quarta-feira, 15 de junho de 2022

Lu Aiko Otta: Por sua conta e risco

Valor Econômico

Com menos emprego, MEIs já somam 70% das empresas no país

Há algo errado num país em que 70% das empresas não são empresas, mas pessoas. É o que acontece no Brasil às vésperas de mais uma eleição.

Dados divulgados este mês pelo Ministério da Economia mostram que existem 19,4 milhões de empresas ativas no Brasil. Dessas, 13,5 milhões são individuais.

Aí estão os trabalhadores “pejotizados”. Mas a parcela majoritária são microempreendedores individuais (MEIs). Esses chegam a 11,1 milhões.

O professor Sergio Firpo, do Insper, enxerga alguns movimentos por trás desse grande número de MEIs no país.

Uma explicação está na reforma trabalhista de 2017. A partir dela, as empresas ganharam mais segurança jurídica para contratar serviços terceirizados. Isso explica em parte o crescimento na abertura de novas empresas individuais. A pandemia acelerou esse processo, especialmente na área digital.

Há também uma explicação tributária. Trabalhadores individuais podem, por opção, constituir empresa para pagar menos tributos. Ou pessoas podem ter sido pressionadas a se tornar “pejota” para seu empregador virar um contratante e pagar menos encargos e impostos.

Outra causa para o aumento do número de MEIs é o “desemprego brutal”, aponta Firpo. Demitidas e sem conseguir nova colocação, pessoas vão para a informalidade ou criam uma empresa individual para ter, ao menos, alguma proteção previdenciária.

Dos 96,5 milhões de pessoas ocupadas do país, 38,7 milhões são informais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de abril.

Como informais ou MEIs, esses cidadãos estão mais expostos às variações do ciclo econômico, observa o professor. Empregados com carteira só são demitidos se há uma recessão brutal, ou se a empresa ou setor onde trabalham passa por uma crise muito aguda. Já os informais veem sua renda oscilar por muito menos. Foi o que aconteceu na pandemia: os formais trabalharam de casa. O pipoqueiro que ficava na frente da escola perdeu sua fonte de renda.

É perverso que o risco recaia justamente sobre quem está menos preparado para enfrentá-lo.

O rendimento volátil dificulta aos informais e MEIs obter crédito. O sobe e desce da renda também afeta a capacidade de o trabalhador consumir de maneira contínua e previsível. Ou seja, afeta seu bem-estar.

De origem sindical, o deputado Vicentinho (PT-SP) vê com preocupação a “maldita troca” dos empregos formais, com direitos assegurados, por outras formas de trabalho que considera precarizadas. Ele colhe assinaturas para constituir uma frente parlamentar do emprego informal.

Mas, reconhece, não são todos os trabalhadores que desejam a proteção da quase octogenária Consolidação das Leis do Trabalho.

Os motoristas de aplicativos de veículos que atuam em São Paulo com quem o deputado dialogou, por exemplo, não buscam vínculo trabalhista com as plataformas. Em diálogo com eles, o deputado elaborou um projeto de lei para regular o trabalho que trata de outras questões, como dar aos motoristas mais liberdade na definição de trajetos e preços. Eles também querem constituir um sindicato.

O empreendedorismo por necessidade, que cresceu durante a pandemia, está desacelerando na margem, nota o economista da XP Rodolfo Margato. É reflexo do crescimento econômico que está em curso. A corretora banco estima que a taxa de desemprego chegará a 9,5% ao fim deste ano.

É, porém, uma melhora conjuntural, avalia o economista. A geração forte de empregos formais e informais vista no de janeiro a abril deve desacelerar ao final do ano, por efeito da alta de juros. Uma certa estagnação no crescimento do mercado de trabalho deverá ser vista ao longo de 2023.

Desemprego de um dígito é um feito notável, principalmente levando-se em conta que estamos na ressaca da pandemia e que há uma guerra no centro da Europa. Daqui para o fim do ano, será atingido outro marco importante: o estoque de empregos formais vai bater recorde histórico.

Há alguns elementos que explicam por que, apesar desses números positivos, a percepção sobre o emprego e a renda no país não é tão positiva.

O primeiro é o alto índice de informalidade, na casa dos 40%. Isso é uma evidência da fragilidade do mercado de trabalho, observa Margato.

Outro sinal de que as coisas não estão maravilhosas é a renda média do trabalhador, que vem em queda. Encontra-se hoje 7% menor do que antes da pandemia. O poder de compra do trabalhador se enfraquece.

Olhando para os lados e para frente, a perspectiva tampouco é boa, avalia Firpo. O ano eleitoral traz incerteza aos empresários e isso afeta a capacidade de gerar empregos.

A economia ainda passa por um momento de forte perda na atividade econômica que, avalia o professor, só não foi pior por causa do Auxílio Emergencial. Está em curso, ainda, um processo inflacionário, de juros elevados e de risco de recessão.

Uma transformação estrutural no mercado de trabalho dependeria de uma queda consistente na informalidade, aponta o economista. Precisaria também que a trajetória da qualificação média estivesse em alta.

Em 2018, o Banco Mundial publicou um relatório no qual alertava que metade - metade! - da juventude brasileira não terá acesso a bons empregos. Seguirá pobre.

Eram na época 25 milhões de jovens, dos quais 11 milhões eram os chamados nem-nem (nem estudam nem trabalham). Além desses, estavam na conta os que trabalhavam, mas na informalidade.

O dado agregava ainda os jovens que estudavam, mas não aprendiam o suficiente para ter uma chance de melhorar seu nível de renda. Veio a pandemia, e essa geração perdeu dois anos de aprendizado.

Não deveria ser esse o centro da agenda?

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A pandemia atrasou dois anos os estudos,meu segundo grau eu concluí com 17 anos,hoje o ensino médio será concluído aos 19.