o valor da indexação e reduzir o crescimento vegetativo das despesas. A opção do governo de Jair Bolsonaro não passa, portanto, por uma elevação da carga tributária.

A “flexibilização” do teto é um eufemismo e significa abrir espaço para a elevação da despesa. Com mais gasto, será necessário aumentar os impostos. O que Guedes e sua equipe estão propondo é a redução das despesas obrigatórias para manter o teto e a carga tributária.

A questão é saber, então, se é politicamente factível suspender, mesmo que temporariamente, os reajustes anuais dos benefícios previdenciários e assistenciais. A mudança, provavelmente, terá que ser feita por meio de proposta de emenda constitucional. O governo poderá pegar carona na PEC do deputado Pedro Paulo, que já está em discussão avançada na Câmara dos Deputados e conta com o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Esta será, no entanto, uma proposta tão ou mais difícil de ser aprovada que a reforma da Previdência Social. A suspensão de reajuste para os benefícios, mesmo que temporariamente, terá que ser aprovada por três quintos dos deputados e dos senadores, às vésperas de uma eleição municipal.

O fato é que a indexação das despesas públicas é um resquício da hiperinflação que o Brasil deixou para trás há muito tempo. O Plano Real, que acabou com o horror inflacionário, completou 25 anos em julho passado. Mas, como estamos vendo, os mecanismos de indexação, criados para proteger os cidadãos da inflação galopante, ainda persistem.

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