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Bolsonaro sozinho com seu golpismo
O Estado de S. Paulo
Nenhum partido político, como nenhuma entidade relevante da sociedade civil, apoia a investida de Bolsonaro contra as eleições. O golpismo bolsonarista não é força, e sim fraqueza
Eis um fato constante ao longo de todo o
governo. As instituições não conseguiram moderar Jair Bolsonaro. Para piorar,
seu destempero fica ainda mais estridente no período prévio às eleições. Tem-se
um presidente da República rigorosamente sem limites. Mas, se o mundo
político-institucional não conseguiu conter Jair Bolsonaro, é também um fato o
fracasso do bolsonarismo em arrastar o mundo político-institucional para seus
devaneios.
É inegável que Jair Bolsonaro tem
seguidores. No entanto, mesmo tendo conquistado a confiança de parcela da
população, ele continua inteiramente isolado em relação à sua bandeira atual
mais importante, contra as eleições e a Justiça Eleitoral. Não há nenhum
partido ou organização da sociedade civil, como também não há nenhuma liderança
política ou civil, que apoie sua campanha contra a integridade eleitoral.
Apesar de todo o discurso bolsonarista, a sociedade não está dividida quanto a
isso.
Tanto é assim que mesmo os aliados do governo – aqueles para os quais o governo Bolsonaro vem entregando generosos nacos do orçamento federal – se colocam bem distantes do presidente da República quando o assunto são as urnas eletrônicas. Consideram o tema encerrado desde que o Congresso rejeitou, no ano passado, a PEC do Voto Impresso. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que, diante das inúmeras denúncias de crimes de responsabilidade, muito contribuíram para a permanência de Jair Bolsonaro no cargo, são taxativos em rejeitar qualquer suspeita contra o sistema eleitoral. Até o pré-candidato bolsonarista ao governo do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), admitiu, em entrevista na TV Cultura: “Eu acredito nas urnas”.
Se o isolamento de Jair Bolsonaro já era
visível, ficou especialmente notório após envolver os Ministérios da Defesa e
da Justiça em sua tentativa de controlar as eleições, aventando a realização de
uma contagem paralela de votos pelas Forças Armadas. O País tem muitos
defeitos, mas ninguém – nenhuma liderança ou entidade relevante – manifestou
apoio a essas investidas ilegais contra o sistema eleitoral. O que se tem visto
é, cada vez com maior frequência, declarações contundentes de apoio ao Estado
Democrático de Direito, à independência do Poder Judiciário e à integridade
eleitoral, como a que fez o presidente da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, em recente reunião da entidade. “Esta
casa está ao lado do fortalecimento das instituições e do Judiciário”, disse o
presidente da Fiesp.
O recado das lideranças políticas e civis é
claro: ninguém quer rompimento da ordem democrática, ninguém quer bagunça nas
eleições, ninguém quer candidato rejeitando, seja antes ou depois das eleições,
o resultado das urnas a ser anunciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A
vontade do eleitor é soberana e será respeitada.
No isolamento de Jair Bolsonaro em sua
campanha contra as eleições, há um ponto que merece destaque. Os partidos
políticos têm experiência com a Justiça Eleitoral. Sabem que, por mais que haja
deficiências e atrasos, o TSE aplica a legislação relativa às eleições. O
pleito não é um mundo sem lei, como gostaria Jair Bolsonaro. O candidato que
comete crime eleitoral não toma posse ou, se toma, tem depois seu mandato cassado.
Ou seja, ninguém deseja pôr em risco sua candidatura embarcando na tresloucada
investida bolsonarista contra as eleições.
É preciso, ainda, reconhecer que o
desamparo político de Jair Bolsonaro vai além da questão da integridade
eleitoral. Há dois anos, o presidente da República franqueou o governo para o
Centrão, que passou a oferecer algum suporte político ao Palácio do Planalto.
Mas a aliança está longe de ser estável ou segura. Por exemplo, na escolha do
general Braga Netto como vice na sua chapa, Jair Bolsonaro ficou inteiramente
isolado entre seus aliados. Como o seu entorno político mais próximo já
percebeu, o golpismo de Bolsonaro não é força, e sim fraqueza.
Escravo doméstico, vítima oculta
O Estado de S. Paulo
Reprimir o trabalho análogo à escravidão é mais difícil quando se trata de trabalhadores domésticos, tornando esses escravos modernos, majoritariamente mulheres, praticamente invisíveis
Em pleno século 21, o trabalho em condições
análogas à escravidão continua uma realidade no País. Desde 1995, o combate a
tamanha degradação ganhou força no governo federal, responsável pela criação do
chamado Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em parceria com o Ministério
Público. Resultado: 58 mil trabalhadores já foram resgatados das mais diversas
e abjetas situações de exploração, seja em propriedades rurais, na produção de
carvão vegetal ou na confecção de roupas, entre outras áreas. A lista, como se
sabe, é longa. Somente nos últimos anos, porém, como mostrou o Estadão, a
repressão ao trabalho escravo doméstico conquistou maior visibilidade nos
relatórios do Grupo Móvel.
É isso mesmo: foi a partir de 2017 que o
número de trabalhadores domésticos resgatados de situações análogas à
escravidão passou a ser registrado separadamente − o que, por óbvio, contribuiu
para jogar luz sobre o problema. Recente reportagem do Estadão trouxe
um balanço dessa nova estatística, revelando que 2021 foi o ano com maior número
de trabalhadores domésticos resgatados nos últimos cinco anos: 31 ao
todo.
Na comparação com anos anteriores, de fato,
houve um salto. Em 2020, haviam sido resgatados três trabalhadores domésticos
e, em 2019, cinco − até então a maior quantidade em um único ano. Quando se
considera o conjunto de 1.959 trabalhadores resgatados no ano passado,
entretanto, os trabalhadores domésticos representam apenas 1,6% do total. Cabe
perguntar: em que medida esse porcentual reflete a real proporção dos trabalhadores
domésticos no universo de vítimas do trabalho análogo à escravidão no Brasil?
A resposta parece ser que os trabalhadores
domésticos, categoria majoritariamente feminina, estão, sim, sub-representados
nas estatísticas do Grupo Móvel. Isso revelaria uma espécie de invisibilidade
dessa categoria profissional até mesmo diante do órgão encarregado de combater
o trabalho escravo no País − órgão esse que, de resto, tem prestado relevantes
serviços e, claro, perdeu força no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Eis o que disse ao Estadão a
procuradora Lys Sobral Cardoso, coordenadora nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo e Enfrentamento do Tráfico de Pessoas do Ministério Público do
Trabalho: “Mais de 90% das pessoas resgatadas no Brasil desde 2013 foram homens.
Quer dizer que, provavelmente, as formas de exploração do trabalho da mulher
têm sido ‘invisibilizadas’ pela fiscalização. O trabalho escravo doméstico é
uma delas”, afirmou ela.
Outro dado que merece atenção é o número de
pessoas dedicadas aos serviços domésticos no País: cerca de 6 milhões, a maior
parte sem carteira assinada, sendo 92% delas mulheres, a maioria negra e de
baixa escolaridade, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Ninguém ignora as dificuldades de
fiscalizar e reprimir o trabalho escravo, crime previsto no Código Penal de
1940. Não à toa, a Polícia Federal participa do Grupo Móvel e acompanha as
operações. No caso do trabalho doméstico, há que levar em conta também que se
trata de crime praticado no interior dos lares, o que cria um obstáculo
adicional.
Como mostrou o Estadão, cada vítima
resgatada tem a chance de uma nova vida. É o caso de Yolanda Ferreira, de 89
anos, que passou cerca de 50 anos como trabalhadora doméstica em condição
análoga à de escravidão, em um prédio de alto padrão em Santos (SP). Yolanda
foi localizada pelo Grupo Móvel a partir da denúncia de uma nova vizinha, que
estranhou o comportamento da idosa negra que mal aparecia no corredor e só
andava de cabeça baixa, sem responder quando cumprimentada.
A exploração do trabalho doméstico análogo
à escravidão é um crime particularmente abjeto, por representar uma violência e
uma humilhação que vão contra as noções mais elementares de civilização,
modernidade e desenvolvimento. Dar visibilidade a casos como o de Yolanda é
mais um passo para que esse tipo de crime não se repita e, um dia, seja nada
além de triste memória.
Endividamento para sobreviver
O Estado de S. Paulo
Mesmo com juro alto, consumidor recorre a empréstimos para liquidar compromissos e cobrir gastos diários
Tomar um empréstimo para pagar outro virou
solução normal para muitos consumidores, forçados a malabarismos financeiros
num ambiente de preços altos, dinheiro curto e muita conta pendurada. A busca
de crédito por pessoas físicas foi em maio 11,2% maior que um ano antes,
segundo a Serasa Experian. A crescente procura de empréstimos pode parecer
estranha, numa fase de juros muito altos e com perspectivas de novos aumentos
nos próximos meses. A taxa básica já atingiu 13,25% e deve ser mais uma vez
elevada em agosto pelo Banco Central (BC), podendo chegar a 13,50% ou mesmo a
13,75%. O custo para o tomador do financiamento é muito maior, mas, ainda
assim, o endividamento cresce como se o dinheiro estivesse muito mais barato.
O aparente mistério é explicável, no entanto,
pela própria crise. “Os consumidores, mesmo com a alta da taxa de juros,
continuam atuando com o modelo de consumo por necessidade e utilizando o
crédito para honrar compromissos financeiros, além de complementar o pagamento
de itens e serviços prioritários que não puderam ser pagos com o orçamento
mensal habitual”, diz o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. Em outras
palavras, o brasileiro se endivida para comer, morar e tocar a vida no dia a
dia e para empurrar outras dívidas para a frente.
Em maio, a busca por crédito cresceu nas
cinco faixas de renda analisadas. Na mais baixa, com ganho mensal de até R$
500, o aumento foi de 11,3% na comparação interanual. Na segunda mais alta, com
renda entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, a variação foi de 13%, pouco superior à
observada no grupo mais abonado (12,9%).
O cenário de grande aperto inclui aumento
de inadimplência. Em abril, também segundo a Serasa Experian, 66,13 milhões de
pessoas ficaram com o nome em vermelho. Esse número, recorde na série iniciada
em 2016, superou por 3 milhões o de um ano antes. O quadro piorou velozmente a
partir de setembro de 2021 e entre dezembro e abril houve um acréscimo de 2
milhões no total de inadimplentes.
O aperto maior dos consumidores coincide
com a aceleração da alta de preços, num ambiente de desemprego em torno de 10%
da força de trabalho. Nos 12 meses até maio os preços ao consumidor subiram
11,73%, pouco menos que no período encerrado em abril (12,13%). Nos 12 meses
até maio de 2021 a alta havia sido de 8,06%. No período terminado em janeiro do
ano passado a variação havia ficado em 4,56%.
Com o desarranjo dos preços, o BC apertou
sua política, elevando os juros. Com juros mais altos e crédito mais escasso,
esperava-se esfriamento dos negócios e redução das pressões inflacionárias. O
efeito do aperto é normalmente defasado, mas a persistência da inflação tem
sido surpreendente, como reconhecem dirigentes da instituição. As incertezas e
a instabilidade cambial motivadas pelo presidente da República estão entre os
fatores de realimentação inflacionária. Diante da inflação resistente, o BC
prolonga o aperto de crédito, dificultando a atividade empresarial e
complicando a vida de consumidores já endividados.
Alívio no emprego
Folha de S. Paulo
Desocupação se mantém em queda; risco está
em ações irresponsáveis do governo
Em meio a tantas dificuldades na economia,
o desempenho do mercado de trabalho tem sido uma boa novidade. Segundo a
pesquisa por amostra de domicílios do IBGE, a taxa de
desemprego caiu a 9,8% no trimestre encerrado em maio.
Trata-se da primeira medição nacional
abaixo de 10% desde o início de 2016, e da menor taxa para tal período do ano
desde 2015.
Ainda existem 10,6 milhões de pessoas
desocupadas, mas a queda desse número tem sido acelerada —em relação ao
trimestre encerrado em fevereiro, há 1,4 milhão a menos. Na comparação com o
trimestre correspondente de 2021, 4,6 milhões deixaram as fileiras do
desemprego, uma queda de 30%.
A rápida criação de novas vagas não deixa
de surpreender. A população ocupada atingiu 97,5 milhões, a maior da série
histórica que tem início em 2012. Em um ano, 9,4 milhões de pessoas encontraram
trabalho, numa alta de 10,6%.
No mesmo período, a população na força de trabalho —as que estão empregadas ou buscam emprego ativamente— atingiu 108,1 milhões, elevação de 4,8 milhões.
Outras boas notícias são a criação de 3,8
milhões novas vagas formais (12,1% a mais) ao longo de um ano e a redução da
chamada taxa de subutilização (que agrega os desempregados, os que trabalham
menos horas do que gostariam e os que não procuraram emprego no período da
pesquisa, mas desejam trabalhar) de 29,2% para 21,8%. São 7,9 milhões de
brasileiros a menos nessas condições.
Ainda assim, permanecem sinais de
fragilidade. A informalidade continua exorbitante —cerca de 40% do total das
pessoas empregadas não têm carteira assinada— e a geração de renda não tem
bastado para acompanhar a inflação.
Embora a última pesquisa mostre
estabilidade dos rendimentos em relação ao trimestre encerrado em fevereiro, há
uma retração de 7,2% nos últimos 12 meses. Na medição do IBGE, o valor médio
habitual, já ajustado pela variação de preços, ficou em R$ 2.613 mensais, o
menor patamar da série.
O longo período de elevada desocupação
desde 2015 reduziu o poder de barganha dos trabalhadores, e os salários
perderam poder de compra. A inflação ganhou força a partir de 2021, centrada em
itens de primeira necessidade como alimentos, transportes e energia.
Adiante, se mantida a queda do desemprego,
a renda pode se valorizar. A provável moderação da inflação deve criar um
panorama melhor para o consumo.
O risco está no estrago potencial a ser
provocado por ações
irresponsáveis do governo e do Congresso. Más decisões, como a atual
escalada de gastos eleitoreiros, podem prolongar o risco inflacionário e o
período de juros altos, abortando a incipiente retomada da atividade econômica.
Violência desigual
Folha de S. Paulo
Homicídios e letalidade policial mostram
clivagens sociais, raciais e regionais
Não é fato desprezível que, em um país de
brutalidades cotidianas como o Brasil, tenham se registrado quedas dos
números de mortes
violentas, de 6% em 2021, ante o ano anterior, e de mortes
pela polícia, de 4% no mesmo período.
Os dados integram o recém-divulgado anuário
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que emprega o conceito MVI (mortes
violentas intencionais), incluindo casos de homicídio doloso, latrocínio, lesão
corporal seguida de morte e óbitos por intervenção policial.
Observados ao longo do tempo, os dados
também revelam, no entanto, a dificuldade em mudar a realidade violenta do
país.
A redução da letalidade policial no ano
passado foi a primeira em oito anos; nas MVI como um todo, a tendência de
melhora começou apenas em 2018 e sofreu interrupção no ano retrasado, com alta
de homicídios em plena pandemia.
Entre as idas e vindas, as estatísticas
colocam o país em situação deplorável no panorama global. De acordo com o
Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas, temos o maior número
absoluto de homicídios no mundo, registrando 20,5% dessas mortes em 2020 com
2,7% da população planetária.
Aqui, ademais, a ação das forças do Estado
foi responsável por 12,9% das MVI no ano passado.
Nota-se, por fim, desigualdade profunda no
que diz respeito a onde e contra quem a violência brasileira se manifesta. Em
contraste com a queda do número total, a taxa de letalidade policial cresceu
5,8% para negros —para brancos, houve
redução de quase 31%. Jovens, homens e negros
continuam a ser os principais alvos da polícia.
Há também disparidades regionais gritantes.
O estado do Amapá possui a polícia mais violenta do país, causando 17,1 mortes
por 100 mil habitantes, ante média nacional de 2,9; em seguida vem Sergipe, com
9/100 mil. Onze estados, incluindo o Rio, contabilizaram elevação da taxa no
ano passado.
Quanto às MVI em geral, a região Norte se
destaca, com aumento de 9% nas mortes e taxa de 33,3 por 100 mil habitantes,
logo atrás do Nordeste (35,5) e bem acima da média nacional de 22,3.
Além de um progresso frágil e desigual, os
dados revelam que a violência brasileira tem pontos claros de concentração. Tal
mapeamento deveria servir de base para políticas nacionais, mas regionalizadas,
de enfrentamento.
Eleições deverão trazer nova alta no
desmatamento
O Globo
O país deve se preparar para assistir a um
grande desastre ambiental. A julgar pelos três anos e meio de bolsonarismo no
poder, as perspectivas não são otimistas. Nem o período eleitoral serve para
incentivar medidas de preservação do meio ambiente. É essa a conclusão de um
estudo das universidades de São Paulo (USP) e Duke, dos Estados Unidos. A
pesquisa, publicada na revista científica Conservation Letters em 2018, avaliou
a relação entre eleições e desmatamento entre 1991 e 2014, quando houve sete
eleições gerais e seis municipais.
O trabalho analisou a Mata Atlântica, mas
os resultados, segundo os autores, podem ser estendidos à Amazônia e ao resto
do país. Foram analisados, afinal, 2.253 municípios dos sete estados do Sul e
do Sudeste, onde a sociedade civil organizada costuma fazer pressão por medidas
de controle ambiental. Mesmo assim, uma das principais conclusões da pesquisa
foi que, naqueles 23 anos, houve em média um desmatamento adicional de 3.652
hectares nos anos de eleições gerais — para presidente, governadores, deputados
estaduais, federais e parte dos senadores — e de 4.409 hectares nos pleitos
municipais.
As condições criadas pela disputa eleitoral
e a perspectiva de mudança de governo induzem o maior desmatamento. “Um
fenômeno potencializa o outro”, diz a coordenadora da pesquisa, Patrícia
Ruggiero. O toma lá dá cá do clientelismo e do populismo, portanto, prejudica o
meio ambiente.
O estudo também constatou que a destruição
florestal aumenta nas eleições em que o partido do governador pertence à mesma
coalizão do presidente da República e nos municípios em que prefeito e
governador são da mesma legenda. A política partidária, a depender das
alianças, pode funcionar em prejuízo do meio ambiente. Eis um alerta para os
eleitores na hora de escolher os candidatos em outubro.
Quando o estudo foi feito, estava em curso
uma redução na relação entre eleições e desmatamento, constatada pelos
pesquisadores entre 1991 e 2014. A chegada ao Planalto do presidente Jair
Bolsonaro em 2019, porém, agravou a degradação. “Com a eleição de Bolsonaro, o
que se vê na área ambiental vai além do ciclo eleitoral”, afirma Ruggiero.
Bolsonaro foi radical: desmantelou Ibama e ICMBio, responsáveis pela
preservação do meio ambiente. O volume de multas caiu, o desmatamento aumentou,
sem que organismos municipais e estaduais do meio ambiente pudessem fazer
alguma coisa contra.
Resultado: em três anos de governo
bolsonarista, da posse a 31 de dezembro de 2021,o desmatamento na Amazônia
cresceu 56,6% em relação à média do triênio anterior, de 2016 a 2018. Ainda
falta contar a destruição que vem por aí causada pela corrida contra o tempo de
garimpeiros e madeireiros ilegais. Temerosos com a volta dos controles caso
Bolsonaro seja derrotado, já puseram para funcionar suas motosserras e máquinas
de devastação.
Ainda que a região da Amazônia fique
intransitável na época das chuvas, entre janeiro e maio, o desmatamento no
período foi de 3.360 quilômetros quadrados, o maior em 15 anos nesses meses, de
acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). É
sinal de que as próximas estatísticas refletirão ainda mais devastação. Desta
vez, caso Bolsonaro perca, as eleições representarão provável queda no
desmatamento.
É absurda a PEC que deixa político com
mandato virar embaixador
O Globo
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Davi Alcolumbre (União-AP)
para que parlamentares possam ocupar embaixadas sem abrir mão do mandato está
na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. No entender de
Alcolumbre, a PEC acabaria com a “discriminação odiosa aos parlamentares”,
forçados a deixar o Congresso para assumir postos de embaixador. Trata-se de
uma daquelas iniciativas estapafúrdias que agridem o bom senso. Por várias
razões.
Para começar, a mistura indevida nos papéis
dos Poderes no presidencialismo. O Executivo põe em marcha políticas de Estado,
o Legislativo está sujeito às vicissitudes da política partidária. Um faz, o
outro fiscaliza. As duas funções são distintas. Ao distribuir congressistas por
embaixadas, abre-se campo para conflitos entre a política externa e os
interesses do indicado. Um embaixador que queira voltar ao Congresso estará a
serviço de seu partido ou do país? Com as indicações, o presidente teria tal
poder de barganha sobre o Congresso que, nas palavras da embaixadora aposentada
Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de Diplomatas
Brasileiros, “reduziria a eficácia do sistema de freios e contrapesos da
democracia”.
Desde a Constituição de 1937 a vedação,
segundo ela, protege a política externa “dos jogos do poder”. Na justificativa
da PEC, o próprio Alcolumbre lembra que a questão foi tratada na Constituinte
de 1987. Venceu quem temia que nomear congressistas para embaixadas
representaria o sequestro da política externa “pela política miúda,
fisiológica, em troca de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Ele discorda, mas
os constituintes tinham razão.
O argumento de que o chanceler pode ser
parlamentar é falacioso, pois o cargo de ministro é político. Que diria
Alcolumbre da regra de países como Argentina ou Estados Unidos, onde
congressistas são forçados a renunciar para assumir qualquer ministério, não só
Relações Exteriores? Por que não introduzir tal norma sensata no Brasil, onde
não vigora o regime de ministros parlamentares (o parlamentarismo)?
A eficiência reconhecida da diplomacia
brasileira se deve à profissionalização do Itamaraty. Graças a ela, o Brasil
atua no mesmo padrão sob diversos presidentes. Mesmo sob Bolsonaro, que tenta
de todo modo misturar ideologia e política externa. O que não aconteceria se
congressistas ocupassem embaixadas como resultado de barganhas no varejo da
política?
Pode ser que parlamentares — em especial os
do Centrão — vejam na PEC uma oportunidade de engordar a conta bancária ou dar
um destino confortável a carreiras estagnadas. Se pensam assim, demonstram
ignorar a necessidade de as democracias terem carreiras de Estado e contarem
com burocracia técnica eficiente, para que funções essenciais do poder público
sejam executadas independentemente das trocas de governo. É conhecida a
insaciável busca por espaços na máquina pública pelo grupo de partidos de que
depende o governo Bolsonaro. Partidarizar até as embaixadas seria um
despropósito.
Emendas de relator criam insensatez
orçamentária
Valor Econômico
Emendas RP9 exacerbaram o poder do relator
e seu grupo político e carecem de mecanismos de transparência
Os deputados e senadores estão deixando uma
verdadeira herança maldita - expressão já desgastada pelo uso repetitivo e
indevido no passado - para o próximo ciclo presidencial com as emendas RP9, de
responsabilidade do relator-geral do orçamento da União, que também ficaram
conhecidas como “orçamento secreto”. Em vez de buscar mais eficiência na
aplicação de recursos tão limitados, o Congresso Nacional dobra a aposta e se
empenha agora em tornar impositivas essas emendas. A iniciativa dos
parlamentares, recém-aprovada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e que
valeria a partir de 2023, aumenta o engessamento do Poder Executivo para
otimizar as escassas verbas discricionárias de investimentos e para
confeccionar políticas públicas eficazes.
Essa marcha da insensatez foi objeto de um
alerta do Tribunal de Contas da União (TCU), que julgou na semana passada as
contas do governo Jair Bolsonaro em 2021. O órgão de controle criticou a “falta
de critérios” na distribuição dos repasses federais por meio das emendas RP9 e
apontou risco crescente de “incompatibilidade” no planejamento de ações governamentais.
É pura contradição: enquanto essas emendas ganham espaço no orçamento, há
insuficiência de recursos para a União honrar obrigações com programas que são
aprovados pelo próprio Congresso.
Não se trata de demonizar emendas
parlamentares, que cumprem o papel de atender demandas de comunidades locais,
muitas vezes ignoradas por Brasília e só identificadas por quem atua em tais
rincões. No entanto, as emendas RP9 exacerbaram o poder do relator e seu grupo
político, além de carecerem de mecanismos de transparência e acompanhamento
pela sociedade. O relatório do TCU mostrou, por exemplo, o destaque exercido
pelo município de Arapiraca (AL) na obtenção de verbas do “orçamento secreto”
em 2021. Trata-se de um feudo eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP), para onde os repasses federais foram ampliados em 5.237% na comparação
com o ano anterior.
No ano passado, após vetos presidenciais,
foram alocados R$ 18,5 bilhões a título de emendas RP9, dos quais R$ 16,7
bilhões foram empenhados e R$ 6,3 bilhões foram efetivamente pagos referentes a
despesas do mesmo exercício. Além de Arapiraca, reduto de Lira, outras três
localidades receberam transferências pelo menos oito vezes maiores do que em
2020: Campina Grande (PB), São Félix do Xingu (PA) e São Gonçalo (RJ).
Como bem resumiu a procuradora-geral do
Ministério Público de Contas, Cristina Machado da Costa e Silva, a sistemática
de execução das emendas de relator “possui fragilidades importantes no que
concerne à observância dos princípios da publicidade e da impessoalidade, além
de prejudicar a boa e equitativa divisão de recursos orçamentários”. “Ao
contrário das emendas parlamentares individuais, que possuem procedimentos
padronizados e centralizados, as emendas RP9 não apresentam o mesmo grau de
transparência (...) e não permitem que sejam identificados os efetivos
parlamentares solicitantes do gasto, nem os responsáveis pela alocação dos
recursos”, disse a procuradora, na sessão de julgamento das contas do governo.
Não à toa, algumas das principais suspeitas
de corrupção nos últimos anos passam pelo “orçamento secreto”, usado para a
compra de tratores e máquinas agrícolas por preços até 259% superiores aos
valores de referência. A execução tem sido feita pela Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que é
controlada pelo Centrão. A empreiteira Engefort, campeã de contratos com essa
estatal na gestão Bolsonaro, tem conquistado a maioria das concorrências de
pavimentação em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na
companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios.
Em 2021, a Engefort ganhou licitações oferecendo propostas que chegam a quase o
dobro dos valores oferecidos nos pregões em Estados vizinhos, vencidos por
outras empresas. A Engefort negou favorecimento indevido. (“Folha de S. Paulo”,
30/6).
Em décadas recentes, analistas políticos recorriam frequentemente a um termo para designar a força do Executivo vis-à-vis outros Poderes: hiperpresidencialismo. Nos últimos anos, principalmente a partir das negociações que resultaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, cristaliza-se a percepção de que o Legislativo vai ampliando seus espaços e assumindo protagonismo no equilíbrio de forças. É imprescindível que essa reconfiguração, ora em curso, com zelo pelos recursos públicos - sem o ataque ao erário que tem caracterizado as emendas de relator.
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