sábado, 18 de fevereiro de 2023

Paul Krugman* - Extrema direita contra a educação superior

Políticos trumpistas circulam versões erradas, pois é a ignorância geral que querem preservar

O Estado de S. Paulo.

Republicanos radicais acreditam que os professores de esquerda tentam doutrinar os alunos

Ron DeSantis, atual governador da Flórida que pretende virar presidente, tem tentado se posicionar como principal guerreiro americano na cruzada contra a lacração. E ultimamente a educação superior se tornou seu alvo mais visível. O republicano comprou uma briga extremamente pública com a associação College Board em razão do novo curso de colocação avançada (advanced placement, ou AP) da entidade em estudos afro-americanos – e nos últimos dias ampliou esse ataque sugerindo que a Flórida poderá parar de oferecer aulas AP em qualquer campo do conhecimento.

O que está acontecendo aqui? É fácil se envolver em debates sobre acusações contra cursos ou instituições em particular, mas essas discussões prescindem do contexto fundamental: a excepcional elevação na hostilidade da direita em relação à educação superior em geral.

Todas as acusações sobre professores de esquerda tentando doutrinar estudantes são falsas? Provavelmente não: os EUA são um país enorme, e isso certamente deve estar ocorrendo em algum lugar – apesar das acusações específicas feitas por críticos de direita serem com frequência tresloucadas. Em uma reunião com a College Board, autoridades da Flórida perguntaram se o novo curso AP estava “tentando avançar o pensamento pantera negra”. Pessoal, os Panteras Negras fecharam a lojinha quando Ron DeSantis era menino; quando pronunciamos essas palavras hoje a maioria das pessoas pensa que estamos falando do filme Pantera Negra: Wakanda Para Sempre.

PROGRESSISTAS. É verdade que docentes de universidades e acadêmicos tendem muito mais a se identificar como progressistas e votar no Partido Democrata do que o público em geral. Mas isso não prova necessariamente uma inclinação anticonservadora. Grande parte disso certamente reflete uma autosseleção: que tipo de pessoa decide perseguir a carreira acadêmica? Para comparar: a polícia tende a pender para o Partido Republicano, mas eu presumo que todos aceitem que isso tem relação principalmente com os indivíduos que pretendem se tornar policiais.

Não muito tempo atrás, a maioria dos americanos, de ambos os partidos, acreditava que universidades surtiam um efeito positivo nos EUA. Mas, desde a ascensão do trumpismo, os republicanos se tornaram muito negativos nesse aspecto.

Uma pesquisa recente mostra uma maioria avassaladora de republicanos concordando que professores tanto universitários quanto de ensino médio tentam “ensinar propaganda progressista”.

DOUTRINAÇÃO. Mas o que aconteceu aqui, na verdade? As universidades americanas – que até 2015 uma ampla maioria de republicanos considerava surtir influência positiva – viraram subitamente centros de doutrinação esquerdista? O mesmo ocorreu com as escolas de ensino médio, coordenadas por conselhos locais, de todo o país?

Claro que não.

O que aconteceu foi que os políticos trumpistas começaram a circular histórias assustadoras sobre educação – notavelmente denunciando escolas de ensino médio por ensinar Teoria Crítica da Raça mesmo quando elas não a ensinam. E os direitistas também expandiram enormemente sua definição do que é considerado “propaganda progressista”.

Portanto, quando alguém afirma que escolas na verdade não ensinam Teoria Crítica da Raça, a resposta tende a ser que, mesmo que não usem o termo, elas ensinam estudantes que o racismo foi por muito tempo uma grande força nos EUA e seus efeitos persistem até hoje. Não sei como seria possível lecionar história americana com honestidade sem mencionar esses fatos – mas para um número substancial de eleitores, ensinar fatos incômodos é na realidade uma forma de propaganda progressista.

E quando sua mentalidade é essa, você percebe doutrinação esquerdista em toda parte, não apenas na história e nas ciências sociais. Se uma aula de biologia explica a Teoria da Evolução e por que a maioria dos cientistas a aceita — ou, nesse mesmo campo, a teoria a respeito da maneira que as vacinas funcionam — bem, trata-se de mais propaganda progressista.

E assim, um grande segmento da população – o segmento que DeSantis corteja – tornouse hostil ao ensino superior em geral.

Como um aparte: é fato familiar que a política americana está cada vez mais polarizada em relação a linhas educacionais, com os mais escolarizados apoiando os democratas e os menos escolarizados apoiando os republicanos. Essa polarização com frequência é retratada como um sintoma de um fracasso democrata: por que o partido não consegue conquistar os eleitores brancos de classe trabalhadora? Mas é igualmente válido perguntar como os republicanos têm conseguido alienar eleitores escolarizados que podem se beneficiar de cortes de impostos. E a crescente hostilidade dos republicanos em relação à educação certamente é parte dessa resposta. PROSPERIDADE. Em qualquer caso, uma coisa triste é que esse impulso contra a educação ocorre precisamente em um momento no qual trabalhadores altamente escolarizados se tornam cada vez mais cruciais para a economia. Isso é especialmente óbvio quando consideramos dados regionais dos EUA: a porcentagem de população com grau universitário de uma cidade é um indicador poderoso para prever tanto sua prosperidade atual quanto seu crescimento futuro.

Isso não equivale a afirmar que o ensino superior dos EUA é perfeito. Em geral, nós certamente fetichizamos os diplomas-padrão pelos quatro anos de estudos, que não é apropriado para todas as pessoas e negligencia gritantemente formas de educação como treinamentos de aprendizes e estágios, que podem ser mais úteis para muita gente. Mas essa é uma história completamente diferente.

Por agora, o importante a entender é que pessoas como DeSantis estão atacando a educação não porque ela leciona propaganda progressista, mas porque ela não sustenta a ignorância que eles pretendem conservar.

*Paul Krugman The New York Times É colunista e ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2008

3 comentários:

Anônimo disse...

O Original:
https://www.nytimes.com/2023/02/16/opinion/education-desantis.html

versão em Espanhol:
https://www-nytimes-com.translate.goog/2023/02/16/opinion/education-desantis.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es

e + A história da inflação mudou significativamente. Paul Krugman quebra tudo.

https://www-nytimes-com.translate.goog/2023/02/17/opinion/ezra-klein-podcast-paul-krugman.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

Transcrição da entrevista
https://www-nytimes-com.translate.goog/2023/02/17/opinion/ezra-klein-podcast-paul-krugman.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

Anônimo disse...

Parafraseando o final do excelente texto do professor americano:
Pessoas como Bolsonaro, Abraham Weintraub e outros olavistas atacam as universidades públicas e os profissionais da educação não porque estes lecionem propaganda progressista, mas porque não sustentam a ignorância que os bolsonaristes e olavistas pretendem espalhar, como demonstram os 4 anos de tragédia educacional e social no DESgoverno Bolsonaro. O GENOCÍDIO foi consequência do "pensamento" bolsonarista-olavista.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.