- Valor Econômico
A força principal da retomada virá da queda e estabilização da inflação em níveis nunca atingido nas últimas décadas
Entramos no nono mês do mandato do presidente Bolsonaro com parte expressiva da opinião pública refletindo uma grande insegurança em relação ao futuro. O título da minha coluna de hoje procura estabelecer os limites das previsões dos principais analistas políticos e econômicos sobre o que pode ocorrer no futuro próximo, até a realização das eleições de 2020.
Para o cientista político Fernando Schuller do Insper no artigo “O Brasil e a síndrome de abismo”, na Folha de S. Paulo, seria a mensagem que agentes públicos importantes têm trombeteado como sendo uma possibilidade real de acontecer. Schuller procurou desqualificar de forma contundente, e com certo humor, estas ameaças lançadas na mídia por pessoas apenas interessadas em construir desde já um discurso eleitoral para o futuro.
Como ressaltou o autor, as ameaças vêm tanto do espectro da oposição de centro-direita como da direita bolsonarista e são construídas apenas com insinuações e sem qualquer elemento factual. Mas esta mensagem do caos que nos espera acaba por enfraquecer os ganhos efetivos que já ocorreram nos pós-afastamento da presidente Dilma Rousseff e que ele cita com precisão.
Da mesma forma penso eu em relação à nossa economia. O sentimento negativo que prevalece nestes primeiros nove meses do governo no campo da política também pode ser encontrado entre os analistas econômicos. Ele pode ser expresso pela pergunta sempre colocada na mídia: chegamos ou não ainda ao fundo do poço?
Alguns mais radicais são mais cáusticos em suas previsões negativas e chegam perto da imagem do abismo citada no campo da política por Schuller. Neste grupo até mesmo o discurso liberal do ministro Paulo Guedes já está sendo contestado por estar sendo desidratado pelas limitações políticas encontradas em sua implementação.
Aqui também vale a observação de Schuller de que esta má vontade com o andar dos acontecimentos também acaba por esconder os efeitos positivos de mudanças que vêm ocorrendo na economia. A primeira delas é que a recessão profunda que vivemos entre 2014 e início de 2017 já provocou o reequilíbrio nas condições de demanda em mercados importantes de nosso tecido econômico. Não temos hoje nenhum desequilíbrio conjuntural por excesso de demanda no mercado de trabalho, na inflação e em nossa conta corrente externa. Os desequilíbrios conjunturais que hoje afetam a economia são derivados da escassez de demanda derivada do impressionante ajuste recessivo que tivemos.
É importante lembrar que a crise em 2012 teve sua origem na demanda superaquecida criada pela política econômica expansiva do governo mesmo quando o ciclo econômico já estava no auge e pedia moderação. Os custos de um ajuste recessivo quando estas condições ocorrem são conhecidos, mas felizmente já deixamos esta etapa para trás. Temos que tratar agora da perenização da recuperação cíclica que foi abortada em 2018 pela crise política enfrentada pelo presidente Temer e está de volta.
A aprovação da reforma da Previdência restaurou um equilíbrio precário que existia nas contas públicas do governo federal e, com a retomada da economia, será possível voltar à trajetória de superávit primário compatível com a estabilização do estoque da dívida pública. Neste cenário, o teto do gasto público vai voltar a ser operacional, enquanto não houver mudanças estruturais na composição do gasto público estabelecido pela Constituição Federal. O custo para este equilíbrio será a manutenção da carga fiscal de hoje.
É importante entender as características de uma recuperação cíclica do crescimento econômico nas condições de hoje no Brasil. A força principal virá da queda e da estabilização da inflação em níveis nunca atingidos no Brasil das últimas décadas. Nestas condições o Banco Central poderá trazer a taxa SELIC para menos de 5% ao ano. Um guarda-costas importante para a estabilização da inflação abaixo do centro da meta - além do hiato do produto existente hoje - será uma nova superssafra agrícola já no horizonte para 2020.
Os juros futuros caíram em toda a curva temporal, inclusive os de mais longo prazo, como o de 10 anos emitido pelo Tesouro federal. Ao passar de mais de 12% ao ano para os atuais 7,2%, este referencial, que é usado para o cálculo do valor presente do fluxo de lucros de uma empresa ou de um projeto green field, aumenta de forma expressiva o potencial de investimentos.
Aliás foi esta variável que fez com que as cotações das empresas de capital aberto na B3 tenham dobrado de valor. Mas o mesmo raciocínio vale para novos projetos imobiliários e principalmente, na fixação dos preços nos leilões futuros de privatização. No setor industrial é que este instrumento terá um impacto bem menor no curto prazo em função da capacidade ociosa hoje existente neste setor.
Mas virá do consumo das famílias a principal força de recuperação cíclica no curto prazo em função de juros mais baixos, como já mostram estatísticas recentes. A mais relevante delas para se construir um ambiente mais otimista tem sido a expansão vigorosa do crédito bancário às pessoas físicas, com um crescimento superior a 12% nos últimos doze meses. Embora a taxa de desemprego e subemprego seja ainda muito elevada, as melhoras na geração de empregos nos últimos dois anos estão trazendo mais confiança aos brasileiros empregados e que superam hoje 95 milhões de pessoas.
Por isto não consigo ver na economia a síndrome do abismo, mas sim a imagem do fundo do poço já atingida.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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