O Globo
A novidade da semana passada foi, via ata
do Copom, a declaração de independência do Banco Central; isso quase ano depois
de formalizada pelo Parlamento — período em que o presidente do BC se sentiu à
vontade para participar de encontros de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes com
empresários e banqueiros.
O Banco Central afinal deixando, em
fevereiro de 2022, de se comportar como secretaria do Ministério da Economia;
Roberto Campos Neto não mais assessor do ministro, não mais aquele que,
convencido pelas palestras de Guedes, aplicaria os discursos motivacionais à
política monetária.
Campos Neto abraçou a tese de que a
pandemia entraria em 2021 desdentada, a recuperação econômica voando, o Brasil
a poder prescindir do auxílio emergencial, o país que surpreenderia o mundo;
daí por que pau na máquina da queda de juros, a inflação sendo produto
circunstancial de cenário já superado — Guedes palestrara.
E Guedes é aquele que palestra, que erra e erra e que nunca tem culpa, seu erro sendo, no máximo, problema de comunicação — como culpa, segundo Guedes, jamais terá Bolsonaro. Lembro a recente entrevista do ministro ao Estadão, mui aborrecido porque os críticos teriam ignorado o impacto da peste sobre a agenda econômica; como se não tivesse sido ele a fazer projeções delirantes que ignoravam a carga da pandemia.
Guedes, aquele que responsabiliza os
outros, explica seu modo renato-gaúcho — “vamos que dá, time!” — de gerir um
superministério que engloba o Planejamento: “Se você não tem uma coalizão
parlamentar, e nós não tínhamos quando chegamos, como vai transmitir alguma
coisa para a equipe?”. Então, taca-lhe trilhão em promessa de privatização —
para animar a tropa. E note-se que a um incauto poderá parecer que a
inexistência de coalizão parlamentar no curso de mais da metade do governo se
dera por resistência de algo ou alguém que não Bolsonaro, eleito com o embuste
antissistema que criminalizava seus hoje sócios.
Guedes sabia onde entrava; e entrou
confortavelmente. Era ativo eleitoral não ter apoio legislativo. Bolsonaro —
quase 30 anos mamando nas bordas do Centrão — a ser chefe de um governo que
tocaria sua agenda articulando bancadas temáticas no Congresso. O ministro
propalou essa impostura. Aí está. Estão: Ciro Nogueira, Arthur Lira e Valdemar
Costa Neto. A conta só ficou mais cara.
Guedes é aquele que responsabiliza os
outros. Entregou a reforma administrativa para o Executivo analisar. O
Executivo sentou sobre o troço. E, de repente, nas palavras do ministro, o
Executivo será ente alienígena que não também ele próprio; que não Bolsonaro,
líder corporativista que ergueu empresa familiar dentro do Estado — aquele que
boicotou essa reforma pessoalmente. Mas a culpa é dos outros. De Onyx, de
Marinho... Como se houvesse algum fogo amigo mais pesado contra o ministro, dentro
do governo, que o do próprio presidente.
Guedes é aquele que culpa os outros —
inclusive, claro, o Banco Central. Campos Neto foi muito responsabilizado antes
de responder. Respondeu: erros cometidos pelo BC à parte, fica limitadíssima
sua margem de ação — margem comida progressivamente pela instabilidade
institucional gerada por Bolsonaro — quando o equilíbrio fiscal vai
sacrificado, com o aval do Ministério da Economia, por agenda eleitoral que
destroça a Lei de Responsabilidade Fiscal e saqueia o Orçamento.
É isto que “atrapalha o tempo inteiro”,
Guedes: a forma — para o choque — como Bolsonaro compreende a atividade
política, o que gera imprevisibilidade permanente, chão avesso a qualquer
reforma estrutural e favorável ao dólar valorizado, ao que se somará governo
cujo norte único é a reeleição; “falsa narrativa”, ministro, sendo a de
desqualificação constante da vacinação, a única maneira orgânica de reativar a
economia.
Essa independência do Banco Central,
declarada em ata, é produto tardio — não da descoberta conceitual de que a
zorra fiscal de Bolsonaro e outros liras consiste na principal concorrente para
o descontrole inflacionário — da percepção pessoal de que, qualquer que seja o
próximo governo, tempestade já contratada e podendo ser ainda maior, Campos
Neto estará lá para encaixotar a onda. Tem mandato para além de 22. E, pois, um
bom período sob a maré da PEC dos Precatórios e da tal dos Combustíveis. Não se
emenda a Constituição, não como ora se faz, sucessão de puxadinhos para fins
oportunistas imediatos, impunemente.
O jogo de Guedes pela reeleição de
Bolsonaro é uma obviedade; e de súbito fica parecendo que a desoneração apenas
do diesel, com menor impacto na arrecadação, não seria movimento para acarinhar
caminhoneiros no ano eleitoral.
Guedes também se vale do bode na sala,
qualquer proposta sendo defensável ante o projeto que o Planalto estimula no
Senado. É tudo tão previsível... Governo empurra a PEC do Senado ao mesmo tempo
que a chama de Kamikaze; de modo que até a proposta de Ciro Nogueira, por meio
da Câmara, parecerá equilibrada. Diante da bomba fiscal de R$ 100 bilhões, uma
de R$ 50 bilhões será mal menor. Certo?
E então, sob “enorme senso de compromisso
com 200 milhões de brasileiros”, Guedes poderá dizer que está lá para isto, para
evitar a solução pior, um injustiçado a serviço de tornar Bolsonaro competitivo
por meio de conjunto de esculachos fiscais só não maior porque ele segurou.
Obrigado.
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Tá!
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