- O Estado de S. Paulo
Investimento público reforça polarização no debate sobre retomada
A impaciência com a estagnação da economia brasileira é consenso. A urgência de uma política econômica pró-crescimento, que vá além das reformas constitucionais, também. Daí para frente, no entanto, aparecem as discordâncias. E a principal delas está ligada à viabilidade de se acionar o investimento público para acelerar esse processo. Guardadas as devidas proporções, é como se estivéssemos numa máquina do tempo, de volta aos anos 70, do chamado milagre econômico, quando o debate sobre distribuição de renda traduzia-se em "primeiro fazer o bolo crescer para depois reparti-lo" ou "reparti-lo enquanto estivesse crescendo".
A teoria do bolo do momento, defendida pelo governo e por grande parte dos economistas, é primeiro reequilibrar a situação das contas públicas e só depois pensar em investir. Recorrer a um "impulso fiscal" para ajudar a tirar o País da estagnação é uma tese ainda vista com desconfiança, embora comece a atrair alguns especialistas da ala liberal. A queda brutal do investimento público é uma realidade que salta à vista. O Orçamento de 2020 chegou ao Congresso com uma previsão de investimentos da União de apenas R$ 19,3 bilhões, a menor em uma década. Números que indicam o risco de manutenção de uma infraestrutura insuficiente, ultrapassada e mal conservada, um dos fatores que mais limitam o avanço do País.
Em relação ao PIB, a taxa de investimento da economia mal encosta nos 16%, cerca de dez pontos percentuais abaixo da média global. E, no caso específico do investimento público, mantém-se perto de 2,5%. Daí a polêmica instalada sobre a revisão do teto de gastos, embora a queda ocorra em todas as esferas e, portanto, não possa ser atribuída a esse mecanismo.
Claríssimo que não é tarefa simples abrir uma brecha nesse cenário de arrocho fiscal, em que falta dinheiro para tudo. Por "tudo", entenda-se pesquisa, bolsas de estudo, fiscalização ambiental, leitos hospitalares, farmácias populares, e assim por diante. Tanto assim que, para aliviar o sufoco, o governo deve anunciar nos próximos dias a liberação de uma parcela dos R$ 33,4 bilhões bloqueados neste ano. A caneta de cortes nos investimentos é a primeira que entra em ação a cada ameaça de colapso na administração pública.
"Investimento público é bom, tem multiplicador alto, estimula o privado a arriscar", afirma o economista Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), em suas redes sociais. "Mas a questão é: tudo que se arrecada e mais uma montanha de dívida vai para pagar salários e aposentadorias." Na mesma linha, o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore, em seu artigo "Em defesa do controle dos gastos públicos", no Estadão deste domingo, adverte que "países com dívidas publicas muito grandes não conseguem elevar gastos sem aumentar impostos, cujo efeito colateral é, no mínimo, reduzir a magnitude do efeito multiplicador do gasto público".
Exatamente por isso, o governo empenha-se para escapar da camisa de força dos gastos obrigatórios e prepara uma proposta para, entre outras coisas, limitar cargos, salários e benefícios dos servidores públicos. Seria no mínimo falta de juízo discordar de uma ofensiva contra excessos nas despesas com pessoal. Mas há quem recomende olhar também para outro lado. O economista Manoel Pires, do Ibre/FGV, por exemplo, vê uma chance de aproveitar o custo de capital mais baixo, com o juro básico em novo ciclo de queda, para recompor os investimentos. "Âncora" do debate atual sobre as estratégias para tirar a economia da estagnação, André Lara Resende também defende retomar o investimento público mesmo com algum endividamento e diz que limitar esse gastos "é uma estupidez".
Há discussão até sobre o argumento de que a saída de cena do governo abriria espaço ao setor privado nos investimentos. Um estudo do FMI divulgado no fim de 2018 põe em dúvida esse "efeito-compensação". Nos últimos 25 anos, segundo o levantamento, o investimento público, em proporção do PIB, ficou bem abaixo das médias observadas nas economias emergentes. Mas não houve, no período, um avanço significativo nas posições do investimento privado, como ocorreu em outros países. A polarização ainda vai longe.
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