Delações em xeque – Editorial | Folha de Paulo
Nova lei impõe disciplina a acordos, mas tem lacunas que caberá ao STF examinar
Acordos de colaboração premiada se revelaram instrumentos valiosos para o combate ao crime nos últimos anos no Brasil, induzindo políticos e empresários corruptos a cooperar com a Justiça em troca de punição mais branda.
Em casos complexos como os investigados na Operação Lava Jato, eles permitiram avançar mais rapidamente do que teria sido possível se não houvesse meios de recompensar criminosos dispostos a confessar seus delitos e esclarecê-los.
Mas o uso intensivo das delações também submeteu o ordenamento jurídico a grande estresse, obrigando os tribunais a buscar soluções para dificuldades não previstas pelos legisladores quando instituíram a novidade, em 2013.
A nova lei anticrime publicada no fim do ano passado, em vigor desde quinta-feira (23), preencheu algumas dessas lacunas, impondo uma maior disciplina às negociações com colaboradores.
Há mudanças muito bem-vindas. A partir de agora, reuniões com candidatos a delator e seus advogados serão gravadas, e todos os procedimentos para celebrar acordos passarão por formalização.
Só poderão ser oferecidos aos delatores benefícios previstos em lei. Vários colaboradores da Lava Jato cumprem suas penas em casa hoje graças a regimes especiais bastante generosos inventados pelo Ministério Público e que acabaram chancelados nos tribunais.
A legislação brasileira diz que ninguém pode ser condenado com base numa delação se não houver provas que a corroborem. Com a nova lei, a palavra dos colaboradores também não bastará para justificar prisões, buscas, bloqueios de bens e a abertura de ações penais.
Abriu-se caminho para que os juízes interfiram muito mais no rumo das negociações com colaboradores, impondo limites à liberdade com que os procuradores se acostumaram a conduzir as tratativas.
Antes, cabia aos magistrados apenas verificar aspectos formais dos acordos antes de homologá-los, deixando para a hora da sentença a avaliação da efetividade da contribuição do delator e dos benefícios prometidos. Agora, os juízes poderão fazer um exame mais profundo antes da homologação, analisando depoimentos dos colaboradores e provas antes de decidir sobre a validade do acordo.
Há dúvidas sobre o alcance dos novos dispositivos, mas os procuradores temem que eles inviabilizem novas delações, ao reduzir seu poder de barganha e permitir a intromissão dos juízes num estágio prematuro do processo judicial.
A categoria se prepara para contestar a nova lei no Supremo Tribunal Federal. Caberá à corte buscar o equilíbrio necessário e evitar que o escrutínio mais rigoroso das delações enfraqueça o instrumento.
Pobreza intelectual – Editorial | Folha de S. Paulo
Ministro Guedes repete em Davos argumento velho contra preservação de florestas
Qualquer personagem público bem informado sabe que o tema ambiental se tornou obrigatório no Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça). Talvez por isso o presidente Jair Bolsonaro se tenha esquivado de comparecer, neste ano, após a péssima repercussão do discurso de 2019 na abertura da Assembleia Geral da ONU.
Bolsonaro enviou ao encontro, entretanto, seu principal ministro. O titular da Economia, Paulo Guedes, embora poupado de maiores pressões acerca do meio ambiente, se precipitou a rivalizar com o presidente americano, Donald Trump, em matéria de pronunciamentos ecologicamente incorretos.
Ambos os governos trabalham para minar a coordenação de países para limitar a mudança climática. Os EUA abandonaram o Acordo de Paris (2015), e o Brasil viu o desmatamento na Amazônia —sua maior fonte de poluição climática— disparar 29,5% no período 2018/19, resultado do discurso antiambiental de Bolsonaro.
O cerne das convicções presidenciais reside na ideia ultrapassada de que países ricos querem impedir o desenvolvimento do Brasil quando defendem a floresta. Guedes ecoou essa visão ao dizer, em Davos, que “o pior inimigo da natureza é a pobreza” e que “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”.
Ao reeditar tal raciocínio, presidente e ministro retrocedem meio século em mentalidade. Em 1972, na primeira conferência mundial sobre ambiente, em Estocolmo, a primeira-ministra indiana Indira Gandhi afirmara que “o maior poluidor é a pobreza”, lugar-comum secundado pela delegação brasileira.
Nos 48 anos transcorridos desde então, o debate evoluiu para dissociar crescimento econômico de devastação e poluição, produzindo o conceito de desenvolvimento sustentável. Se há no Planalto quem estacionou no tempo, há também quem enxergue no presente o óbvio, como a ministra da Agricultura.
Tereza Cristina, sabedora do prejuízo para a imagem do agronegócio trazido pelo desmonte das políticas de preservação, rebateu Guedes dizendo que não é preciso desmatar para produzir alimentos, basta aumentar a produtividade.
Qualquer pessoa ou autoridade bem informada, no Brasil, sabe que os principais causadores de desmatamento são os grileiros, não o agricultor pobre. E que eles não derrubam a floresta para comer, mas para locupletar-se de terras públicas sem governo nem lei.
OCDE melhora posição do país na globalização- Editorial | O Globo
Brasil se tornar membro pleno da organização traz vantagens, mas também implica obrigações
A aspiração ao apoio dos Estados Unidos à entrada integral do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gerou grande frustração depois da visita do presidente Bolsonaro e grande comitiva à Casa Branca, em março do ano passado, no terceiro mês de seu mandato, quando ficou explícita a intenção brasileira de demonstrar uma proximidade pessoal com Trump que não havia. Bolsonaro retornou confiante no aval imediato de Trump à promoção do Brasil na instituição que congrega as economias mais desenvolvidas, e de que o país participa lateralmente.
No fim de agosto, a frustração foi acrescida do apoio formal do governo Trump apenas à entrada de Argentina e Romênia na entidade. À época, a reafirmação da Casa Branca de que continuava a desejar a entrada do Brasil na Organização pareceu formalismo diplomático.
Participar ou não da OCDE também é questão contaminada por ideologia. Durante os 13 anos do ciclo lulopetista, esta aspiração foi congelada. É emblemático que o apoio americano à Argentina, anunciado quando o presidente era Mauricio Macri, de centro direita, haja sido colocado em segundo plano pelo sucessor de Macri, Alberto Fernández, peronista, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner, à esquerda, como vice. Isso deve ter estimulado a Casa Branca a enfim formalizar o apoio a que o Brasil faça parte da organização.
Atuar de forma plena na entidade implica compromissos que, ao serem assumidos e cumpridos, melhoram a percepção do país no mundo. O que se traduz em redução da taxa de risco cobrada nos investimentos externos, por exemplo. Na perspectiva da sociedade e do Estado brasileiros, assentados numa Constituição republicana, ser da OCDE cria blindagens contra ações internas deletérias.
A adequação dos países a boas práticas no combate à corrupção é um dos quesitos observados pela instituição. Há pouco, em Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de confirmar a adesão do país ao Acordo de Compras Governamentais, da Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, ressaltou o aspecto da ética nesses negócios. Ao aderir ao acordo, que abre mercados no exterior à entrada de empresas brasileiras em concorrências para o fornecimento de bens e serviços a outros governos, com a contrapartida de o Brasil fazer o mesmo, o país é obrigado a adotar antídotos anticorrupção neste setor. Como se sabe, há nesses negócios um amplo espaço aberto a propinas.
Aderir a tratados e organizações globais implica alinhamentos internos. É importante que o governo Bolsonaro entenda o passo que dará, rumo a menos intervenções do Estado na economia em geral. Se houver seriedade do governo brasileiro, a OCDE pode ajudar no salto de desenvolvimento que se espera desde a proclamação da República.
O descuido com a crise fiscal na equiparação salarial de professores – Editorial | O Globo
Liminar concedida por Toffoli ao PSD eleva folha de universidades públicas e cria pressão de gastos
Há situações que só podem ocorrer em um país como o Brasil, no qual existe um emaranhado de leis e normas que constituem um arcabouço jurídico destinado a favorecer grupos com acesso privilegiado ao Legislativo, ao Judiciário e ao Executivo.
O fato isolado de um ministro do Supremo em uma penada equiparar salários de categorias inteiras do funcionalismo, sem qualquer outra preocupação além do cumprimento do formalismo de regras autárquicas, faz sentido nessas circunstâncias. Uma equiparação salarial que pode se propagar como ondas por toda a máquina burocrática, gerando um custo incomensurável para o contribuinte.
Em seu plantão no Supremo, durante o atual recesso do Judiciário, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, concedeu liminar ao pedido feito por ação do PSD para que não haja diferença entre salários de professores universitários federais e estaduais. O nivelamento será feito considerando-se a remuneração mais elevada, por óbvio.
Passa, então, a valer o teto de R$ 39 mil, o salário de ministro do STF, limite que vigora para a União. Valor acima da remuneração, por exemplo, dos governadores dos dois maiores estados, São Paulo e Rio de Janeiro.
No primeiro, João Doria recebe R$23 mil e, no Rio, Wilson Witzel tem salário de R$ 19 mil, valores que funcionam como teto para o funcionalismo dos respectivos estados. Mas, com a penada de Dias Toffoli, professores de estabelecimentos paulistas (USP e Unicamp) e fluminenses (Uerj, Uenf), por exemplo, poderão ultrapassar os tetos regionais.
Neste campo de reivindicações corporativistas não há espaço para a meritocracia. Vale a aplicação rígida da chamada isonomia salarial, em que se passa longe da preocupação com a qualidade profissional de cada um.
Não há estímulo ao aperfeiçoamento pessoal, e a população paga um preço na forma de serviços de uma qualidade que poderia ser melhor caso não houvesse estabilidade no emprego e existisse um sistema de remuneração por mérito.
Como sempre nessas decisões sobre salários do funcionalismo e suas corporações, não se leva em conta a capacidade de o contribuinte pagar a conta.
E em meio à mais grave crise fiscal de que se tem registro. Agravada pelo fato de uma bem-vinda inflação baixa impedir manobras financeiras de governos para financiar déficit de maneira artificial.
A recuperação do emprego formal – Editorial | O Estado de S. Paulo
Além da gradual redução da taxa de desemprego que vem registrando, o mercado de trabalho pode começar a mostrar também uma melhora qualitativa. Há sinais promissores de que, com a recuperação da confiança dos consumidores e dos investidores, que tende a estimular o crescimento da atividade econômica, o aumento do número de trabalhadores empregados com carteira assinada poderá ser mais rápido do que o de trabalhadores informais. A recuperação do emprego formal foi expressiva no ano passado. Em 2019, o mercado de trabalho criou 644.079 empregos com carteira assinada, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado na sexta-feira passada pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. É o melhor resultado do mercado de trabalho formal – que oferece empregos de melhor qualidade, com mais garantia para os trabalhadores e com remuneração em geral mais alta do que os do mercado informal – desde 2013, quando o descalabro político, administrativo e fiscal do governo Dilma Rousseff ainda não era claro.
O número de postos de trabalho com carteira assinada abertos no ano passado ultrapassa em 115 mil o do ano anterior e elevou para 39 milhões o número de empregos com vínculo formal, isto é, com todos os registros exigidos pela legislação e, consequentemente, com as garantias e as obrigações definidas em lei.
É uma recuperação ampla. Todos os setores da economia registraram saldo positivo de emprego formal no ano passado. O destaque do ano ficou com o setor de serviços, que abriu liquidamente 382.525 postos; as novas vagas oferecidas pelo comércio somaram 147.475 mil e pela construção civil, 71.115. O menor resultado foi o da Administração Pública, que abriu 822 vagas no ano passado. Pode ser um sinal de que, se não por racionalidade administrativa, o setor público contratou menos por notórios problemas financeiros.
A melhora é ampla também regionalmente. O emprego formal fechou o ano passado com saldo positivo em todas as cinco regiões do País. Com a geração de 184.133 postos de trabalho com registro em carteira, São Paulo foi o Estado onde mais se contratou no ano passado; em seguida vêm Minas Gerais, com 97.720, e Santa Catarina, com 71.406.
Em dezembro, houve também ganho no salário médio de admissão, que cresceu 0,63% em relação a novembro e alcançou R$ 1.626,06; e no salário médio de desligamento, de R$ 1.791,97, ou 0,7% maior do que o do mês anterior.
O resultado líquido de contratações em dezembro foi negativo, como ocorre normalmente na época, em razão do desligamento dos contratados nos meses imediatamente anteriores para o atendimento da demanda de fim de ano. Mesmo assim, a redução do emprego formal em dezembro de 2019, com o fechamento de 307.311 postos, foi menor do que a do ano anterior (redução de 334.462 empregos).
Economistas de empresas e consultorias privadas atribuem o bom resultado do Caged no ano passado ao aumento da confiança do empresariado na retomada da economia e na política fiscal do governo. O secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, evitou fazer previsões para 2020, mas disse que “a tendência é clara, o crescimento tem sido mais vigoroso”. No cenário mais otimista, de crescimento de 3% do PIB em 2020, o número de novos empregos formais pode chegar a 1 milhão.
As projeções predominantes no setor privado são bem mais modestas, mas, mesmo assim, a estimativa mais clara é a de que neste ano o PIB crescerá mais do que nos três anos anteriores, quando foi pouco maior do que 1%. Considerada essa hipótese e levando-se em conta também as perspectivas melhores para o desempenho da economia e o aumento do contingente ocupado aferido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, deve se intensificar a migração da informalidade para a formalidade. Ainda que tardia, será uma migração bem-vinda: até agora, as ocupações informais vêm liderando a geração de vagas.
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