Valor Econômico
Populismo fiscal dificulta baixar a
inflação de serviços
A nova dor de cabeça do Banco Central é o
forte e rápido aumento da inflação de serviços, a mais difícil de baixar. O
Comitê de Política Monetária (Copom) do BC está examinando se essa aceleração
foi causada pela queda do desemprego e aumento de salários. O quadro poderá se
complicar ainda mais com as medidas fiscais populistas adotadas recentemente
pelo governo Bolsonaro, que colocam o pé no acelerador no curto prazo.
Há duas semanas, o presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, foi questionado, na entrevista coletiva do
Relatório Trimestral de Inflação, sobre os pontos que o Copom vai examinar na
sua próxima reunião, de agosto. Ele disse que vai olhar todos os novos dados, e
citou em particular a preocupação em ver “o quanto [da inflação] de serviços é
salários”.
Os dados do mercado de trabalho vêm surpreendendo para melhor, com uma queda maior do que a esperada no índice de desemprego. Mas estão longe do ideal, com um exército de trabalhadores subutilizados e a lenta recuperação de salários, ainda perdendo para a inflação. O desempenho é medíocre, mas com o avanço decepcionante da produtividade, mesmo aumentos nominais de salários poderiam pressionar a inflação.
Na mesma entrevista coletiva, o diretor de
política economica do BC, Diogo Guillen, jogou luz sobre o problema, usando a
linguagem obscura dos banqueiros centrais. Segundo ele, a evolução dos salários
“ajuda a entender o hiato do mercado de trabalho, a possível rigidez dos
salários e quanto o rendimento nominal pode gerar inércia sobre a inflação”.
Até uns meses atrás, a inflação brasileira
estava sendo puxada sobretudo por choques de oferta, como a crise de energia
elétrica, a ruptura nas cadeias de produção provocada pela pandemia e a alta
dos preços das commodities, sobretudo petróleo. Isso nos permitia afirmar que a
carestia se devia a fatores fora de nosso controle mais direto e, portanto, não
nos cabia culpa. A coisa muda de figura com o avanço mais recente dos preços de
serviços, que em boa medida são definidos pelas condições de demanda interna,
além da inércia dos demais preços.
Na virada do ano, o consenso dos analistas
econômicos era que a inflação de serviços neste ano ficaria em 5,5%. O
percentual esperado já superava a meta para o ano, de 3,5%, mas então parecia
natural que, com a reabertura da economia, o setor de serviços recompusesse
seus preços, que avançaram menos no período mais agudo da pandemia.
O IPCA-15 de junho, porém, mostra um avanço
de 8,72% na inflação de serviços, acumulada em 12 meses. O conjunto desses
preços mais sensíveis à atividade econômica, o núcleo subjacente de serviços,
avança 8,76%. O próprio BC disse, algumas vezes, que a inflação de serviços
surpreendeu e que está examinando as razões.
Economistas do mercado estão se
questionando porque o Banco Central tomou a iniciativa de mencionar o tema.
Provavelmente, afirmam alguns, é porque está difícil explicar a inflação muito
alta apenas pela reabertura da economia e pela inércia da inflação geral e do
próprio setor de serviços.
O comportamento dos salários passou a ser
um dos “suspeitos”. A taxa de desemprego vem caindo muito rápido - na semana
passada, recuou para 9,8% no trimestre terminado em maio, ante 10,2% esperados
pelo mercado, segundo dados da Pnad continua, uma pesquisa feita pelo IBGE.
Feito o ajuste sazonal, está em 9,5%.
O desemprego está muito baixo? Já está
começando a discussão, entre os especialistas, se estamos chegando perto da
taxa natural de desemprego, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a
inflação, conhecida com a sigla em inglês Nairu. Em relatório divulgado na
semana passada, o banco Goldman Sachs diz que, nesses 9,5%, o desemprego já
está no intervalo das estimativas da Nairu.
Essa foi a discussão levantada por Guillen,
quando ele fala que os reajustes de salários ajudam a entender o “hiato do
mercado de trabalho”. O assunto que ele está levantando é o quão próxima está a
taxa de desemprego da Nairu.
Não é uma discussão simples. O Goldman
Sachs lembra, por exemplo, que cerca de um quinto da força de trabalho
brasileira está subutilizada, incluindo os desempregados, os desalentados e
aqueles que têm trabalho em tempo parcial.
O outro dado relevante nessa análise é o
aumento de salários. Mais recentemente, houve ganhos de salário real, mas ainda
assim os ordenados perdem feio para a inflação, com uma corrosão de poder de
compra de 7,2% em 12 meses. O que está em discussão, porém, é se mesmo
reajustes que impõem perdas de renda aos trabalhadores, mas são relativamente
altos do ponto de vista nominal, podem puxar a inflação. Na teoria, pondera um
especialista ouvido pelo Valor,
como a produtividade da economia avança de forma desastrosa, mesmo esses
reajustes nominais aumentam o custo unitário do trabalho.
Do ponto de vista da inflação, importa não
apenas a situação atual do mercado de trabalho, mas também a que vai se
encontrar no futuro. Uma visão dominante entre os especialistas é que o aperto
monetário feito até agora, depois de subir a Selic de 2% a 13,25% ao ano, ainda
não chegou na atividade - quando isso acontecer, o mercado de trabalho vai
sofrer.
O outro lado, porém, é que a expansão
fiscal age na direção contrária. O economista Rodolfo Margato, da XP, diz que a
massa de renda disponível ampliada deve saltar 6,5% no segundo trimestre. Nela,
estão na apenas os salários, mas também transferências do governo. O que puxa
são a recuperação sólida do emprego, o aumento das transferências dos programas
sociais e medidas de estímulo de curto prazo, como a antecipação do 13º de
aposentados e a liberação de saques extraordinários do FGTS.
Para o segundo semestre, vem mais, com o
corte de impostos de combustíveis e R$ 41,5 bilhões em transferências de renda.
Não é à toa que o BC destacou o efeito das medidas fiscais sobre a demanda como
um dos principais riscos que ameaçam o cumprimento das metas de inflação.
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