- O Globo / Folha de S. Paulo
Graças às redes sociais, e só a elas, Rebecca e Vitor conseguiram ser ouvidos
Rebecca Ferreira, de 18 anos, quer ser jornalista, e Vitor Brumano, de 19, quer ser engenheiro. Durante alguns dias tenebrosos, a incompetência dos educatecas que comandaram o Enem triturou seu sonhos de estudantes. Graças às redes sociais, e só a elas, conseguiram ser ouvidos pelos maganos do Ministério da Educassão. Numa época em que se discutem as “fake news”, eles mostraram que as “real news” existem e são capazes de dobrar os poderosos.
Vitor surpreendeu-se ao ver que suas notas do Enem não faziam sentido. Rebecca foi informada que havia sido eliminada porque seu celular tocou durante a prova. Ambos reclamaram e não havia quem os ouvisse.
Uma das fontes de inspiração do escritor George Orwell para o seu “1984” foi a experiência que teve num colégio inglês. Lá ele percebeu que “era possível cometer um pecado sem saber que o cometera, sem querer cometê-lo, mas sendo incapaz de evitá-lo”.
O celular de Rebecca não havia tocado durante o exame. Tanto era assim que ela concluiu a prova e foi para casa esperar a nota.
Vitor procurou os canais competentes e, quando teve resposta, como veio apenas um blablabá, foi às redes. Rebecca enviou dezenas de mensagens ao Inep e sua família procurou um advogado. A jovem recorreu ao Twitter:
“O Sisu começa amanhã e estou desesperada. Por favor me ajudem.” Horas depois, publicou um vídeo no Instagram. Segundo o repórter Rodrigo de Souza, em 24 horas o tuíte teve 30 mil compartilhamentos e o vídeo, 28 mil.
A reclamação de Vitor Brumano foi um dos fatores que levou o ministro da Educassão, Abraham Weintraub, a admitir que o seu Enem, o “melhor de todos os tempos”, estava bichado. A mobilização conseguida por Rebecca levou o presidente do Inep a reconhecer o erro. Ainda bem, pois a mãe de outra Rebeca, cujo celular tocara e tivera que abandonar a prova, já fornecera à jovem uma declaração autenticada, informando o que aconteceu.
As “real news” da encrenca atropelaram as “fake news” triunfalistas dos hierarcas que se julgam parte do Ministério da Verdade do “1984” de Orwell.
Só um propagador da Ingsoc (a ideologia do Grande Irmão) seria capaz de fazer o que fez o ministro Abraham Weintraub às 8h21 da manhã em que o portal do Sistema de Seleção Unificada começou a receber inscrições de estudantes:
“Bom dia! O Sisu está rodando normalmente nesta manhã. (...) Boa sorte a todos!”.
Àquela hora, o ministro não poderia dizer que o sistema estava rodando normalmente. Se tivesse tentado entrar no portal, saberia que ele atolara, estava lento e transmitindo informações erradas.
Um estudante escreveu: “O Sisu já me deu mais erro dos que eu já cometi em toda minha vida”. Outro divertiu-se: “Faz arminha com a mão que consegue acessar”.
Não se pode saber como vai acabar a lambança do Enem, mas os exemplos de Vitor e Rebecca mostraram que as redes sociais são uma das boas coisas deste século.
Roberts é um exemplo para o STF
Depois do barraco dos ministros-plantonistas Dias Toffoli e Luiz Fux em torno da criação do juiz de garantias, só um milagre de Santa Dulce dos Pobres devolverá ao Supremo Tribunal Federal o clima de cordialidade que convém a um plenário de onze adultos.
Nem todo mundo está obrigado a sofrer com as batidas de cabeça das excelências. Há um refrigério nos Estados Unidos, na figura e na conduta de John Roberts, o presidente da Corte Suprema que preside o julgamento de Donald Trump pelo Senado.
Seu cargo no tribunal é vitalício, sua função no julgamento é secundária e ele já disse que os juízes são como os árbitros de competições esportivas, pois ninguém vai aos estádios para vê-los. Mesmo assim, repreendeu senadores dos dois partidos pela má qualidade de suas retóricas. Esta é a segunda vez em que ele cruza com o destino de um presidente americano. Em 2000, foi um dos conselheiros da equipe de Bush, o Jovem, na disputa judicial que derrubou Al Gore.
Não se sabe se Roberts interferirá na blindagem com que os republicanos querem proteger Trump, desprezando novos documentos ou novas testemunhas.
O juiz completará 65 anos amanhã e está na cadeira desde 2005. É um tremendo sujeito, conservador de vitrine. Ri de boca fechada, não fala abobrinhas e parece ter decidido ir para a Corte Suprema quando ainda era um estudante em Harvard. Bom aluno, bom atleta (luta livre), ia à missa aos domingos, foi assessor de grandes juízes, trabalhou na Casa Branca e ganhou algum dinheiro na banca privada (litigou 39 casos na Corte Suprema e prevaleceu em 25). Visto pela biografia, seria um juiz carimbado. Nasceu numa das localidades mais segregadas dos Estados Unidos e não gosta de políticas afirmativas, mas surpreendeu o país ao dar o voto decisivo para a sobrevivência do Obamacare, que redefiniu a estrutura da saúde pública americana.
Como Roberts não gosta de holofotes, uma vinheta de sua vida mostra quem é esse católico, casado com uma bem-sucedida advogada, também católica e militante contra o aborto. Eles se casaram quando tinham mais de 40 anos, não conseguiam ter filhos e decidiram adotar uma criança. Um dia, quando já tinham combinado a adoção de um bebê que nasceria em poucos meses, receberam um telefonema de outra agência, informando que um menino nasceria no dia seguinte e a mãe escolhera o casal Roberts para adotá-lo. Adotaram os dois. Joe e Josephine estão com 16 anos.
O VOTO DE FUX
Pelo andar da carruagem, o relator Luiz Fux levará ao plenário do STF seu voto sobre a criação do juiz de garantias ainda neste semestre.
O pleno decidirá se o instituto é constitucional. Se achar que é, poderá fixar um prazo para sua entrada em vigor.
Se isso acontecer com o mínimo de barracos, todo mundo ganha.
GREENWALD
Se o juiz Sergio Moro ou o procurador Deltan Dallagnol tivessem conversado nos termos em que o repórter Glenn Greenwald conversou com os hackers da Lava-Jato, a Vaza-Jato não existiria. Em quatro momentos de sua conversa com o hacker, Greenwald disse que, como jornalista, não podia se envolver com as operações de interceptação. Num momento, ele informa que “eu não posso te dar conselhos”.
GUEDES E MAIA
O ministro Paulo Guedes diz que em fevereiro mandará ao Congresso a primeira etapa de sua reforma administrativa.
Para que ela ande, serão necessárias duas condições:
A ekipekonômica precisa ouvir o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Tendo ouvido, precisa cumprir o que combinou.
De vez em quando os doutores acham que esses detalhes são irrelevantes. Quando eles decidiram taxar o seguro-desemprego, conseguiram apenas alavancar a própria impopularidade.
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