Autoritários
temem escritores
Uma
voz em off: “Aqui é o que esse autor que mandou não comprarem produtos
brasileiros merece. Pena que só tenho esse, senão queimava mais. Queima Paulo
Freire... Paulo Freire, não, Paulo Coelho. Mas o Paulo Freire também merece ser
queimado. Queima Paulo Coelho... Queima... É isso aí. Paulo Coelho na fogueira.
Queima o livro do Paulo Coelho. Olha que fogueira bonita!”.
A
voz acompanha uma imagem: a mão sem rosto, covarde como são as mãos que queimam
florestas, queimava “O alquimista”, o livro brasileiro mais vendido e traduzido
no mundo, de Paulo Coelho. O crime do autor foi denunciar a política ambiental
assassina e suicida do governo brasileiro. Jovem, fora preso e torturado pela
ditadura.
Paulo
Freire colheu, dentro e fora do Brasil, um respeito que influenciou gerações de
educadores em cinco continentes. Acusado de ser comunista, esse professor de
fala mansa e pausada, devoto de Santa Teresinha, foi preso e exilado pela
ditadura. Professor em Harvard, foi aclamado por sua defesa da “Educação como
prática da liberdade” e da “Pedagogia do oprimido”.
Dois
grandes brasileiros.
Autoritários
temem escritores. Se, pela tortura, submetem os corpos dos opositores, a
imaginação, essa transita soberana e incontrolável pelo território livre da
criação. Por ódio, queimam a carne dos livros.
Esses
brutos têm uma versão do que é o bem e o mal, o certo e o errado, e a obsessão
de controlar e proibir. Contam a história segundo sua própria ficção e chamam
de verdade. Os escritores escrevem verdades e chamam de ficção.
O
atual governo brasileiro não queima livros, mas seus apoiadores, sim. O ovo da
serpente se esconde no lamaçal que habitam. Cuidado!
Quem queima livros não conhece a metáfora viva que cria. Reduz a cinzas o que se escreveu, um ritual de aniquilamento. Só que cinzas são bom adubo. Ideais queimados costumam fertilizar ideias e renascer ainda mais frondosos. O pacto de liberdade entre quem escreve e quem lê não queima no fogo da barbárie. É uma fênix, irreverente e fiel.
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