sábado, 18 de fevereiro de 2023

Alvaro Gribel - Lula, juros e os ganhos do mercado

O Globo

É preciso superar a crença equivocada de que o mercado prefere trabalhar em ambiente de juros altos

O mercado financeiro tenta ganhar dinheiro em qualquer cenário. Se os juros estão baixos, há uma migração de recursos para a bolsa, porque a lucratividade e os dividendos pagos pelas companhias tendem a crescer. O PIB acelera, o desemprego cai, e as concessões de crédito também disparam porque o risco de inadimplência para os bancos fica mais baixo. Esse é o quadro em que todos ganham, caso seja sustentável e aconteça com a inflação sob controle. Se os juros sobem, por outro lado, a bolsa perde, mas os maiores bancos podem sustentar os seus lucros porque emprestam a taxas mais elevadas. Porém, também sobem as provisões e o risco de inadimplência com a desaceleração do PIB. É o que estamos vendo este ano.

É preciso superar a crença equivocada que vem sendo repetida pelo presidente Lula de que o mercado prefere trabalhar em ambiente de juros altos. A verdade é que é muito mais seguro o quadro econômico com crescimento do PIB, juros em queda e inflação sob controle.

— O sonho do investidor é um mercado pujante, com abertura de capital na bolsa (IPOs), empresas crescendo, PIB crescendo 3%, 4%. Os bancos ganham muito mais emprestando para empresas saudáveis do que para companhias com risco de dar calote. O mercado ganha muito mais com juros baixos — afirmou Roberto Motta, estrategista-chefe da Genial Investimentos em seu canal no YouTube.

Um dado ilustra bem essa linha de pensamento: o ano em que os quatro maiores bancos do país, Bradesco, Banco do Brasil, Itaú e Santander, mais lucraram foi 2019, quando a Selic começou em 6,5% e terminou em 4,5%: foram R$ 99 bilhões de lucro, corrigidos pela inflação, segundo dados exclusivos levantados por Einar Rivero, head comercial da Trademap.

O gráfico mostra os efeitos dos juros sobre a bolsa. Existe uma correlação inversa entre o desempenho do Ibovespa e a Taxa Selic. Ou seja, quanto maior a taxa, menor tende a ser o índice, e vice-versa. De 2000 a 2005, no final do governo Fernando Henrique e início do governo Lula, a Selic estava nas alturas, e o Ibovespa, nas mínimas. Quando o BC de Lula começou a reduzir os juros, a partir de 2005, o índice começou a subir. Dali para frente, períodos de alta da Selic levaram a quedas na bolsa, e a partir de 2016 isso ficou ainda mais evidente: os juros despencaram, e a bolsa bateu recorde.

O risco para o sistema financeiro com os juros altos pode ser medido pelo Provisionamento para Devedores Duvidosos (PDD). Desde 2006, o pior ano para os quatro maiores bancos do país foi 2015, com R$ 120 bilhões provisionados, corrigidos pela inflação. E em quanto estava a Selic nesse ano? Exorbitantes 14,25%, número maior do que os 13,75% de hoje.

Lula pode e deve criticar os juros altos. Só não pode alegar que eles subiram para favorecer o mercado financeiro.

Inadimplência em alta

O índice de inadimplência medido pela Boa Vista apontou a sétima alta em janeiro. Em relação a dezembro, subiu 1,1%, e no acumulado em 12 meses disparou 20,8%. Esse indicador mostra a quantidade de novos registros de dívidas vencidas e não pagas informados pelas empresas credoras. “O cenário é delicado, as projeções para 2023 não são animadoras e este caminha para ser mais um ano de alta nos registros”, disse Flávio Calife, economista da Boa Vista.

Pressão dos serviços

A inflação de serviços é uma das principais dores de cabeça para o Banco Central. O IBGE divulga na próxima semana o IPCA-15 de fevereiro e pelas contas do Credit Suisse os preços dos serviços devem subir 1,58% no mês e acelerar para 7,9% em 12 meses.

Boia de salvação

O reajuste de servidores faz todo o sentido, ainda que tenha impacto sobre as contas públicas. Categorias estavam sem reajuste desde 2019, e ajuste fiscal não é estrangulamento forçado do orçamento das famílias. Cabe agora ao governo cortar em outras áreas menos importantes para evitar a disparada da dívida pública.

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