The New York / O Estado de S. Paulo
Na
narrativa do Qanon, este não foi um exercício da Otan. Foi uma operação secreta
do presidente Donald Trump para libertar a Alemanha do governo da chanceler
Angela Merkel – algo que eles aplaudiram. “O movimento Qanon disse que essas
são as tropas que vão libertar o povo alemão de Merkel”, disse Hildmann, uma
celebridade de culinária vegana que não tinha ouvido falar do Qanon. “Espero
muito que o Qanon seja real.”
Nos
EUA, o Qanon já evoluiu de uma subcultura marginal da internet para um
movimento de massa popular. Mas a pandemia está alimentando as teorias da
conspiração para além das costas americanas, e o Qanon está se espalhando como
metástase também na Europa.
Grupos
surgiram da Holanda aos Bálcãs. Na Grã-bretanha, protestos fazendo referência
ao Qanon sob a bandeira de “Salvem nossas crianças” ocorreram já em mais de 20
cidades e vilarejos, atraindo um grupo demográfico mais feminino e menos de
direita. Mas é na Alemanha que o Qanon parece ter feito as incursões mais
profundas. Com o que é considerado o maior número de seguidores – cerca de 200
mil – no mundo que não fala inglês, ele rapidamente tem conquistado audiência
no Youtube, Facebook e no aplicativo de mensagens Telegram.
“Os
influenciadores e grupos de extrema direita foram os primeiros a impulsionar
agressivamente o Qanon”, diz Josef Holnburger, cientista de dados que acompanha
o Qanon na Alemanha. As autoridades estão perplexas porque uma teoria da
conspiração aparentemente maluca a respeito de Trump lutando contra um “Estado
Profundo” de satanistas e pedófilos ressoou na Alemanha.
Questionado
a respeito dos perigos do Qanon, o serviço federal de inteligência doméstica
alemão respondeu com uma declaração dizendo que “tais teorias de conspiração
podem se transformar em um perigo quando a violência antissemita ou violência
contra funcionários políticos é legitimada com uma ameaça do ‘Estado
Profundo’.”
A
mitologia e a linguagem que o Qanon usa – de alegações de assassinato de
crianças para rituais a fantasias de vingança contra as elites liberais –
evocam antigos tropos antissemitas e fantasias de golpe que há muito tempo
animam a extrema direita alemã. Esses grupos estão tentando aproveitar a
popularidade viral da teoria para atingir um público mais amplo.
O
Qanon está atraindo uma combinação ideologicamente incoerente de oponentes da
vacina, teóricos marginais e cidadãos comuns que dizem que a ameaça da pandemia
é exagerada e as restrições do governo injustificadas.
Até
alguns meses atrás, Hildmann era popularmente conhecido apenas por seu
restaurante e livros de culinária e como convidado em programas de culinária na
televisão. Mas com 80 mil seguidores no Telegram, ele se tornou um dos
amplificadores mais importantes do Qanon na Alemanha.
A
teoria da conspiração Qanon surgiu nos EUA em 2017, quando um usuário com
pseudônimo afirmou ter acesso ao nível mais alto de acesso a informações
confidenciais dos EUA – o Q – começou a enviar mensagens criptografadas no
fórum de mensagens 4Chan.
Para
historiadores e especialistas em extremismo de extrema direita, o Qanon é um
fenômeno muito novo e muito antigo.
A ideia de uma elite sugadora de sangue e sem raízes que abusa e até come crianças é uma reminiscência da propaganda medieval sobre judeus bebendo o sangue de bebês cristãos, disse Miro Dittrich, um especialista em extremismo de extrema direita da Fundação Amadeu Antonio, com sede em Berlim. “É a versão do século 21 do libelo de sangue”, disse Dittrich. “A ideia de uma conspiração global das elites é profundamente antissemita. ‘Globalistas’ é um código para judeus.”/ Tradução de Romina Cácia
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