Os
seguidos adiamentos de decisões pelo governo seguem a lógica de uma
administração que tem um único rumo: o da satisfação das condições para a
reeleição do presidente Bolsonaro
É impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de procrastinar decisões, das banais às mais urgentes. Nem se pode dizer que isso acontece porque o governo não tem rumo; ao contrário, os seguidos adiamentos seguem a lógica de uma administração que tem um único rumo: o da satisfação das condições para a reeleição do presidente Bolsonaro.
Bolsonaro
foi eleito com a promessa solene de revolucionar o Estado brasileiro,
promovendo toda sorte de reformas e de planos de reorganização. O objetivo,
segundo garantiu na campanha, era entregar ao País um Estado que estivesse a
serviço dos contribuintes, e não se servindo destes.
Era
evidente, para quem tivesse um mínimo de informação, que Bolsonaro não tinha
como entregar o que prometera, não em razão das circunstâncias, mas porque, em
toda a sua trajetória política, sempre defendeu exatamente o contrário.
Corporativista e estatólatra, o deputado do baixo clero notabilizou-se por
votar contra todas as medidas necessárias para destravar o Estado e melhorar a
qualidade das contas públicas.
Alinhando-se
ao PT, Bolsonaro rejeitou o Plano Real, sabotou projetos que restringiam
privilégios de servidores e trabalhou contra a quebra do monopólio da Petrobrás
sobre o petróleo e da União sobre os serviços de telecomunicações. Suas
digitais estão também na oposição feroz às reformas da Previdência e
administrativa.
Foi
essa coerência programática que garantiu a Bolsonaro sete mandatos como
deputado e um eleitorado cativo. Como candidato à Presidência, contudo, viu-se
obrigado a vestir a fantasia do liberal que nunca foi e a anunciar que, se
eleito, faria as reformas que sempre desprezou.
É
esse o presidente que encomendou a seu Ministério da Economia a fórmula mágica
da criação de um programa de transferência de renda sem, contudo, promover
cortes de nenhuma espécie. Bolsonaro quer o melhor dos dois mundos: ganhar uma
nova clientela eleitoral na base do populismo desbragado sem perder o apoio dos
privilegiados do serviço público nem se indispor com empresários habituados a
subsídios e incentivos. O ministro Paulo Guedes que se vire.
Como
a aritmética não aceita desaforo, Bolsonaro foi alertado de que a conta não
fecha e que serão necessários cortes dolorosos para viabilizar o tal programa
que ele tanto almeja. Dado que o presidente não admite nenhuma solução que
possa ameaçar seu capital eleitoral, a saída tem sido adiar o anúncio oficial
do programa e, o mais importante, de suas fontes de financiamento.
Agora,
a desculpa são as eleições. Segundo os operadores governistas, os parlamentares
estarão engajados na campanha municipal e serão naturalmente refratários a
discutir medidas de austeridade, impopulares por definição.
Disso
se depreende que as eleições são um imperativo mais relevante do que a
emergência social que sobrevirá com o fim do auxílio emergencial. Os pobres que
esperem, pois os governistas não querem atrapalhar a campanha dos aliados.
Tem
sido assim desde que Bolsonaro assumiu. O contraste entre a grandiloquência das
juras de palanque e a ineficiência de seu governo é gritante. O ministro da
Economia, Paulo Guedes, notabilizou-se por anunciar planos magníficos para “a
semana que vem”, que teimosamente nunca chega. E nem se diga que essa
frustração se dá pelo mau desempenho de ministros e assessores de Bolsonaro,
pois vários deles fazem o que podem e trabalham duro. O problema, está claro
desde sempre, é o presidente, cujo horizonte é estreito demais para quem
precisa governar um País, e não o cercadinho do Alvorada.
Se
estivesse realmente interessado em ajudar os pobres e em entregar ao sucessor
um País melhor do que recebeu, Bolsonaro já teria organizado uma base
parlamentar sólida para aproveitar a disposição reformista demonstrada pelo
Congresso e articularia a aprovação tanto de projetos de longo prazo, como as
reformas administrativa e tributária, como medidas emergenciais para o
atendimento dos milhões de brasileiros destituídos de quase tudo na pandemia.
Mas aí não seria Bolsonaro.
Saneamento nas cidades médias – Opinião | O Estado de S. Paulo
As
cidades médias dispõem de serviços piores do que os existentes nas grandes
As condições de saneamento básico nos municípios médios do País, com população entre 50 mil e 141 mil habitantes, são piores do que as das cidades grandes e até do que a média nacional. Sem a agitação, a pressa, os congestionamentos, as aglomerações, a insegurança e outros inconvenientes em geral associados às grandes concentrações urbanas, essas cidades são normalmente consideradas mais atraentes pela qualidade de vida e pela tranquilidade que oferecem a suas populações. Suas condições sanitárias, porém, tendem a ser mais precárias – em certos casos, bem piores – do que as dos municípios mais populosos.
É
o que mostra o novo levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil como parte
de seu projeto Painel Saneamento Brasil. De acordo com o estudo, enquanto 73,3%
dos moradores das 100 maiores cidades brasileiras têm acesso à coleta de
esgoto, nos 251 municípios considerados médios o serviço só atende 32% de seus
habitantes. Isso significa que, nessas cidades, vivem 7,2 milhões de pessoas
que não dispõem de coleta de esgoto. A situação é bem pior do que a média
nacional, de atendimento de 53% da população.
Em
todo o País, 100 milhões de pessoas ainda carecem desse serviço. É um
contingente que corresponde duas vezes à população da Espanha. E, do esgoto
coletado, mais da metade é lançada de volta ao meio ambiente sem nenhum
tratamento. Apenas 46% dos esgotos coletados são tratados, de acordo com as
estatísticas mais atualizadas.
Como
lembra o Instituto Trata Brasil, num ano marcado pela pandemia de covid-19, as
medidas necessárias a seu enfrentamento, como a higienização frequente – que
exige, entre outras condições, a disponibilidade de água potável –, deram uma
cor ainda mais dramática às carências no País na área de saneamento básico.
Ainda há 35 milhões de brasileiros que não dispõem de acesso à água tratada. É
o equivalente à população do Canadá.
Proporcionalmente,
o problema é mais grave nos municípios médios. Enquanto 83,62% da população
brasileira dispõe de água tratada, nas cidades médias o índice é de apenas
76,6%. Estima-se que nessas cidades vivam 10,6 milhões de pessoas. Dessas,
cerca de 2,4 milhões não dispõem de água corrente tratada.
A
isso se soma a ineficiência do sistema: estima-se que as perdas nas redes de
distribuição correspondem a mais de 38% da água tratada nelas lançada. É um
índice cuja evolução contraria o avanço da tecnologia no setor: só cresce.
Quando
começaram os estudos do Instituto Trata Brasil sobre a cobertura do sistema de
saneamento básico nos municípios brasileiros, a preocupação, como lembra seu
presidente executivo, Édison Carlos, eram as grandes cidades, as capitais, as
regiões metropolitanas. “Mas os novos números mostram que o déficit é ainda
maior nos municípios menores, e isso aumenta os riscos a suas populações.”
Os
251 municípios agora incluídos no Painel Saneamento Brasil estão distribuídos
por 21 Estados das 5 regiões do País. Agora, o Painel dispõe de dados sobre um
total de 839 municípios, nos quais vivem 145 milhões de pessoas, cerca de 70%
da população total do País.
O
Painel está sendo montado desde o ano passado pelo Instituto Trata Brasil para
apresentar mais informações aos brasileiros, especialmente sobre as condições
de saneamento básico das localidades em que vivem. Por meio dessas informações,
os cidadãos podem conhecer os impactos à saúde das más condições de saneamento
e entender os benefícios econômicos e sociais que a melhora dessas condições
traz (mais renda, turismo, valorização imobiliária, mais proteção à saúde das
famílias, sobretudo das crianças, entre outros).
Um
dado expressivo apresentado pelo Painel é sobre indicadores socioeconômicos. Em
2018, as cidades médias registraram 6,7 mil internações por moléstias
transmitidas por problemas hídricos. Isso significa 6,26 casos por 10 mil
habitantes.
Vazio de liderança – Opinião | O Estado de S. Paulo
Diagnóstico
do 'New England Journal of Medicine' sobre os EUA na pandemia serve com
exatidão para o Brasil
Por
que os EUA administraram a pandemia tão mal? A maior economia do mundo, com uma
poderosa rede de comunicação e tecnologia, pesquisa e estrutura biomédicas de
ponta, é ainda assim líder em infecções, com taxas de mortalidade superiores às
de muitos países de baixa renda. Se a crise foi um teste de liderança, os
líderes da nação que tantas vezes liderou o mundo “fracassaram”, disse em
editorial o New England Journal of Medicine (NEJM). “Eles assumiram uma crise e
a transformaram numa tragédia.”
O
próprio editorial é sintomático. Nos 208 anos da mais prestigiosa publicação de
medicina do mundo, este foi o 4.º editorial assinado por todos os editores
(34), desfilando pela primeira vez críticas ao governo em pleno período
eleitoral.
Mesmo
com uma infraestrutura biomédica e industrial incomparável, os EUA foram
incapazes de prover adequadamente equipamentos de proteção para os
profissionais de saúde e a população e promover testes em massa, como fizeram
Coreia do Sul ou Cingapura. A China, após a hesitação inicial ante um patógeno
inédito, adotou regras estritas de quarentena, reprimindo o surto na raiz:
enquanto sua taxa de mortalidade é de 3 pessoas para cada milhão, nos EUA são
500. O desempenho das democracias em geral também superou o dos EUA.
Particularmente
perturbador para o Brasil é o fato de que, aparte as referências a recursos
tecnológicos e financeiros, o editorial – significativamente intitulado
Morrendo em um Vácuo de Liderança – poderia ser transliterado, permutando
“EUA” por “Brasil” sem nenhum prejuízo para a exatidão do diagnóstico. Até
porque parte substancial das intervenções eficazes depende pouco de tecnologia
ou dinheiro.
Lá,
como aqui, as medidas de isolamento foram frequentemente tardias e
inconsistentes, mal fiscalizadas e relaxadas prematuramente. Boa parte das
pessoas não usa máscaras, em grande medida porque muitas lideranças alardeiam
que elas são ferramentas de controle político antes que meios eficazes de
reduzir o contágio.
“O
governo federal abandonou vastamente o controle da doença aos Estados. Os
governadores variaram em suas respostas, não tanto em razão de seus partidos,
mas de sua competência. Mas seja qual for sua competência, os governadores não
têm as ferramentas que Washington controla. Ao invés de utilizar essas
ferramentas, o governo federal as minou”, diz o NEJM. A propósito de
ferramentas desperdiçadas, o ministro Eduardo Pazuello confessou candidamente
que até ser recrutado para tapar um buraco no Ministério da Saúde “não sabia
nem o que era o Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Lá,
como aqui, instituições públicas – como o National Institute of Health ou a
Food and Drug Administration – foram excluídas de decisões cruciais e
“vergonhosamente politizadas”, respondendo antes às pressões do governo que a
evidências científicas. “Nossos líderes destruíram a confiança na ciência e no
governo, causando danos que perdurarão. Ao invés de confiar em peritos, a
administração se voltou para ‘líderes de opinião’ desinformados e charlatães
que obscurecem a verdade e facilitam a promulgação de mentiras flagrantes.”
A
chocante similaridade com o Brasil não está só no diagnóstico, mas no
prognóstico. “Qualquer um que desperdiçasse irresponsavelmente vidas e dinheiro
dessa forma deveria sofrer consequências legais. Nossos líderes reclamaram
ampla imunidade. Mas as eleições nos dão poder para dar o veredicto.” Lá, como
aqui, “na resposta à maior crise de saúde pública de nosso tempo, nossos
líderes políticos comprovaram que são perigosamente incompetentes”. Lá, como
aqui, “não deveríamos incentivá-los e possibilitar outros milhares de mortes
permitindo que eles mantenham seus empregos”.
Os
americanos têm a chance de iniciar uma renovação que o Brasil só poderá fazer
daqui a dois anos. Mas as eleições municipais são já uma oportunidade de
mostrar que a lição da pandemia foi aprendida. Se não for, o eleitorado não só
estará desonrando a memória de milhares de mortos, mas preparando a ceifa que
levará outros tantos.
O Estado e o PIB – Opinião | Folha de S. Paulo
Comparação
indica anomalia do gasto brasileiro, que deve embasar debate do teto
Contaminado
por conveniências políticas e bandeiras militantes, o debate nacional em torno
da despesa pública e seus limites não raro deixa de lado uma questão essencial
—o gasto do governo é excessivo, adequado ou diminuto?
Inexiste,
claro, resposta objetiva e consensual para a questão, dado que o tamanho e o
papel do Estado dependem de circunstâncias e escolhas de cada sociedade.
Entretanto a experiência internacional permite identificar padrões e
estabelecer bases de comparação.
Nas
estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que buscam
harmonizar os critérios de contabilidade, verifica-se que, entre as principais
economias do mundo, o gasto governamental varia de 15% do Produto Interno
Bruto, na Indonésia, a 55%, na França.
A
despeito de tamanha disparidade, a distribuição do indicador segue alguma
lógica. Os Estados nacionais são claramente maiores na Europa, onde superam a
marca de 40% do PIB, graças às redes de seguridade social. Em outras nações
ricas, como EUA, Japão e Austrália, a proporção ronda os 35%.
Países
de renda média, em geral, contam com aparatos estatais mais modestos. Os
desembolsos dos latino-americanos México, Colômbia, Chile e Peru situam-se num
intervalo entre 18% e 28% do PIB. A Argentina, em desordem econômica, não tem
dados disponíveis.
O
Brasil constitui claramente um ponto fora da curva. Após uma escalada vertiginosa
ao longo de uma década, o gasto de União, estados e municípios atingiu 48,3% da
renda nacional em 2019, muito acima dos demais emergentes listados. Tanto a
despesa com juros (7,3%) como a primária (41%) são anômalas.
Podem-se
apontar desequilíbrios no Orçamento, decerto. Enquanto os encargos com
funcionalismo, Previdência e dívida pública estão entre os maiores do mundo, a
saúde e a infraestrutura, por exemplo, padecem de subfinanciamento.
Uma
reforma do Estado precisa, sim, enfrentar tais carências. Fazê-lo por meio da
expansão contínua do gasto total, porém, será covardia política e suicídio
econômico.
O
país já arca com carga tributária e endividamento quase sem paralelo no mundo
emergente, ambos para sustentar o Estado inchado. As baixas taxas de
crescimento econômico, particularmente trágicas nesta década, são sinais
eloquentes de um custo excessivo.
A
reforma da Previdência começa a conter a escalada das despesas com
aposentadorias; falta eliminar privilégios que inflam em demasia a folha salarial.
O
teto para o Orçamento federal é o instrumento necessário para conter a dívida e
evitar uma alta dos juros. Driblá-lo agora, ainda que por motivos nobres,
implicará sacrifícios maiores depois.
Lava Jato no plenário – Opinião | Folha de S. Paulo
Espera-se
que decisão do STF, casuísta, dê maior segurança jurídica à operação
Em
sessão administrativa do Supremo Tribunal Federal, os ministros deliberaram que
as ações criminais em curso na corte voltarão a
ser julgadas pelo plenário. Embora não seja o foco único da medida,
a Lava Jato parece beneficiada devido à retirada de ações da Segunda Turma da
corte, que costuma impor derrotas à operação.
Tomada
a partir de proposta do novo presidente do STF, Luiz Fux, a decisão atinge
apenas as ações penais com foro privilegiado, não alcançando os recursos
provenientes de instâncias inferiores, habeas corpus ou reclamações.
Assim,
a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e o caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ),
entre outros processos delicados, continuam a ser julgados nas turmas.
O
retrospecto recente do Supremo recomenda cautela diante de mudança de tal
envergadura. A nova regra reverte a adotada em 2014, após uma longa paralisia
do plenário em decorrência do processo do mensalão. Agora, com a restrição do
foro especial em 2018, o número de casos criminais diminuiu.
Não
obstante, artifícios processuais no plenário, como pedidos de vista, ainda
podem impor atrasos. Além do risco da morosidade, converter novamente o
plenário do STF em foro criminal pode dificultar o papel essencial de
fiscalizar o cumprimento da Constituição.
Registre-se
também o casuísmo da medida. Fux, apoiador da Lava Jato, reage à indicação para
a corte de Kassio Nunes, nome associado politicamente ao centrão e de orientação
tida como garantista.
Há
ainda o efeito decorrente da maior publicidade conferida às ações penais, uma
vez que as sessões do plenário são televisionadas —pode se imaginar, nesse
ambiente, um desincentivo a decisões que contrariem a opinião pública.
No
entanto cabe lembrar que o colegiado já endossou diversas garantias processuais
e impôs restrições à Lava Jato, como na limitação de conduções coercitivas.
Tudo
considerado, é prematuro tomar a decisão do STF como uma vitória inequívoca da
operação, que já perdeu o endosso do bolsonarismo. Espera-se que resulte em
maior segurança jurídica nos casos de combate a desmandos, se os magistrados
atuarem com prontidão.
Acaba,
afinal, a manipulação de competência por vezes observada, por meio da qual
ministros podiam deslocar um processo ao pleno para evitar derrota na turma.
Loteamento político só produz perdas e ineficiência estatal – Opinião | O Globo
A
alta rotatividade em cargos de chefia do setor público resulta em riscos e
desperdício, conclui Ipea
Uma
das principais causas da ineficiência nos serviços públicos é a alta
rotatividade nas áreas de comando da burocracia. A instabilidade nos cargos de
chefia tem sido determinante para o fracasso de políticas públicas, com
prejuízos evidentes à sociedade. É o que mostra o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) em estudo sobre 128 mil servidores em cargos de
chefia na administração federal entre 1999 e 2017.
A
estadia em postos-chave da máquina burocrática costuma ser curta. É de apenas
25 meses o tempo médio de permanência de um servidor em cargo de Direção e
Assessoramento Superior (DAS). Um de cada três não completa o primeiro ano de
trabalho — mulheres são exoneradas mais rápido do que homens —, e a
probabilidade de um nomeado sobreviver num cargo por um mandato presidencial
completo é de apenas 25%. A maioria dos nomeados entre 1999 e 2017 esteve
ligada a ministros que duraram no posto 26 meses, na média.
A
alta rotatividade não só limita o planejamento, como resulta em grandes
desperdícios de recursos, com interrupção e desvios na execução de projetos.
Sobram exemplos. De cada três obras federais iniciadas nas últimas duas
décadas, uma continua inacabada. No ano passado, o Tribunal de Contas da União
registrou 14,4 mil empreendimentos federais descontinuados, paralisados ou
inacabados. Compõem um legado da disfuncionalidade do setor público de mais de
R$ 140 bilhões, o quádruplo da despesa projetada pelo governo para
investimentos em infraestrutura até 2022.
A
instabilidade na hierarquia burocrática advém do loteamento político. No
Brasil, um presidente assume nomeando 12 mil para cargos de confiança, cinco
vezes o permitido a um presidente americano. Um paradoxo foi observado pelos
pesquisadores Felix Lopez e Thiago Silva, do Ipea, ao estudar os 128 mil casos
de servidores-chefes: a intensa rotatividade na burocracia dirigente acaba
configurando “risco para o sucesso da gestão”. Ou seja, eventuais benefícios do
loteamento partidário frequentemente se convertem em prejuízos para o
presidente, pela descontinuidade das ações do governo.
Uma
alternativa é o modelo de seleção de pessoal adotado por outros países.
Baseia-se na redução do número de cargos de livre nomeação, com a
obrigatoriedade de processo seletivo para posições de chefia. Especialistas em
administração pública como Felipe Drumond, pesquisador da ONG República, citam
as experiências de Estados Unidos, Canadá, Portugal e Chile, onde agências autônomas
conduzem a seleção das chefias burocráticas, com base em critérios de
transparência e barreiras à captura pelo estamento político-partidário.
Governo
e Congresso deveriam ponderar todas essas sugestões no debate da reforma
administrativa. A sociedade só teria a ganhar com a mudança.
Desastres expõem o despreparo do governo nas ações de defesa civil – Opinião | O Globo
País
segue sem sistemas eficazes para prevenir e enfrentar incêndios, enchentes,
secas ou desabamentos
Os
incêndios no Pantanal, na Amazônia e nas áreas montanhosas do Sudeste, assim
como os desabamentos na zona urbana de Maceió provocados pela mineração de
sal-gema, expõem fragilidades antigas e a descoordenação absoluta entre órgãos
federais, estaduais e municipais. O país segue sem sistemas eficazes de defesa
civil e prevenção de catástrofes.
Em
2017, o IBGE constatou que 60% dos municípios não tinham mecanismos para evitar
desastres, e apenas 15% tinham um plano de contingência para períodos de seca.
Não há evidências de que tal panorama tenha mudado.
A
rotina nesta década tem sido uma sucessão de desastres ambientais. Metade dos
municípios, segundo o IBGE, foram afetados por períodos de secas. Chuvas fortes
e enxurradas alagaram um terço. Erosão e deslizamentos do solo causaram
prejuízos e agravaram a situação social na periferia de 15% das cidades. São
pontuais os casos de governos com capacidade operacional para enfrentar
situações de emergência.
Sobram
leis e falta ação coordenada no setor público. Na semana passada, entrou em
vigor uma nova legislação sobre segurança em barragens. Era a resposta
previsível, e necessária, do Congresso à ruptura das estruturas de contenção de
rejeitos de minérios em Mariana, em 2015, e Brumadinho, no ano passado,
tragédias que somaram 278 mortos — 11 continuam desaparecidos. O rastro de
destruição abrange 230 municípios de Minas ao Espírito Santo.
A
nova lei (nº 14.066) proíbe barreiras erguidas a montante, como as de Mariana e
Brumadinho. Manda desativá-las até 25 de fevereiro de 2022. A rigidez da
legislação é posta em xeque pelo ceticismo dos próprios legisladores em relação
ao cumprimento do prazo pelas mineradoras, à eficácia do controle e
fiscalização pelos governos e, principalmente, à capacidade de resposta a
eventuais tragédias.
Há
perigo em 111 de 432 barragens espalhadas pelo país, admite a Agência Nacional
de Mineração. O risco é alto em 51 delas, a maioria em Minas, onde há quatro
fiscais para 360 diques. A competência exibida pela Defesa Civil de Minas nos
desastres de Mariana e Brumadinho é exceção. A regra é a ação improvisada dos
governos.
Ano passado gastou-se R$ 1 bilhão em políticas federais de gestão de riscos e desastres. Foram destinados, basicamente, à distribuição de água em carros-pipa nas cidades nordestinas afetadas pela seca. É um padrão recorrente. Até hoje, não se conhecem planos de contingência integrados dos governos federal, estaduais e municipais.
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