quinta-feira, 23 de março de 2023

Cristiano Romero - Credit Suisse é o novo Lehman Brothers?

Valor Econômico

Supervisão bancária dos países ricos segue frouxa 15 anos depois

No dia 15 de setembro de 2008, o centenário banco de investimento americano Lehman Brothers quebrou. A crise financeira dos países ricos, que eclodiu em meados do ano anterior, espalhou-se, então, pelo restante do mundo, dados os efeitos sistêmicos que a falência do Lehman provocara nos mercados.

Até aquele momento, os chamados mercados emergentes ainda não haviam sido afetados pelo contágio da crise bancária, cujo epicentro estava nos EUA. A economia mundial vivia, desde o início deste século, o fenômeno do "boom" de commodities, resultante do crescimento acelerado, acima de dois dígitos ao ano, da China.

O Brasil era - e ainda é - um dos principais beneficiários do ciclo chinês por ser um produtor competitivo de commodities. Para crescer, os chineses precisam importar energia (principalmente, petróleo), minério de ferro e alimentos.

A economia brasileira tem dinamismo justamente na produção de minério e de alimentos (especialmente, em soja, produto crucial da dieta de povos asiáticos); no segmento de petróleo, já poderia ser um grande exportador, não fosse o monopólio que a estatal Petrobras ainda detém de fato, embora não de direito, no setor. O país é protagonista também na produção de celulose.

Evidentemente, a desaceleração da economia global já estava contratada antes mesmo da quebra do Lehman Brothers, uma vez que os países ricos já estavam perdendo produto em decorrência do vendaval financeiro. Portanto, a crise bateria às portas dos emergentes em questão de mais algum tempo. O Lehman antecipou tudo - um exemplo do impacto por aqui: no último trimestre de 2008, o PIB brasileiro teve parada súbita.

O colapso do banco Credit Suisse (CS) mostra que, 15 anos depois da crise de 2008, considerada a mais grave desde a Grande Depressão de 1929, nações ricas continuam supervisionando muito mal seus bancos. Repetição de casos de fraude e de falhas nos controles de instituições como o CS explicita a assimetria de poder que marca hoje a relação entre reguladores e os grandes bancos.

Processos de falência de casas bancárias seriam idênticos aos de empresas não financeiras, não fossem seus impactos sobre a economia real no momento seguinte. No caso de instituições como o Credit, os efeitos são disseminados, uma vez que o banco suíço atua num mercado financeiro integrado pelas economias avançadas (EUA, União Europeia, Japão).

É por essa razão que a compra do CS por seu rival UBS, numa operação articulada pelas autoridades suíças, foi tão bem recebida mundo afora. O problema de crises envolvendo bancos é que seu ativo principal em momentos de nervosismo como o atual - confiança de depositantes (pessoas físicas e empresas), pensionistas, investidores etc. - abala-se muito facilmente. Portanto, os mercados só vão se acalmar se, nos próximos dias e semanas, não surgirem novos casos de bancos à deriva.

O movimento do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, para prover liquidez aos mercados, com a ajuda de outros cinco bancos centrais, faz parte justamente do esforço para evitar-se uma crise "sistêmica". Nesta hora, o abalo da confiança não é "privilégio" de um único mercado.

Os EUA liquidaram dois bancos entre os dias 10 e 12 deste mês, um deles vinculado ao setor de tecnologia (financiamento de startups, fato que certamente terá desdobramentos negativos no setor mais dinâmico das economias americana e mundial). A quebra do Signature Bank, de Nova York, foi o terceiro maior caso de falência da história do país. Definitivamente, há algo de podre no "reino" do sistema financeiro mundial.

O fato é que passou da hora de os Estados soberanos repensarem a regulação de seus sistemas financeiros. O caso do CS, um banco de investimento fundado em 1856, é exemplar no que diz respeito à negligência das autoridades na supervisão financeira. Em 2009, depois de concluir uma série de aquisições, o CS foi eleito o "Banco do Ano" pela prestigiosa "International Financing Review". Nos anos seguintes, a instituição protagonizou uma série de escândalos, envolvendo casos de lavagem de dinheiro e fraudes na gestão de recursos, que, por sua natureza, já deveriam ter motivado as autoridades a agirem para evitar que o problema se agravasse.

Banco trabalha com intermediação financeira, isto é, administra o seu, o meu, o dinheiro do público, portanto, é coisa muito séria para estar nas mãos de executivos que não cometeram uma, mas várias malfeitorias ao longo dos anos. Fica a indagação: o que impede autoridades de países ricos, com democracias assentadas há mais de século, de atuar de maneira mais firme na prevenção de irregularidades que se sucedem em grandes instituições financeiras?

A máxima "too big to fail" (em tradução livre, "muito grande para quebrar"), usada por reguladores do sistema financeiro para justificar o salvamento de grandes instituições, é licença para que executivos incompetentes e/ou inescrupulosos coloquem em risco o dinheiro e a poupança de centenas de milhões de pessoas, o que, por sua vez, no momento posterior, ameaça inclusive os empregos de trabalhadores de países tão distantes da Suíça ou dos EUA quanto o Brasil?

Antes que um ufanista bata no peito para regozijar-se da "fortaleza" do nosso sistema bancário, é bom saber que o furacão da crise dos ricos não nos varre de imediato porque os bancos brasileiros não estão no mapa do mercado financeiro integrado de EUA, UE e Japão. As consequências de estragos nessas economias, sim, todos sentiremos, caso a crise se agrave. Isto ocorre porque os países envolvidos perdem riqueza, renda, liquidez, produto, e isso evidentemente afeta tanto sua demanda por nossas exportações quanto a disponibilidade de recursos para investir aqui.

 

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