Valor Econômico
Supervisão bancária dos países ricos segue
frouxa 15 anos depois
No dia 15 de setembro de 2008, o centenário
banco de investimento americano Lehman Brothers quebrou. A crise financeira dos
países ricos, que eclodiu em meados do ano anterior, espalhou-se, então, pelo
restante do mundo, dados os efeitos sistêmicos que a falência do Lehman
provocara nos mercados.
Até aquele momento, os chamados mercados
emergentes ainda não haviam sido afetados pelo contágio da crise bancária, cujo
epicentro estava nos EUA. A economia mundial vivia, desde o início deste
século, o fenômeno do "boom" de commodities, resultante do
crescimento acelerado, acima de dois dígitos ao ano, da China.
O Brasil era - e ainda é - um dos principais beneficiários do ciclo chinês por ser um produtor competitivo de commodities. Para crescer, os chineses precisam importar energia (principalmente, petróleo), minério de ferro e alimentos.
A economia brasileira tem dinamismo justamente
na produção de minério e de alimentos (especialmente, em soja, produto crucial
da dieta de povos asiáticos); no segmento de petróleo, já poderia ser um grande
exportador, não fosse o monopólio que a estatal Petrobras ainda detém de fato,
embora não de direito, no setor. O país é protagonista também na produção de
celulose.
Evidentemente, a desaceleração da economia
global já estava contratada antes mesmo da quebra do Lehman Brothers, uma vez
que os países ricos já estavam perdendo produto em decorrência do vendaval
financeiro. Portanto, a crise bateria às portas dos emergentes em questão de
mais algum tempo. O Lehman antecipou tudo - um exemplo do impacto por aqui: no
último trimestre de 2008, o PIB brasileiro teve parada súbita.
O colapso do banco Credit Suisse (CS)
mostra que, 15 anos depois da crise de 2008, considerada a mais grave desde a
Grande Depressão de 1929, nações ricas continuam supervisionando muito mal seus
bancos. Repetição de casos de fraude e de falhas nos controles de instituições
como o CS explicita a assimetria de poder que marca hoje a relação entre
reguladores e os grandes bancos.
Processos de falência de casas bancárias
seriam idênticos aos de empresas não financeiras, não fossem seus impactos
sobre a economia real no momento seguinte. No caso de instituições como o
Credit, os efeitos são disseminados, uma vez que o banco suíço atua num mercado
financeiro integrado pelas economias avançadas (EUA, União Europeia, Japão).
É por essa razão que a compra do CS por seu
rival UBS, numa operação articulada pelas autoridades suíças, foi tão bem
recebida mundo afora. O problema de crises envolvendo bancos é que seu ativo
principal em momentos de nervosismo como o atual - confiança de depositantes
(pessoas físicas e empresas), pensionistas, investidores etc. - abala-se muito
facilmente. Portanto, os mercados só vão se acalmar se, nos próximos dias e
semanas, não surgirem novos casos de bancos à deriva.
O movimento do Federal Reserve (Fed), o
banco central americano, para prover liquidez aos mercados, com a ajuda de
outros cinco bancos centrais, faz parte justamente do esforço para evitar-se
uma crise "sistêmica". Nesta hora, o abalo da confiança não é
"privilégio" de um único mercado.
Os EUA liquidaram dois bancos entre os dias
10 e 12 deste mês, um deles vinculado ao setor de tecnologia (financiamento de
startups, fato que certamente terá desdobramentos negativos no setor mais
dinâmico das economias americana e mundial). A quebra do Signature Bank, de
Nova York, foi o terceiro maior caso de falência da história do país.
Definitivamente, há algo de podre no "reino" do sistema financeiro
mundial.
O fato é que passou da hora de os Estados
soberanos repensarem a regulação de seus sistemas financeiros. O caso do CS, um
banco de investimento fundado em 1856, é exemplar no que diz respeito à
negligência das autoridades na supervisão financeira. Em 2009, depois de
concluir uma série de aquisições, o CS foi eleito o "Banco do Ano"
pela prestigiosa "International Financing Review". Nos anos
seguintes, a instituição protagonizou uma série de escândalos, envolvendo casos
de lavagem de dinheiro e fraudes na gestão de recursos, que, por sua natureza,
já deveriam ter motivado as autoridades a agirem para evitar que o problema se
agravasse.
Banco trabalha com intermediação
financeira, isto é, administra o seu, o meu, o dinheiro do público, portanto, é
coisa muito séria para estar nas mãos de executivos que não cometeram uma, mas
várias malfeitorias ao longo dos anos. Fica a indagação: o que impede
autoridades de países ricos, com democracias assentadas há mais de século, de
atuar de maneira mais firme na prevenção de irregularidades que se sucedem em
grandes instituições financeiras?
A máxima "too big to fail" (em
tradução livre, "muito grande para quebrar"), usada por reguladores
do sistema financeiro para justificar o salvamento de grandes instituições, é
licença para que executivos incompetentes e/ou inescrupulosos coloquem em risco
o dinheiro e a poupança de centenas de milhões de pessoas, o que, por sua vez,
no momento posterior, ameaça inclusive os empregos de trabalhadores de países
tão distantes da Suíça ou dos EUA quanto o Brasil?
Antes que um ufanista bata no peito para
regozijar-se da "fortaleza" do nosso sistema bancário, é bom saber
que o furacão da crise dos ricos não nos varre de imediato porque os bancos
brasileiros não estão no mapa do mercado financeiro integrado de EUA, UE e
Japão. As consequências de estragos nessas economias, sim, todos sentiremos,
caso a crise se agrave. Isto ocorre porque os países envolvidos perdem riqueza,
renda, liquidez, produto, e isso evidentemente afeta tanto sua demanda por
nossas exportações quanto a disponibilidade de recursos para investir aqui.
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