O
currículo do senhor K não bate com a realidade. Mas um currículo meio tubaína é
tudo do que precisam no momento
Faz
muito tempo que não vou a Brasília. Faz muito tempo que não vou a lugar nenhum.
Minha
última viagem à capital foi para documentar a mudança da Corte após a vitória
de Bolsonaro.
As
Cortes marcam a cidade, pelo menos o plano piloto, onde circulam políticos,
aspones e lobistas. Na chegada do PT, alguns restaurantes recendiam a fumaça de
charuto cubano. Collor gostava de grandes carros modernos. FHC quis reviver
saraus lítero-musicais.
Fui
muito prematuramente buscar a marca de Bolsonaro. Se voltasse agora, movido
pelo slogan da Coca-Cola, “sinta o sabor”, diria que o gosto da nova Corte é o
de tubaína.
Honestamente:
ninguém toma tubaína na Corte. É apenas um simbolo. Sua gênese está na escolha
de um novo ministro do STF. No princípio, Bolsonaro dizia que o escolhido seria
terrivelmente evangélico. Depois disse que o nome seria de alguém que tomasse
cerveja com ele.
Houve
uma inflexão. É difícil, não impossível, encontrar alguém terrivelmente
evangélico chegado a uma cervejinha. Ao apontar o nome de Kassio Marques,
Bolsonaro substituiu a cerveja por tubaína. O senhor K não é evangélico mas,
por via das dúvidas, era preciso abolir o teor alcoólico da amizade. A tubaína
se encaixava perfeitamente: popular, adocicada, meio fake.
Entrava
em cena nosso Kassio, como é chamado em Brasília. Uma figura familiar, que tem
o apoio do Centrão, de opositores e também a bênção de ministros do Supremo,
como Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Quando
Bolsonaro e K se reuniram na casa de Tofolli para comer uma pizza e assistir ao
jogo Palmeiras X Ceará, o programa harmonizava com uma boa tubaína. Não foi o
que beberam, mas isso é o de menos. A nova Corte se integrava a Brasília, de
uma certa maneira reinava de novo a atmosfera familiar e promíscua da capital.
Era
difícil prever que a tubaína se tornasse o símbolo do governo Bolsonaro quando
visitei Brasília. Ainda não tinha acontecido um episódio decisivo: a prisão de
Fabrício Queiroz. Fala-se tanto em novo normal, mas aquilo empurrou Bolsonaro
para o velho normal: acordo com o Centrão, jantares e visitas às casas de
ministros do STF.
O
currículo do senhor K não bate com a realidade. Mas Bolsonaro jamais pensou em
ministros que tivessem pós-graduação em Salamanca, La Coruña, Messina ou o
cacete.
Um
currículo meio tubaína é tudo do que precisam no momento. Os políticos vão
entender as mentiras como um erro de tradução. Tradutor-traidor, devem até
desenterrar a velha analogia.
Brasília
respira o velho ar ressecado de sempre. Entramos na era da tubaína, the real thing, o líquido das
nossas tramas, de abraços, mútuos elogios.
Há
quem não goste. Mas, com uma boa renda social, uma renda cidadã, Santa Cruz,
Vera Cruz, Brasil, não importa o nome, vencemos eleições e conquistamos o
direito de seguir tomando nossa tubaína como os artistas tomavam seu absinto no
Pós-Guerra.
Felizmente,
isto aqui não é uma ilha. O mundo nos olha com atenção. A Europa já coloca o
acordo comercial com o Mercosul no telhado. As relações com os Estados Unidos
podem mudar com o resultado das eleições presidenciais.
O
encontro de forças que resistem no Brasil com o empenho internacional por
mudanças dentro do país pode representar uma esperança.
Já
estamos calejados, vivemos o resultado daquelas promessas de tudo mudar, que
acabam afogadas em tubaína. Mas, ainda assim, é preciso realisticamente sonhar
com a preservação de nossos recursos naturais e a redução das grandes
diferenças sociais.
Não
sei se isto é um consolo, mas pelo menos a prisão de Queiroz nos levou de novo
ao passado da redemocratização e nos afastou um pouco do temido tempo da
ditadura.
Bolsonaro deve voltar à carga em algum momento. Antes precisa resolver a questão de Queiroz, que é, na verdade, a questão de seu filho, da família, dele próprio. Os convivas, políticos e juízes da Suprema Corte não percebem que bebem uma tubaína envenenada. Mas isso não é tão importante para eles, o jogo principal não é do Palmeiras, mas pelo poder. A dança típica da capital é sempre dançada diante do abismo.
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