quarta-feira, 15 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bolsonaro faz mais investidas contra urnas eletrônicas

Valor Econômico

O ponto é que só Bolsonaro julga que falta transparência a um processo eleitoral limpo e rápido, elogiado em todo o mundo

Jair Bolsonaro nunca teve problemas com as urnas, só depois de obter o maior trunfo de sua carreira política e chegar à Presidência da República. A atual aversão motivada, que inspira uma campanha com potenciais consequências perturbadoras, é tanto maior quanto mais o presidente suspeita que as pesquisas eleitorais possam estar falando a verdade e ele será derrotado em outubro. O presidente de antemão não aceita o veredito das urnas, que não julga confiáveis, e quer permanecer no poder. Em um regime democrático, isso não é possível.

O temor de ter de abandonar o Palácio do Planalto, e depois se envolver em um turbilhão judicial que pode lhe ser desfavorável, alimenta a imaginação paranóica do presidente. Com o Executivo na mão e o Legislativo na retaguarda, há uma instituição que pode frustrar seus desejos: o Judiciário. Bolsonaro afirma que o anterior, o atual e o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral - Luís Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes - estão empenhados em eleger seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva. Fachin por um motivo especial: seria “marxista-leninista”.

Mas a trajetória de Bolsonaro em direção a causar um grande tumulto nas eleições nada tem de subjetivo. Ele dá sempre novos passos nessa direção. O ministro Barroso convidou as Forças Armadas a fazerem parte do Comitê de Transparência das Eleições, que logo foi utilizada pelo comando militar para enviar uma saraivada de 88 questões sobre tudo que poderia dar errado nas urnas eletrônicas - mas nunca deu -, várias delas na linha das suspeitas do presidente, como a da existência da “sala secreta” em que Bolsonaro acha que as eleições são de fato decididas. Em reunião com empresários, em 13 de maio, Bolsonaro disse que os militares apontaram “mais de 600 vulnerabilidades” nos aparelhos de votação. Já havia também ameaçado virar a mesa se não fosse possível auditá-los.

Para isso, o presidente convenceu o comandante de seu atual partido, o PL, Valdemar Costa Neto, que cumpriu pena de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a contratar uma empresa que se submeta ao aval do TSE para essa missão, o Instituto Voto Legal, criado em 2021, portanto sem experiência nessa missão. Carlos Rocha, presidente do Voto Legal, em entrevista, chegou à sugestiva conclusão sobre maracutaias com as urnas eletrônicas, implantadas desde 1996: “Não dá para afirmar nem que houve fraude nem que não houve porque não existem auditores independentes para afirmar isso”. Não deixa de ser excêntrico - mais de duas décadas se passaram e ninguém reclamou.

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, ex-comandante do Exército, tem se mostrado plenamente alinhado aos desígnios de Bolsonaro, como ocorreu em ofício por ele enviado ao ministro Edson Fachin na semana passada. Oliveira usa a mesma cantilena, ao defender auditoria para “melhorar a transparência do processo” que, por sinal, nunca foi contestado, nem mesmo pelos militares. Desde que as urnas eletrônicas foram implantadas, as Forças Armadas jamais colocaram em dúvida o sistema, como revela levantamento da Folha de S. Paulo (13-6).

O ministro da Defesa escreveu que “até o momento as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas”, como se tivessem algum motivo para isso em relação aos demais participantes da Comissão. Todos seus questionamentos foram respondidos, mas Oliveira vai além das funções que competem aos militares. Segundo ele, os militares querem “assegurar que o processo eleitoral tenha a máxima segurança, transparência e confiabilidade”, prosseguiu, “e possa ser “auditável em todas as suas fases”. A Constituição não tem uma palavra sobre essas “missões” ou desejos. O fecho intimidatório da peça do ministro veio com a frase: “Eleições transparentes são questão de soberania nacional”.

O ponto é que só Bolsonaro, e, pelo visto, o comando militar com ele, julga que falta transparência a um processo eleitoral limpo e rápido, elogiado em todo o mundo. Bolsonaro, defensor da ditadura, não liga muito para isso, a menos quando sente a possibilidade de perder uma eleição. Os militares não têm expertise aproveitável para exigir transparência nas eleições, porque quando estiveram por duas décadas no poder proibiram que os brasileiros votassem para escolher seu presidente. Agora parecem dar apoio a um presidente da República que não tem intenção de entregar a faixa a seu sucessor em uma competição limpa.

Pressão sobre o juro

Folha de S. Paulo

Risco fiscal com intervenção no ICMS dificulta combate à inflação no longo prazo

Preços de combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte urbano devem baixar ou passar por reajustes menores nos próximos meses. É difícil estimar o efeito das medidas do governo Jair Bolsonaro (PL) e do Congresso na conta que chegará ao consumidor.

É certo, porém, que o pacote eleitoral terá impacto nas contas públicas, na inflação futura e na taxa de juros. O Banco Central e a próxima administração terão problemas ainda maiores para gerir.

Não por acaso, discute-se no mercado financeiro se o Comitê de Política Monetária do BC —que deve anunciar nesta quarta (15) nova alta da taxa Selic, hoje em 12,75% anuais— fará um alerta sobre o aumento do risco fiscal, isto é, da probabilidade de que desequilíbrios orçamentários forcem juros mais elevados e por mais tempo.

O projeto que implica a redução de alíquotas do ICMS e estipula compensações federais para os estados passou no Senado e retornou para a ratificação pela Câmara dos Deputados. Afora embaraços judiciais, deve entrar em vigor e provocar baixas transitórias e permanentes de receitas.

Além do mais, a desoneração tributária aumenta a renda disponível de consumidores, o que pressiona a demanda e os preços.

Tudo o mais constante, a dívida pública tende a subir, outro fator de alta das taxas de juros. E os problemas não param por aí.

O projeto que baixa o ICMS sobre combustíveis, eletricidade, comunicação e transporte urbano também suspende, para seus fins, parte de leis fiscais e orçamentárias, aquelas que exigem compensações para perdas de receita e punições para quem promove buracos na contabilidade pública.

No ano passado, uma canetada na Constituição já ampliara o teto de gastos, minando a credibilidade da política econômica —e dificultando o controle da inflação.

O recém-divulgado IPCA de maio foi menor devido ao fim da cobrança da bandeira tarifária de escassez de eletricidade. No mais, o indicador apontava carestia ainda preocupante, com altas muito disseminadas de preços.

Parte dos descontos de impostos vencerá no final deste ano. Haverá, então, nova rodada de reajustes de preços —ou, quem sabe, novos improvisos tributários a desorganizar mais a economia e o Orçamento.

A expectativa de que a inflação fique próxima da meta oficial de 3,25% em 2023 perde força. Nesse cenário, ou o BC eleva os juros além do nível de 13,25%, para onde devem ir nesta quarta, ou os mantém elevados por mais tempo, até meados do próximo ano.

Como o país já deveria ter aprendido, o populismo fiscal, de esquerda ou de direita, sempre gera custos elevados mais à frente.

Amazônia poluente

Folha de S. Paulo

Desmatamento e pecuária são a contribuição singular do Brasil à crise climática

Quando se consideram os países que mais emitem gases-estufa no mundo, o caso do Brasil é singular. Por aqui as principais fontes de poluição climática não provêm, como é usual nas maiores economias, de atividades industriais e da queima de combustíveis fósseis, mas do desmatamento e da pecuária.

Daí não ser exatamente uma surpresa que a lista das cidades brasileiras que mais contribuem para o aquecimento global destaque a região amazônica, como mostrou a nova edição do Sistema de

Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, iniciativa do consórcio de organizações não governamentais Observatório do Clima.

Nesse ranking inglório, o primeiro lugar cabe ao município de Altamira (PA) —e, das 10 cidades que mais poluem, nada menos que outras 7 estão na Amazônia.

São, pela ordem, São Félix do Xingu (PA), Porto Velho (RO), Lábrea (AM), Pacajá (PA), Novo Progresso (PA), Colniza (MT) e Apuí (AM). Completam a lista, em quinto e oitavo, respectivamente, as metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro.

De acordo com o estudo, Altamira emitiu em 2019 35,2 MtCO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, uma medida que unifica os gases-estufa). Fosse um país, o município mais extenso do Brasil (159,5 mil km²), mas com apenas 117 mil habitantes, seria o 108º do mundo em emissões, à frente de Suécia e Noruega.

As duas cidades mais emissoras são também aquelas em que mais se desmata. Em 2019, Altamira registrou 575 km² de perda florestal, segundo dados do Inpe. Em São Félix do Xingu encontra-se, ademais, o maior rebanho bovino do Brasil.

A floresta tombada libera na atmosfera todo o carbono armazenado na madeira, nas folhas e nas raízes quando é queimada ou apodrece sobre o solo. Já a atividade pecuária, além de relevante indutor do desmatamento, libera, por meio da digestão dos ruminantes, o metano, um dos gases que mais potencializam o efeito estufa.

A característica predatória de boa parte das emissões nacionais ao menos confere ao país uma vantagem comparativa no inadiável esforço mundial de reduzir o aquecimento. Basta controlar o desmatamento e recuperar as pastagens degradadas para que nossa contribuição à crise climática despenque.

Mas, como sabem até —ou sobretudo— as árvores da Amazônia, não será sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) que o país verá esse ciclo virtuoso acontecer.

Não há liberdade sem Justiça independente

O Estado de S. Paulo

A proposta do Centrão para autorizar o Congresso a rever decisões do STF viola a separação dos Poderes e agride a democracia. Por isso, não pode prosperar

O Estadão revelou que lideranças do Centrão estudam apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conferindo a deputados e senadores o poder de anular decisões não unânimes do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é atribuir ao Congresso uma nova função, a de revisor do Supremo.

A proposta é um atentado contra o Estado Democrático de Direito, violando frontalmente uma das cláusulas pétreas da Constituição. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes”, diz o texto constitucional. Não cabe ao Legislativo revogar, seja por que motivo for, decisão do Judiciário. E a razão é cristalina: a aplicação da Constituição e das leis não é uma questão política, decidida por maiorias parlamentares. Trata-se de um dos cernes da teoria da separação dos Poderes, que configura e estrutura todo o Estado. O que os líderes do Centrão estão debatendo afronta de forma radical o regime democrático, extinguindo de uma só vez a independência e a autonomia do Judiciário. É estrito golpe antiliberal.

O documento do Centrão, a que o Estadão teve acesso, tem poucas chances de prosperar. Além de o conteúdo da proposta ser inconstitucional, o Legislativo não tem poderes para propor uma tal mudança, transformando o Judiciário em um subpoder. De toda forma, é sintomático da confusão dos tempos atuais que lideranças parlamentares aventem a ideia de uma capitis diminutio da Justiça. A ideia é completamente estapafúrdia, mas – eis um dos grandes desafios dos dias de hoje – parte da população considera justificada e legítima a perda de independência do Judiciário.

Uma coisa é discordar de decisões judiciais, fazendo as críticas que cada um julgue pertinentes. No entanto, tem havido no Brasil coisa muito diferente. Assim como ocorreu na Venezuela com Hugo Chávez e vem ocorrendo em outros países com governos populistas antiliberais, observa-se uma campanha de enfrentamento e desmoralização da Corte constitucional, com o declarado objetivo de sujeitar o Judiciário aos outros dois Poderes. E, infelizmente não é nenhuma surpresa, essa campanha de retrocesso institucional e civilizatório tem conquistado muitos corações. Basta ver que Jair Bolsonaro, quando promete descumprir decisões judiciais – esse é o patamar das promessas do presidente da República –, recebe aplausos do público.

Não há democracia sem Poder Judiciário independente. Não há liberdade sem Poder Judiciário independente. Isso não significa que a Justiça não erre ou que o STF dê sempre a melhor aplicação do texto constitucional. Há muitos desacertos por parte do Supremo, com decisões que causam danos, geram insegurança e produzem não pequena perplexidade. Com frequência, neste espaço, criticamos com contundência muitas interpretações da Constituição feitas por ministros do STF. Nada disso, no entanto, significa que se deva interferir na independência do Judiciário, alçando o Congresso à condição de revisor do STF.

A defesa do Judiciário não representa nenhum tratamento especial em relação aos outros dois Poderes. Reconhecer o equívoco frequente de tantas decisões do Legislativo não autoriza pleitear o fechamento do Congresso ou a redução de sua independência. O mesmo ocorre com o Executivo. Por mais que alguém discorde do presidente da República, tal oposição não legitima privá-lo das competências presidenciais previstas no art. 84 da Constituição.

Em vez de instituir a tutela do Judiciário pelo Legislativo, cabe ao Congresso cumprir suas atribuições constitucionais em relação ao Supremo. Nenhum ministro do STF assumiu o cargo sem a aprovação dos senadores. Se há uma insatisfação com a atuação da Corte constitucional, ao contrário de pleitear um atentado contra a separação dos Poderes, cabe exigir do Senado a realização, com a devida seriedade, da sabatina dos nomes indicados pelo presidente da República para compor o STF.

Não se faz uma República com omissões ou golpes. Faz-se com respeito à lei e cumprimento dos respectivos deveres institucionais. 

O presidente que calculava

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro diz que ele mesmo fez as contas e anuncia queda de R$ 2 na gasolina por conta da redução do ICMS; se não cair, já sabe a quem atribuir a culpa

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que, com o teto para a cobrança do ICMS aprovado pelo Congresso, o preço do litro da gasolina no posto cairá R$ 2 e o do diesel diminuirá R$ 1 tem um significado revelador. “Eu mesmo fiz a conta”, garantiu. De repente, o País descobre um presidente que conhece todos os componentes dos custos dos combustíveis e sabe determinar quanto cairá o preço caso este ou aquele item sofra tal ou qual alteração, coisa que ninguém no mercado hoje é capaz de estimar com tamanha precisão. 

A única aritmética que Bolsonaro domina como poucos no País, no entanto, é a eleitoral. O presidente está obcecado com a alta dos combustíveis – determinada não pela tributação, mas pelas oscilações da cotação do petróleo no mercado internacional – porque é um dos principais fatores a impulsionar uma inflação que se tornou a principal ameaça à sua reeleição. Muito mais do que o sofrimento da população, é sua recondução ao cargo que o preocupa. Em sua luta obstinada, e até agora infrutífera, para reduzir o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, Bolsonaro ganhou no Congresso aliados igualmente preocupados com as urnas.

Assim, também o Senado aprovou o projeto de lei complementar que estabelece alíquota máxima de 17% para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens considerados essenciais, como combustíveis, energia, telecomunicações e transporte coletivo. O projeto já tinha sido aprovado pela Câmara, mas, como sofreu alterações em sua tramitação no Senado, será reexaminado pelos deputados.

O ICMS é o principal tributo estadual, e entre alguns dos itens que terão sua alíquota limitada estão os que proporcionam as maiores receitas para os governos estaduais. Por isso, a proposta aprovada pelo Congresso vinha sofrendo grande resistência de governadores e secretários estaduais de Fazenda. Mesmo assim, esse vendaval de interesses eleitorais em que Bolsonaro transformou a questão dos preços dos combustíveis parece ter arrastado todos, até o Senado, cujo papel constitucional é o de representar os Estados e o Distrito Federal para assegurar o equilíbrio federativo.

É do interesse do crescimento econômico, reconheça-se, a redução da tributação excessiva que incide sobre insumos essenciais, sobretudo a energia elétrica. Em alguns Estados, na prática da cobrança chamada “por dentro”, em que o tributo incide sobre si mesmo, a alíquota real sobre energia pode chegar a 34%, embora nominalmente não passe de 27%. Desse modo, a energia pode representar mais de um terço do preço final de produtos essenciais, como o pãozinho. A incidência do ICMS é muito alta também sobre combustíveis.

São dados que necessariamente devem fazer parte de qualquer estudo ou proposta de reforma do sistema tributário. Mas não é com a modernização da economia que o presidente está preocupado quando ataca a tributação estadual sobre combustíveis. Quer apenas ganhar popularidade com sua luta contra a alta da gasolina.

Como em outras ocasiões, Bolsonaro transferiu responsabilidades. Já culpou a Petrobras pela “insensibilidade” de sua política de preços baseada no comportamento do mercado mundial de petróleo e derivados. Também “insensíveis” são os governadores que não reduziram por iniciativa própria o ICMS dos combustíveis, e agora serão obrigados a fazê-lo por lei.

Mas a redução do ICMS terá implicações pesadas. Os governadores falam em perdas de receita de mais de R$ 100 bilhões. Qualquer que seja o montante, a queda de arrecadação afetará a capacidade financeira dos Estados e dos municípios para executar seus programas em áreas vitais para a população, como saúde, segurança e educação. Para o governo federal, o impacto fiscal só neste ano está estimado em R$ 46,4 bilhões.

Já o efeito sobre o preço da gasolina poderá não ser nada do que foi calculado com precisão por Bolsonaro. Mas, se não for, ele já sabe o que fará: dirá que a culpa é do dono do posto, do governador ou de qualquer um, nunca dele. 

O Brasil diante do quadro externo ruim

O Estado de S. Paulo

Enfraquecimento da economia global pode ser problema adicional para um país com alta inflação e pouco dinamismo

Já afetado por graves desajustes internos, o Brasil enfrenta um cenário internacional de insegurança, com as grandes economias perdendo impulso num ambiente de inflação elevada, juros em alta e comércio ainda contaminado pelos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Na maior economia do mundo, a americana, onde os preços ao consumidor subiram 1% em maio e 8,6% em 12 meses, o risco de uma recessão já está nas contas do mercado. O ritmo da atividade vai depender do aperto monetário imposto pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, para deter a onda inflacionária.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já se referiu às condições externas para fanfarronear sobre a recuperação econômica do Brasil. Os brasileiros poderão ter algum ganho se ele deixar suas fantasias e pensar em como garantir algum crescimento neste ano difícil.

Na maior parte do mundo a atividade já se enfraqueceu no primeiro trimestre. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) do Grupo dos 20 (G-20) foi 0,7% maior que o dos três meses anteriores, quando havia crescido 1,3%. O Brasil avançou 1% no período de janeiro a março, com desempenho melhor que o da maior parte dos países desse conjunto. Mas o padrão brasileiro tem sido bem mais modesto há vários anos, notadamente nos três e meio do atual mandato presidencial.

A comparação do primeiro trimestre de 2022 com o último de 2019, anterior à pandemia, mostra um crescimento acumulado de 1,6% para o Brasil. Para o conjunto do G-20, a expansão nesse período foi de 4,8%. Essa média inclui 15,9% para a Turquia, 8,3% para a China, 5,9% para a Índia, 5,4% para a Arábia Saudita, 4,5% para a Austrália e 3,9% para a Coreia do Sul.

Esse quadro é compatível com o padrão observado a partir do mandato da presidente Dilma Rousseff, marcado pela recessão em 2015-2016, pela explosão inflacionária e pelo enorme desarranjo das contas públicas. A partir desse mandato o crescimento anual médio da economia brasileira foi pouco superior a 1%.

Para os próximos seis a nove meses as perspectivas são desfavoráveis. Os chamados indicadores antecedentes – como encomendas, expectativas empresariais e investimentos – sugerem perda de impulso no conjunto dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para os Estados Unidos estima-se crescimento estável, mas a partir de um resultado fraco nos primeiros meses do ano. Essa avaliação é mais favorável que a de boa parte do mercado financeiro. As expectativas também são de menor expansão em grandes economias externas ao grupo, como a China. Para o Brasil, a avaliação é de crescimento mais lento.

No mercado brasileiro, as projeções têm convergido para 1,5%, uma taxa muito modesta para uma grande economia emergente. Com inflação ainda elevada, a terapia dos juros altos deve ser mantida por muitos meses, dificultando a expansão dos negócios. Enquanto isso, o ministro da Economia se concentra em limitar os possíveis danos fiscais produzidos por medidas eleitoreiras.  

Ativismo do STF representa risco preocupante

O Globo

Afirmar que o governo Jair Bolsonaro representa riscos à democracia se tornou lugar-comum. A campanha contra as urnas eletrônicas e o Judiciário, a apologia da ditadura, os elogios a torturadores transformaram Bolsonaro na nêmesis de democratas mundo afora. Outro risco para nossa democracia, porém, tem passado despercebido. É mais insidioso e permanecerá entre nós mesmo que ele perca a eleição e transfira o poder ao sucessor. Trata-se da politização do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte, que deveria manter-se equidistante e alheia às paixões, parece a cada dia mais contaminada pelo noticiário, como se devesse prestar contas à opinião pública, não à lei ou à Constituição.

O ministro Luís Roberto Barroso deu até prazo para o governo tomar providências nas buscas do indigenista e do jornalista desaparecidos na Amazônia, como se isso tivesse algum poder de acelerá-las — ou algum cabimento. O ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se esforça para desvencilhar-se da desavença insólita que ele próprio alimentou com os militares em torno das urnas eletrônicas. E o ministro Gilmar Mendes teve nesta semana de reafirmar o óbvio, dizendo que o Supremo não é “partido de oposição ao governo”. Não é mesmo, nem jamais deveria ser.

A impressão que tem transmitido, contudo, é a oposta. Não é de hoje que o STF invade competências de outros Poderes. “Tenho a impressão de que, qualitativamente, o STF brasileiro, ao lado dos tribunais constitucionais colombiano e sul-africano, está entre os mais ativistas do mundo”, diz o jurista Gustavo Binenbojm. Mesmo que, na maioria dos casos, o Supremo mantenha seu papel de tribunal constitucional e última instância do Judiciário, nos poucos em que se arroga missão que o extrapola, dá argumento aos bolsonaristas e aos que promovem campanhas infames e despiciendas contra a Corte.

Nas palavras de um constitucionalista: “Conflito entre Poderes sempre vai existir, mas é difícil achar racionalidade em certas decisões”. Para citar exemplos, nem é preciso recorrer a casos rumorosos, em que o tribunal assumiu papel nitidamente político, como os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, a prisão do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) ou os esforços por disciplinar as redes sociais. As decisões contaminadas pelo ativismo podem ser as mais corretas e proteger direitos essenciais, mas isso não impede que abram precedentes perigosos.

Quando o Supremo tornou a homofobia e a transfobia crimes, formulou, sem aval do Legislativo, um tipo penal por analogia — um absurdo, pois o Direito Penal é literal. Quando equiparou os crimes de racismo e injúria racial, alterou definições de leis aprovadas no Congresso. Quando determinou condições para operações policiais nas favelas cariocas, invadiu competência do Executivo fluminense e determinou uma política pública. Nada disso estava errado em si. Mas criou-se um caminho para arbítrios futuros.

Noutras situações, o STF soube agir com comedimento. Ficou anos sem tomar decisão sobre o Fundo Garantidor de Créditos para não invadir competência do Legislativo. No caso da reeleição para as presidências da Câmara e do Senado, apenas mandou cumprir o que estava na Constituição. Casos assim mostram que os ministros têm plena noção da atitude exigida de juízes que concentram tanto poder. Precisam ter a sabedoria de mantê-la.

Trocas sucessivas na coordenação do PNI expõem descaso com vacinação

O Globo

O pouco-caso do governo com o outrora respeitado Programa Nacional de Imunizações (PNI) fica evidente quando se constata a rotatividade no comando do órgão, que tem a importante missão de elaborar as políticas públicas voltadas à vacinação dos brasileiros. Desde que Marcelo Queiroga assumiu o Ministério da Saúde, em março do ano passado, o PNI já teve quatro coordenadores — média de três meses e meio no cargo.

Sob responsabilidade do PNI, por décadas referência mundial, estão a coordenação da distribuição de vacinas a estados e municípios, o desenvolvimento de campanhas de imunização para diversas doenças e o estabelecimento de normas (que vacinas devem ser aplicadas, em que período e quem está apto a tomá-las). Tarefas que, obviamente, são afetadas pelo troca-troca.

Reportagem do GLOBO mostrou que a rotatividade acarreta prejuízos como a perda de memória da gestão do órgão e falhas na interlocução com as secretarias estaduais e municipais, fundamental para o bom funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Historicamente, não são comuns tantas trocas. A epidemiologista Carla Domingues esteve à frente do programa de 2011 a 2019, passando pelos governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro (início).

O desinteresse do governo pelo PNI é tal que o programa ficou sem titular entre junho do ano passado, quando a enfermeira Francieli Fantinato pediu exoneração (ela disse na CPI da Covid que estava insatisfeita com a politização da vacinação), e outubro, quando foi nomeado para o cargo o pediatra Ricardo Gurgel. Mas ele nem assumiu. Foi desconvidado, provavelmente por ter feito críticas ao governo. Somente em janeiro foi nomeada a farmacêutica Samara Carneiro, que ficou apenas três meses. Foi sucedida por Adriana Lucena, atual titular.

Outra demonstração do esvaziamento do PNI é a vacinação contra o novo coronavírus estar a cargo da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid).

Até parece que as campanhas de imunização no Brasil vão bem. Os baixíssimos índices de cobertura, especialmente na vacinação infantil, são uma preocupação das autoridades sanitárias nos três níveis de poder, pelo risco de ressuscitar doenças erradicadas, como a poliomielite. O governo não ajuda, seja pela falta de campanhas para informar e estimular a população a ir aos postos, seja pelos inaceitáveis ataques do presidente Bolsonaro às vacinas.

Não se podem atribuir os baixos índices de imunização exclusivamente à gestão claudicante do PNI no governo Bolsonaro. Sabe-se que são influenciados por movimentos antivacina, por problemas de logística (como mostrou pesquisa encomendada pelo próprio Ministério da Saúde), pela hesitação da população etc. Mas sem dúvida o desafio de recuperar a cobertura vacinal e proteger a população de doenças é ainda mais complexo com o PNI à deriva.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Se Bolsonaro estivesse na frente nas pesquisas não estaria questionando a lisura das urnas eletrônicas,simples assim.