segunda-feira, 4 de julho de 2022

Alex Ribeiro: BC monitora a relação entre preços e salários

Valor Econômico

Populismo fiscal dificulta baixar a inflação de serviços

A nova dor de cabeça do Banco Central é o forte e rápido aumento da inflação de serviços, a mais difícil de baixar. O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC está examinando se essa aceleração foi causada pela queda do desemprego e aumento de salários. O quadro poderá se complicar ainda mais com as medidas fiscais populistas adotadas recentemente pelo governo Bolsonaro, que colocam o pé no acelerador no curto prazo.

Há duas semanas, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi questionado, na entrevista coletiva do Relatório Trimestral de Inflação, sobre os pontos que o Copom vai examinar na sua próxima reunião, de agosto. Ele disse que vai olhar todos os novos dados, e citou em particular a preocupação em ver “o quanto [da inflação] de serviços é salários”.

Os dados do mercado de trabalho vêm surpreendendo para melhor, com uma queda maior do que a esperada no índice de desemprego. Mas estão longe do ideal, com um exército de trabalhadores subutilizados e a lenta recuperação de salários, ainda perdendo para a inflação. O desempenho é medíocre, mas com o avanço decepcionante da produtividade, mesmo aumentos nominais de salários poderiam pressionar a inflação.

Na mesma entrevista coletiva, o diretor de política economica do BC, Diogo Guillen, jogou luz sobre o problema, usando a linguagem obscura dos banqueiros centrais. Segundo ele, a evolução dos salários “ajuda a entender o hiato do mercado de trabalho, a possível rigidez dos salários e quanto o rendimento nominal pode gerar inércia sobre a inflação”.

Até uns meses atrás, a inflação brasileira estava sendo puxada sobretudo por choques de oferta, como a crise de energia elétrica, a ruptura nas cadeias de produção provocada pela pandemia e a alta dos preços das commodities, sobretudo petróleo. Isso nos permitia afirmar que a carestia se devia a fatores fora de nosso controle mais direto e, portanto, não nos cabia culpa. A coisa muda de figura com o avanço mais recente dos preços de serviços, que em boa medida são definidos pelas condições de demanda interna, além da inércia dos demais preços.

Na virada do ano, o consenso dos analistas econômicos era que a inflação de serviços neste ano ficaria em 5,5%. O percentual esperado já superava a meta para o ano, de 3,5%, mas então parecia natural que, com a reabertura da economia, o setor de serviços recompusesse seus preços, que avançaram menos no período mais agudo da pandemia.

O IPCA-15 de junho, porém, mostra um avanço de 8,72% na inflação de serviços, acumulada em 12 meses. O conjunto desses preços mais sensíveis à atividade econômica, o núcleo subjacente de serviços, avança 8,76%. O próprio BC disse, algumas vezes, que a inflação de serviços surpreendeu e que está examinando as razões.

Economistas do mercado estão se questionando porque o Banco Central tomou a iniciativa de mencionar o tema. Provavelmente, afirmam alguns, é porque está difícil explicar a inflação muito alta apenas pela reabertura da economia e pela inércia da inflação geral e do próprio setor de serviços.

O comportamento dos salários passou a ser um dos “suspeitos”. A taxa de desemprego vem caindo muito rápido - na semana passada, recuou para 9,8% no trimestre terminado em maio, ante 10,2% esperados pelo mercado, segundo dados da Pnad continua, uma pesquisa feita pelo IBGE. Feito o ajuste sazonal, está em 9,5%.

O desemprego está muito baixo? Já está começando a discussão, entre os especialistas, se estamos chegando perto da taxa natural de desemprego, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a inflação, conhecida com a sigla em inglês Nairu. Em relatório divulgado na semana passada, o banco Goldman Sachs diz que, nesses 9,5%, o desemprego já está no intervalo das estimativas da Nairu.

Essa foi a discussão levantada por Guillen, quando ele fala que os reajustes de salários ajudam a entender o “hiato do mercado de trabalho”. O assunto que ele está levantando é o quão próxima está a taxa de desemprego da Nairu.

Não é uma discussão simples. O Goldman Sachs lembra, por exemplo, que cerca de um quinto da força de trabalho brasileira está subutilizada, incluindo os desempregados, os desalentados e aqueles que têm trabalho em tempo parcial.

O outro dado relevante nessa análise é o aumento de salários. Mais recentemente, houve ganhos de salário real, mas ainda assim os ordenados perdem feio para a inflação, com uma corrosão de poder de compra de 7,2% em 12 meses. O que está em discussão, porém, é se mesmo reajustes que impõem perdas de renda aos trabalhadores, mas são relativamente altos do ponto de vista nominal, podem puxar a inflação. Na teoria, pondera um especialista ouvido pelo Valor, como a produtividade da economia avança de forma desastrosa, mesmo esses reajustes nominais aumentam o custo unitário do trabalho.

Do ponto de vista da inflação, importa não apenas a situação atual do mercado de trabalho, mas também a que vai se encontrar no futuro. Uma visão dominante entre os especialistas é que o aperto monetário feito até agora, depois de subir a Selic de 2% a 13,25% ao ano, ainda não chegou na atividade - quando isso acontecer, o mercado de trabalho vai sofrer.

O outro lado, porém, é que a expansão fiscal age na direção contrária. O economista Rodolfo Margato, da XP, diz que a massa de renda disponível ampliada deve saltar 6,5% no segundo trimestre. Nela, estão na apenas os salários, mas também transferências do governo. O que puxa são a recuperação sólida do emprego, o aumento das transferências dos programas sociais e medidas de estímulo de curto prazo, como a antecipação do 13º de aposentados e a liberação de saques extraordinários do FGTS.

Para o segundo semestre, vem mais, com o corte de impostos de combustíveis e R$ 41,5 bilhões em transferências de renda. Não é à toa que o BC destacou o efeito das medidas fiscais sobre a demanda como um dos principais riscos que ameaçam o cumprimento das metas de inflação.

 

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