EDITORIAIS
É preciso encorajar esforço diplomático
para evitar guerra
O Globo
A visita de Jair Bolsonaro à Rússia será
precedida por outra bem mais importante para Vladimir Putin e para o mundo.
Putin recebe hoje em Moscou o chanceler alemão, Olaf Scholz, cujo objetivo é
desarmar a ameaça de invasão da Ucrânia, desencadeada pela mobilização de quase
130 mil soldados russos, a maior na Europa desde a Segunda Guerra. Scholz e o
francês Emmanuel Macron têm conduzido o esforço mais promissor para evitar um
novo conflito em solo europeu. É preciso encorajar essa iniciativa, promovida
pelos dois países que costuraram o cessar-fogo em vigor desde a invasão russa
de 2014, no grupo batizado de Formato Normandia (França, Alemanha, Rússia e
Ucrânia).
É difícil decifrar os objetivos reais de Putin com sua nova aventura militar. Da última vez, ele fez um ataque de surpresa, com tropas disfarçadas, para ocupar regiões ucranianas de maioria russa. Desta vez, seus movimentos são acompanhados em tempo real em imagens de satélite, enquanto os Estados Unidos têm soado sucessivos alarmes para o risco, desmentidos também em tempo real pelo governo russo.
Diante do fracasso das conversas com
Estados Unidos e Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o movimento
dos europeus, mesmo coordenado com os aliados, procura manter distância
profilática das nêmesis de Putin. Nada garante que dê certo, mas traz uma
esperança de saída negociada, desfecho mais desejável que a guerra. Está
lastreado na percepção de que o conflito não interessa nem a Putin.
Observadores do Kremlin entendem que tudo pode ser apenas um teatro que dê aos
americanos a medida de até onde ele está disposto a ir para evitar a expansão
da Otan aos países que quer manter em sua esfera de influência (Ucrânia,
Bielorrússia e Geórgia).
Em que pesem as barbaridades de Putin, é
compreensível que os russos não queiram deixar que mísseis ou tropas da Otan
sejam deslocados para seu quintal. Não é preciso acreditar nas fantasias dele
sobre a história ucraniana nem endossar seus pendores tirânicos para entender a
necessidade de um novo equilíbrio na região. A expansão da Otan para o Leste
desde o fim da Guerra Fria se deu à revelia da Rússia, acreditando na
acomodação futura. Prova de que foi uma aposta errada são as sucessivas
incursões russas. É hoje inverossímil que a Ucrânia entre na Otan. Ou que a Rússia
se afunde numa longa guerra para anexar o país. Eis o ponto de partida para as
negociações.
A Europa depende da Rússia para suprir 40%
de seu gás e 25% de seu petróleo. Não aceitará sanções que alijem o país do
sistema global de pagamentos. Desde 2015, as reservas internacionais russas
cresceram 70%, para mais de US$ 620 bilhões. A Rússia ainda dispõe de um fundo
soberano inflado a US$ 190 bilhões pela alta do petróleo. A gestão fiscalmente
conservadora de Putin — que prejudicou o crescimento e o combate à pandemia —
derrubou a dívida pública a 20% do PIB. Tudo isso traz fôlego para resistir às
sanções.
Pelos termos em discussão, a Ucrânia teria
de aceitar maior autonomia das regiões de maioria russa e desistir da pretensão
à Otan, adotando neutralidade similar à da Finlândia na Guerra Fria. Putin
teria de tirar suas tropas de lá e aceitar uma democracia na vizinhança, mais
próxima do Ocidente do que ele gostaria. Não se sabe se topará, mas, se os
europeus convencerem ambos os lados a ceder, o pior cenário será afastado. Ao
menos por enquanto.
Plataformas devem cumprir promessa de
coibir desinformação nas redes
O Globo
Representantes de redes sociais e
aplicativos de mensagens assinarão hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um
memorando de entendimento com uma lista de ações para combater a desinformação
nas eleições deste ano. É esperada a presença de executivos de empresas como
Google, Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Twitter. A grande ausência
continua sendo o Telegram, que tem mais de 50 milhões de usuários no Brasil,
mas continua se recusando a se submeter às leis brasileiras.
A cooperação é de extrema importância. O
Brasil espera que as gigantes digitais tenham com a eleição brasileira no
mínimo o mesmo cuidado que tiveram com a americana em 2020, quando adotaram
regras mais duras para a circulação de mensagens políticas e proibiram anúncios
por prazos mais longos antes do pleito. Tudo isso é imprescindível. O passo
seguinte é garantir que as regras sejam cumpridas. O histórico recente é
preocupante.
Como revelado por reportagem do GLOBO,
existe um hiato entre as promessas e a execução. Os repórteres testaram os
mecanismos criados por Facebook, Instagram e Twitter para a denúncia de
desinformação. Foram indicadas 20 postagens sobre saúde e política. Depois de
mais de uma semana, apenas quatro tinham recebido o rótulo de enganosa ou
tinham sido removidas. As demais seguiam no ar, entre elas um post em que a
deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) usou um site americano para divulgar dados
fraudulentos sobre “doenças graves” decorrentes da vacina contra a Covid-19.
Outra postagem mentirosa que continuava na rede era do deputado federal Filipe
Barros (PSL-PR) atacando a lisura das urnas eletrônicas.
A Meta afirma que não envia conteúdo de
políticos eleitos para verificação de fatos. A justificativa é que não deve
“arbitrar debates políticos e impedir que o discurso de um representante eleito
chegue ao seu público e seja alvo de amplo debate e escrutínio”. Os posts de
Bia Kicis e de Filipe Barros são desinformação óbvia. Um rótulo de “enganoso”
não seria censura, muito menos interferência indevida no debate. Políticos,
como todo cidadão, têm direito a se expressar livremente. Isso não os exime de
ser corrigidos quando erram ou mentem.
Um estudo da Diretoria de Análise de
Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV) mostra que figuras
públicas continuam a lançar palavras de ordem para mobilizar seus grupos de
apoio na disseminação de desinformação sobre o processo eleitoral. Somente no
Facebook houve quase 400 mil postagens em 15 meses. A ação rápida das
plataformas para avaliar tais mensagens é chave para controlar essas campanhas.
As empresas digitais não serão julgadas pelo número de memorandos de
entendimento que assinarem. Para que as eleições deste ano ocorram dentro da
normalidade, o discurso delas precisa estar próximo da prática.
De volta à farsa
Folha de S. Paulo
Novo ataque às urnas mostra que Bolsonaro
não desistiu de tumultuar a eleição
Jair Bolsonaro mostrou que continua
disposto a investir no descrédito do sistema eleitoral brasileiro para criar
tumulto em caso de derrota no pleito de outubro.
Numa
transmissão ao vivo na internet, o presidente disse que militares
detectaram vulnerabilidades nas urnas eletrônicas no fim do ano passado e
apresentaram questionamentos ao Tribunal Superior Eleitoral, ainda sem
resposta.
Bolsonaro acrescentou que a elevada
audiência alcançada por suas aparições nas redes sociais mostra que estão
erradas as pesquisas que lhe atribuem baixos índices de popularidade —e disse
esperar que suas desconfianças sejam sanadas até o dia da votação.
Embora o tom tenha sido mais ameno que o
adotado em manifestações similares no passado, quando ele atacou ministros do
Tribunal Superior Eleitoral, defendeu teses conspiratórias e propagou mentiras
sobre as urnas, as más intenções continuam indisfarçáveis.
Durante o falatório, o mandatário fez mais
uma vez menção à fantasia de que as eleições de 2018 foram fraudadas por
pessoas interessadas em lhe roubar a vitória no primeiro turno, o que
obviamente jamais se comprovou.
Bolsonaro lembrou que é o comandante em
chefe das Forças Armadas, insinuou que a Justiça não deu a devida atenção aos
questionamentos e disse que mandou o ministro da Defesa, Walter Braga Netto,
cobrar explicações.
O TSE relatou ter recebido um pedido de
informações do general Heber Garcia Portella, responsável pela área de defesa
cibernética do Exército, e esclareceu que só não elaborou a resposta ainda por
causa do recesso do fim de ano e da complexidade das questões.
O militar faz parte de uma comissão de
especialistas formada pelo próprio TSE no ano passado para reforçar a
fiscalização do processo eleitoral. Segundo o tribunal, ele não apontou nenhuma
falha e se limitou a pedir dados técnicos para entender melhor o sistema.
Todos os ataques de Bolsonaro às urnas
foram refutados com clareza pela Justiça, com evidências que o desmentem. Não
há razão para imaginar que as questões do general Portella não serão
esclarecidas com a devida presteza.
O presidente jamais apresentou qualquer
coisa que sustentasse suas patranhas, mas aposta na balbúrdia para manter
seguidores mais radicais mobilizados e minar a confiança depositada pela
maioria na lisura do processo eleitoral.
Alvo de seis inquéritos conduzidos pelo
Supremo Tribunal Federal, incluindo um por ter espalhado informações falsas
sobre as urnas e outro por ter divulgado dados sobre um ataque cibernético
sofrido pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro sabe dos riscos que corre.
Vacinar as crianças
Folha de S. Paulo
Urge identificar causas de atraso aparente
nos dados da imunização infantil
Causam preocupação os sinais de atraso da
vacinação contra a Covid-19 entre as crianças brasileiras, ainda que os dados
possam estar prejudicados por subnotificação.
A marca de 15% de imunizados na faixa de 5
a 11 anos, verificada na semana passada, nem de longe pode ser considerada um
sucesso.
Conforme reportagem
publicada pela Folha,
os 23 dias necessários para chegar a esse percentual colocam o Brasil,
proporcionalmente, em nono lugar num ranking de dez países que disponibilizam o
detalhamento por data e idade.
Demoramos, segundo números oficiais, quase
o triplo do tempo gasto por Canadá, Austrália, Argentina e Uruguai. Ficamos
ainda atrás de Alemanha, Estados Unidos, França, Chile e Itália. Apenas nos
saímos melhor que a França, um dos principais polos de resistência às vacinas
na Europa.
Em que pesem falhas na coleta de dados em
boa parte dos municípios, que podem afetar as estatísticas, é fato que o país
começou a vacinar tarde. Enquanto vizinhos como Argentina e Uruguai autorizaram
o uso do imunizante em setembro e outubro de 2021, por aqui só o fizemos em 16
de dezembro.
Levou ainda cerca de um mês para que
chegasse a primeira remessa, de 1,2 milhão de doses, da vacina pediátrica da
Pfizer. Porém a quantidade, ínfima para um universo de 20,5 milhões de
crianças, e os problemas na distribuição resultaram em um início claudicante da
campanha —que chegou a ser paralisada momentaneamente em algumas cidades.
A inépcia somou-se à perversa cruzada de
desinformação encampada por algumas autoridades, a começar pelo presidente.
Jair Bolsonaro agiu como pôde para conturbar a vacinação infantil, ao arrepio
da ciência e de suas responsabilidades como chefe de Estado.
Secundado por sequazes como os ministros
Marcelo Queiroga e Damares Alves, difundiu um temor infundado em pais,
exagerando o risco de efeitos adversos na realidade raríssimos; promoveu
ataques aos técnicos da Anvisa responsáveis pela aprovação do imunizante;
empenhou-se em criar empecilhos burocráticos de toda a sorte.
A infame cruzada pode contribuir para que
as crianças se tornem os principais agentes de disseminação do coronavírus
justamente no momento em que as aulas presenciais enfim retornam no país,
prejudicando, também, um movimento que o governo em nenhum momento se esforçou
para viabilizar.
‘Janela partidária’ deturpa a política
O Estado de S. Paulo
Muitos enxergam na maioria dos partidos
políticos meras estruturas administrativo-financeiras para viabilizar a eleição
de pessoas
Muitos enxergam na maioria dos partidos meras
estruturas para eleger pessoas.
Fortalecidos pela fraqueza de um presidente
da República que tem aversão ao trabalho, não sabe o que é governar e jamais
deu sinais de que gostaria de aprender, os partidos políticos que compõem o
Centrão, sobretudo PL, Progressistas e Republicanos, aumentaram muito seu poder
de barganha para atrair parlamentares durante a chamada janela partidária,
período em que deputados podem trocar de partido sem perder o mandato.
O PL, ao qual Jair Bolsonaro se filiou
recentemente, deve ser o partido com a maior bancada na Câmara ao final da
janela partidária, que vai de 3 de março a 1.º de abril. Estima-se que a
legenda, um protetorado do notório Valdemar Costa Neto, deverá saltar de uma
bancada de 43 para 65 deputados federais, enquanto o recém-criado União Brasil,
quando as negociações terminarem, poderá ter uma bancada de até 61 deputados. O
Progressistas, partido do atual presidente da Câmara, Arthur Lira, e do
ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, deverá ter uma bancada de 52
deputados, 10 a mais do que tem hoje. Já a bancada do Republicanos deverá
crescer de 31 para 34 deputados.
Partidos outrora mais consistentes, como
MDB e PSDB, deverão perder deputados. O caso do PSDB é paradigmático. A
despeito de ter realizado prévias e ter um pré-candidato à Presidência da
República, próceres tucanos cogitam a céu aberto renunciar à candidatura
presidencial para privilegiar a formação de bancadas no Congresso, sobretudo na
Câmara.
Há razão para isso, nada nobre, mas há.
Como fio condutor de todas as negociações para o troca-troca de partidos
durante a janela de março está o dinheiro dos fundos públicos que irrigam as
contas das legendas – o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de
Campanha, o chamado fundo eleitoral –, além dos recursos bilionários do
“orçamento secreto”, mecanismo que forjou a compra de uma tênue base de apoio
ao presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Tudo mais é periférico nas
conversas.
Para os caciques partidários, o que está em
jogo é a formação de bancadas na Câmara, pois, quanto maior a bancada, maior o
quinhão que a legenda recebe dos fundos públicos e, não menos importante, maior
é seu poder sobre o próximo presidente da República, seja quem for. Os
deputados que tentarão a reeleição neste ano, por sua vez, não são movidos por
sentimentos mais altaneiros: estão atrás de recursos que viabilizem as suas
campanhas. E nesse jogo de interesses a orientação ideológica ou a consistência
programática dos partidos são as menores preocupações dos candidatos.
A descaracterização da política partidária
não é um fenômeno recente no Brasil, mas chegou ao paroxismo nos últimos anos,
à vista de todos. Hoje, em prejuízo da democracia representativa no País, não
são poucos os partidos políticos que se converteram, na prática, em “empresas”
cujo principal objetivo é assegurar os interesses de seus donos, servindo
apenas como meras estruturas administrativo-financeiras para viabilizar
eleições de pessoas.
Não é ruim, nem sequer errado, enxergar os
partidos políticos como meios de obtenção de poder político. Seria até uma
incongruência, haja vista que a filiação partidária é uma das condições de
elegibilidade determinadas pela Constituição. O problema reside na má concepção
do papel dos partidos políticos – que vai muito além do caráter instrumental da
obtenção de mandatos eletivos – e no animus que permeia o processo de filiação
partidária.
É triste, mas é a realidade tal como está
posta. A democracia no Brasil será tanto mais vigorosa quanto mais fortes se
tornarem os partidos políticos em termos de orientação ideológica e
consistência programática, além, evidentemente, de propiciarem maior coesão
entre seus filiados. Contudo, nada indica que, às vésperas da abertura da
janela partidária e em meio às negociações para formação das federações, o País
esteja caminhando nessa direção.
O quadro só será revertido com a aprovação
de uma reforma política que melhore as condições de representação e dê fim à
excrescência do financiamento público dos partidos, aproximando-os, afinal, de
seus eleitores.
Apagão dos planos no setor elétrico
O Estado de S. Paulo
A produção de energia sem linhas de
transmissão mostra a ausência de planejamento, particularmente acentuada no
atual governo
O sol deve ser a principal fonte de energia
na expansão do sistema elétrico, segundo indicam os projetos cadastrados para o
leilão do setor, marcado para maio. Nesse leilão o governo deverá selecionar os
empreendimentos fornecedores de eletricidade para todas as distribuidoras.
Geração fotovoltaica aparece em cerca de dois terços – 67% – dos 1.894 projetos
catalogados na Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Essa fonte deverá garantir
70% dos 72.250 mil megawatts (MW) adicionais estimados para o programa. Falta
saber como essa eletricidade chegará aos consumidores, sejam pessoas físicas ou
jurídicas. Há um descompasso entre projetos de geração e projetos de transmissão,
um detalhe comprometedor para todo o programa setorial.
Planejamento vem perdendo espaço em
Brasília, há vários anos, e praticamente sumiu da agenda federal em 2019,
quando se instalou a atual administração. O descompasso entre geração e
transmissão tem sido observado há alguns anos. Foi evidenciado, por exemplo,
depois de investimentos importantes em produção de energia eólica no Nordeste.
Em 2016 a eletricidade produzida com a
força do vento correspondia a cerca de 4% do consumo nacional e a 25%, aproximadamente,
do nordestino, segundo cálculo do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Mas a
capacidade produtiva era subutilizada. No começo daquele ano, 13 usinas estavam
paradas por falta de linhas de transmissão.
Três anos antes, 26 empreendimentos estavam
prontos para produzir energia de fonte eólica, na Bahia, no Ceará e no Rio
Grande do Norte, mas os projetos de linhas de transmissão estavam atrasados. A
produção daquele conjunto de usinas seria suficiente para abastecer 3,3 milhões
de pessoas.
Curiosamente, a parte mais complexa do
trabalho havia sido realizada. Enormes equipamentos para converter vento em
eletricidade haviam sido fabricados, transportados por milhares de quilômetros
e instalados com sucesso. Mas faltou um componente essencial do sistema: torres
e linhas para levar a energia aos consumidores.
Os brasileiros convivem há muito tempo com
esse arremedo de planejamento, sempre com falta de um detalhe essencial. É
parte do dia a dia. Completado o serviço de pavimentação, a companhia de gás ou
de água arrebenta o asfalto, no dia seguinte, para instalar ou arrumar seu
encanamento.
Planejamento ruim, tanto quanto falta de
planejamento, pode causar incômodos injustificáveis, paralisação de atividades,
prejuízos enormes e até perda de vidas. No caso da energia, os danos são
evidentes. Números da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica
(Absolar), reproduzidos pelo Estadão, mostram um desarranjo desastroso. Por
falta de linhas de transmissão, geradoras deixaram de lançar no sistema 33 mil
megawatts/hora (MWH).
Essa perda chegou a 70,8 mil MWH em 2020 e
a 105 mil no período de janeiro a agosto de 2021.
Planejamento, no entanto, foi por muito
tempo atividade essencial na administração pública brasileira. A construção do
conjunto Urubupungá-ilha Solteira, por exemplo, concretizou ideias esboçadas no
governo paulista na segunda metade dos anos 1940.
As obras da usina de Itaipu materializaram
ideias exploradas muitos anos antes pela Comissão Interestadual da Bacia
Paraná-Uruguai e encampadas pelo governo militar. Houve mudanças importantes
entre a concepção original e a execução final desses projetos, mas em todos os
casos predominaram noções de estratégia e de longo prazo, com preocupações
inclusive diplomáticas, quando os planos envolviam, como no caso do Rio Paraná,
recursos partilhados internacionalmente.
Energia foi sempre um item central de
planos de industrialização e de modernização do País. A desindustrialização,
assim como o descompasso entre os programas do setor elétrico, mostra o empobrecimento
da noção de governo e o desgaste, acelerado nos últimos três anos, das funções
administrativas. Não basta falar em “mais Brasil e menos Brasília”. Esse pode
ser um belo objetivo, mas para alcançá-lo o País depende de uma Brasília mais
produtiva e mais competente.
“PL do veneno” ameaça liberar uso de
agrotóxico
Valor Econômico
Flexibilização do registro abre espaço para
substâncias que causam câncer, mutação genética e má formação fetal
Em mais um movimento do governo de Jair
Bolsonaro para desmontar as regras vigentes, com apoio de parcela expressiva do
Legislativo, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto de lei
que flexibiliza o controle e a aprovação de agrotóxicos no país. O projeto
atribui ao Ministério da Agricultura a responsabilidade pelo registro de novos
agrotóxicos e esvazia o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), acabando com o modelo tripartite em vigor, apesar das
implicações diretas desses produtos na saúde da população e no ambiente.
Pouco depois de o governo ter incluído a
proposta na lista de prioridades da agenda legislativa deste ano, publicada
pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, o presidente da Câmara, deputado
Arthur Lira, surpreendeu, levando o tema rapidamente a votação, com apoio da
bancada ruralista. Na análise do texto-base, 301 deputados votaram a favor,
enquanto 150 foram contrários e dois se abstiveram. O projeto volta agora à
apreciação do Senado, onde já havia passado em 2016.
Além de concentrar o registro de novos
agrotóxicos no Ministério da Agricultura, o projeto de lei 6.299/2002, chamado
de “PL do veneno” pela oposição, incumbe a União de criar normas e leis sobre
as atividades relacionadas aos defensivos, e controlar e fiscalizar o setor,
tirando de Estados e municípios a atuação na área. O monitoramento de resíduos
em alimentos será feito em conjunto com o Ministério da Saúde, mas a divulgação
dos resultados ficará a cargo do Ministério da Agricultura. Atualmente, a
Anvisa realiza avaliação periódica de níveis de agrotóxicos em alimentos.
Um dos pontos mais intrigantes do projeto
proíbe agrotóxicos que “apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou
para o meio ambiente", que é definido como “risco considerado
insatisfatório por permanecer inseguro ao ser humano ou ao meio ambiente, mesmo
com a implementação das medidas de gerenciamento dos riscos", sem detalhes
científicos como especifica a legislação atual. Não por coincidência o PL nomeia
os produtos como "pesticidas" uma vez que, segundo o relator, o
deputado Luiz Nishimori (PL-PR), o termo agrotóxico seria
"depreciativo".
O projeto altera a lei 7.802, de 11 de
julho de 1989, que trata desde a pesquisa até a comercialização, os registros e
a fiscalização de agrotóxicos. Ele surgiu em 2002, como proposta do ex-senador
Blairo Maggi. Alguns argumentos equivocados foram usados para defender o
projeto. Um deles é colocar o Brasil em igualdade com as potências agrícolas. A
legislação atual, no entanto, não impediu que o país se tornasse uma dessas
potências, com produtividade crescente, desde os tempos de Blairo Maggi, que já
foi chamado de rei da soja.
Outro argumento falso é que a nova
legislação vai baratear o custo dos defensivos agrícolas, reduzindo a inflação.
No entanto, foi a escalada do câmbio e as dificuldades do comércio
internacional causadas pela pandemia que encareceram os agrotóxicos no ano
passado. Uma nova legislação não resolve essas questões de cunho
macroeconômico. O relator Nishimori ainda se queixa da burocracia, que alonga o
prazo de aprovação dos produtos. Mas isso não precisava de uma nova lei para
ser resolvido. O projeto prevê um registro temporário para novos produtos
destinados a pesquisas e experimentações, que deverão ter análise concluída em
até 30 dias.
A realidade é que, neste século, foram
aprovados 4.551 agrotóxicos, um terço dos quais neste governo, desde 2019. No
ano passado, 550 produtos obtiveram registro, mais do que os 493 do ano
anterior.
A expectativa agora é que o Senado corrija as aberrações do projeto, que tem características anacrônicas em um momento em que o respeito ao meio ambiente sobressai nas demandas da sociedade e nas relações comerciais. Deixar um tema tão sério apenas nas mãos do Ministério da Agricultura não só abre espaço para conflitos de interesse como vai na contramão das práticas do resto do mundo. Análise do projeto feita em 2018 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) critica o desmonte da regulação tríplice, que minimiza a possibilidade de as agências "agirem para atender exclusivamente" aos interesses econômicos do setor regulado”. Os pesquisadores da fundação também se preocupam que a flexibilização do registro abra espaço para substâncias nocivas que causam câncer, mutação genética e má formação fetal.
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