O Globo
Em meio às lulices dos últimos dias, um
dado passou despercebido: em 2020, a economia da cultura e das indústrias
criativas (ECIC) movimentou cerca de R$ 230,14 bilhões. O valor corresponde a
3,11% do PIB brasileiro.
Não é pouca coisa. Vou desenhar para que os bolsonaristas e os velhos petistas
entendam o alcance dos dados: no mesmo ano, o setor automotivo representou
2,1%.
Os dados, divulgados pelo Observatório Itaú
Cultural, foram montados a partir de uma metodologia própria com base no
cruzamento de informações recolhidas junto ao IBGE.
A ECIC reúne segmentos como cinema, rádio, mercado editorial, música, TV, artes
cênicas e visuais, publicidade, design, museu, patrimônio e moda.
Outro número importante: em 2020, a ECIC empregava em torno de 7,4 milhões de trabalhadores em cerca de 130 mil empresas. De novo, é de tirar o chapéu. O PIB ECIC em 2019 representava 2,81% das riquezas brasileiras. Cresce bastante, apesar da pasmaceira brasileira.
O segmento criativo contempla ainda o
desenvolvimento de softwares e jogos virtuais. Os tais games, que Lula acredita
formarem pessoas violentas, são hoje no mundo um dos maiores mercados de
entretenimento. Maior que a música. Também crescem brutalmente no Brasil.
Empresas como a Wildlife, dos irmãos Lazarte, vendem seus produtos em todo o
planeta. Seus games já atingiram cerca de 3 bilhões de downloads.
Outro dado: os produtos da ECIC responderam
em 2020 por 2,4% das exportações brasileiras. Não estamos falando de
commodities, da economia extrativista tão ao gosto brasileiro desde o
Descobrimento. Ou do autoafamado agronegócio, cujos impostos de exportação,
quando pagos, são baixíssimos ou mesmo zero (a tal soja). A ECIC não polui,
também não desmata. Para chegar aos consumidores, necessita de produtos criados
com inteligência, conhecimento e, no caso dos games, tecnologias avançadas.
Precisa de educação.
Ocorre que, nos últimos anos, a ECIC é
vítima das perfídias da extrema direita. Os patriotas, na parolagem habitual,
assestaram baterias contra as leis de incentivo, como a Rouanet, posta no papel
de bandida. Curiosamente, tais leis patrocinam uma percentagem muito pequena da
cadeia criativa. A maior parte dos resultados é conquistada junto ao mercado,
ao conquistar consumidores.
Aí estamos falando de produtos como livros,
cinema, moda, softwares, entre outros, que transmitem conhecimento, auxiliam na
formação e educação, além de ajudarem na compreensão do que seja o mundo.
Melhor: trazem beleza à vida. Aí está uma das saídas para o imbróglio
brasileiro de ser um eterno país do futuro ou uma rematada promessa de
emergente em soluços.
Quando o ministro do Trabalho, Luiz
Marinho, surge com a ideia de colocar rédeas nos aplicativos, como Rappi e
IFood, nunca oferece uma alternativa sintonizada com a economia contemporânea.
Ainda usa seu cacoete de sindicalista, esquecendo que as fábricas automatizadas
prescindem de trabalhadores, e mesmo os exércitos necessitam hoje mais de
tecnologia que de soldados.
Marinho e Lula deveriam conhecer um projeto
como o AfroGames, hoje ancorado em algumas comunidades cariocas, como Vigário
Geral. Ali, jovens pobres, esses que caem na mão do tráfico por falta de
oportunidades, são tornados desenvolvedores de jogos, criam aplicativos e obtêm
colocações em empresas da área. Em três anos do projeto, foram formadas algumas
dezenas de profissionais num setor carente de mão de obra especializada. Só no
Porto Digital do Recife há milhares de vaga abertas porque o Brasil não tem
política pública voltada à formação tecnológica em escala maior. Sem esquecer,
na outra mão, que a taxa de desemprego anda na casa dos dois dígitos desde o
desastre Dilma-Mantega.
Assim como o chip da economia compartilhada
não chegou ainda a Luiz Marinho, Lula também parece não entender o novo mundo
do trabalho. Ficou espantado com as fábricas de automóveis dando férias
coletivas, dado que as vendas andam baixas — o carro “popular” custa R$ 70 mil!
Deu um arrepio na espinha — a qualquer instante podem ocorrer novos subsídios
ao setor, à semelhança de Lula 1 e 2. Sob a desculpa de que o segmento
(dominado pelas multinacionais) é uma cadeia de muitos empregos. Sabe-se que
o PT teve
origem no ABC Paulista, junto às fábricas de automóveis. Tanta recorrente
atenção à área soa mais uma questão psicanalítica — como a síndrome da paixão
pelo sequestrador — do que econômica.
Os dados da ECIC bem sugerem um caminho
novo aos atuais gestores ainda a bordo de conceitos desparafusados. Não polui,
não desmata, não engorda e dá prazer. (Dinheiro também.)
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