terça-feira, 6 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Piso da enfermagem deveria ser alerta para Parlamento

O Globo

Levantamento verificou que tramitam no Congresso 148 projetos com a mesma natureza absurda

Não parece ter limite a desconexão da realidade que toma conta dos grupos organizados com capacidade de pressão política. Tramitam no Congresso, de acordo com levantamento do site Poder360, nada menos que 148 propostas para criar pisos salariais para 59 categorias profissionais, 133 na Câmara e 15 no Senado. A exemplo do piso nacional instituído para a enfermagem, proliferam propostas que tentam garantir remuneração mínima para toda sorte de ocupação.

Estão na lista psicólogos, médicos, dentistas, veterinários, biólogos, histotecnologistas, técnicos agrícolas e industriais, agentes comunitários, assistentes sociais, professores, educadores físicos, instrutores de artes marciais, operadores de telemarketing, costureiras, nutricionistas, fisioterapeutas, garçons, farmacêuticos, vigilantes, mecânicos e, naturalmente, os onipresentes bombeiros e policiais. Felizmente, até agora a única tentativa que deu certo foi a dos enfermeiros. Ela revela tudo o que há de absurdo nessas iniciativas.

A ideia de gravar o patamar mínimo de remuneração na lei ou na própria Constituição não tem o menor cabimento do ponto de vista econômico. Para começar, os custos das atividades são distintos num país continental como o Brasil. Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo contra o piso da enfermagem no Supremo, “pisos nacionais num país com as diferenças e as desigualdades regionais do Brasil, como regra geral, não parecem ser boa ideia”.

Além das diferenças regionais apontadas por Barroso, há um problema mais grave: numa economia de mercado, não cabe ao Estado legislar sobre o valor dos contratos negociados livremente entre empregadores e empregados. A consequência desse tipo de intervenção é a pior possível: engessamento do mercado, inviabilização de milhares de empresas, aumento do desemprego e da informalidade. É o que já se vislumbra no caso da enfermagem, cujo piso imediatamente pôs no horizonte a bancarrota de prefeituras e serviços privados de saúde.

O plenário do STF referendou a liminar de Barroso que suspendeu a aplicação do piso da enfermagem em setembro do ano passado. Mas o próprio Barroso autorizou o pagamento depois que o Congresso deu um jeito de aprovar o financiamento do Tesouro a estados e municípios que não tinham como arcar com o custo. Como em qualquer outra das benesses do funcionalismo, quem pagará a conta é o contribuinte, num momento em que o país enfrenta uma crise fiscal sem paralelo.

Quanto ao setor privado, não é muito difícil enxergar os efeitos nefastos da solução adotada por Barroso. Ele deu 45 dias de prazo para as empresas negociarem com os sindicatos remuneração menor, sob pena de terem de pagar o piso depois de esgotado o prazo, na primeira semana de julho. Parece evidente o que acontecerá com hospitais, clínicas e laboratórios que não tiverem condição de manter o nível de remuneração mais alto. Farão as contas e promoverão ondas de demissões. Sairá prejudicada a saúde da população, que precisa dos enfermeiros.

A mesma sucessão de eventos acontecerá com qualquer categoria para a qual o Congresso se meter a assegurar benefícios economicamente insustentáveis. Bastará os parlamentares cederem aos lobbies e grupos de pressão empenhados nesses 148 projetos para a realidade tratar de se impor.

Dificuldades da Caixa expõem riscos do uso político das estatais

O Globo

Usado na concessão de consignado a quem não teria como pagar, banco agora pede ajuda ao Tesouro

Caixa Econômica Federal pediu ao Ministério da Fazenda para adiar o pagamento de uma dívida de cerca de R$ 20 bilhões com o Tesouro. A dificuldade revela o custo do uso político do banco durante o governo Jair Bolsonaro.

Durante a pandemia, não houve nenhum problema para o banco pagar os auxílios emergenciais, repassando recursos do Tesouro por meio de sua ampla rede de agências. O desequilíbrio financeiro veio da concessão de crédito consignado aos beneficiários de programas assistenciais, com o objetivo de ajudar o projeto político de reeleição de Bolsonaro. Ao redor de R$ 3 bilhões foram liberados a 3,8 milhões de clientes sem avaliar o risco de crédito. O resultado dos empréstimos duvidosos são índices de inadimplência que chegam a 80% — e deverão ser compensados em parte pelo Fundo Garantidor de Microfinanças (FGM).

Bancos privados enfrentam os mesmos problemas da Caixa em seus negócios: uma economia que patina e sofre as consequências da alta de juros. Mas, por não terem como pedir socorro ao Tesouro, precisam agir de outra forma. Para começar, nenhum banco privado entrou na onda de conceder empréstimo consignado a quem recebia Auxílio Brasil ou outros programas sociais.

No último trimestre de 2022, o Bradesco registrou lucro líquido de R$ 1,5 bilhão, 76% abaixo do apurado no mesmo período do ano anterior. A principal causa da queda foi ter provisionado como reserva todo o crédito concedido às Lojas Americanas, R$ 4,8 bilhões, antes mesmo de a empresa anunciar que enfrentava problemas. O Itaú, maior banco privado brasileiro, seguiu o mesmo caminho. No último trimestre de 2022, provisionou R$ 1,3 bilhão como precaução diante das dificuldades das Americanas, mesmo assim obteve um lucro de R$ 7,6 bilhões.

A Caixa, por seu turno, apresentou lucro contábil de R$ 9,8 bilhões, sem nenhuma provisão para os créditos que fora obrigada a conceder em razão dos programas demagógicos de Bolsonaro. Era sinal do que estava para acontecer. O socorro agora depende do Plano Plurianual que será concluído no mês que vem. A presidente do banco, Rita Serrano, foi às redes sociais falar sobre a situação financeira. Não hesitou ao relacioná-la ao impacto de programas sociais lançados pelo governo anterior.

Enquanto a Caixa bate às portas do Tesouro, as instituições privadas têm de contornar as dificuldades por si sós. É espantoso que um banco estatal seja dilapidado sem que tenha havido nenhuma reação institucional da burocracia estatal. Agora, espera-se que não seja permitida a transferência de dinheiro do contribuinte para cobrir o rombo da Caixa. Seria o fim da picada.

PEC da Desfaçatez

Folha de S. Paulo

Proposta que perdoa infrações de partidos é escândalo que rebaixa o Congresso

Não foi por acaso que a proposta de emenda à Constituição número 9/2023 ganhou, mesmo entre seus defensores, o apelido de PEC da Anistia. Com essa iniciativa, os parlamentares querem assegurar que permaneçam impunes irregularidades cometidas pelos partidos políticos no uso de dinheiro público nos últimos ciclos eleitorais.

Reconheça-se a qualidade da alcunha; talvez fosse melhor, contudo, chamar a proposta de PEC da Desfaçatez. Pois é disso que se trata: deputados e senadores não se pejam de modificar o texto constitucional com o único objetivo de se protegerem das punições que, tudo indica, eram líquidas e certas.

Em defesa do Congresso, diga-se que coerência não lhe falta. Essa não será a primeira vez que, num gesto de onipotência, ele não só pede perdão a si próprio como também o concede, garantindo que infrações às regras do jogo mereçam nada além de um profundo oblívio.

Mais que a repetição de um padrão imoral sob qualquer ponto de vista, o que chama a atenção são as cifras recordes envolvidas. Conforme mostrou reportagem da Folha, os partidos políticos, em conjunto, deram um calote de R$ 900 milhões em candidaturas de mulheres e de pessoas negras.

Pelas normas em vigor nas eleições de 2022, as agremiações estavam obrigadas a repassar recursos para mulheres e pessoas negras de forma proporcional à quantidade de candidaturas. Ocorre que, da direita à esquerda, do governo de turno à oposição, quase nenhuma legenda cumpriu esse ditame.

Que os políticos gostem ou não desse tipo de ação afirmativa é irrelevante. A eles compete produzir leis, não descumpri-las.

O caso das cotas nem é a única infração cometida quase à unanimidade. Há ainda a malversação do dinheiro público detectada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Ao julgar com atraso as contas dos partidos relativas a 2017, a corte determinou a devolução aos cofres públicos de ao menos R$ 40 milhões, a título de ressarcimento e multa —valor que ainda precisa ser corrigido pela inflação.

Entre as situações mais graves está a do Pros, partido do qual quase ninguém se lembra e que foi incorporado ao Solidariedade neste ano. Pois essa agremiação nanica julgou oportuno queimar o dinheiro do contribuinte em itens como 3.700 quilos de carne, além da construção de uma piscina e da reforma da casa de Eurípedes Jr., que vem a ser ex-presidente do Pros.

A PEC da Anistia ainda está em tramitação no Congresso, o que significa que deputados e senadores ainda podem se corrigir. Caso não o façam, estarão dizendo para toda a sociedade que não têm escrúpulo de amesquinhar o valor da Casa a que pertencem.

Retomar a imunização

Folha de S. Paulo

Covid afeta cobertura, que cai desde 2016; é preciso diagnosticar gargalos

No dia 5 de maio, a Organização Mundial da Saúde decretou o fim do estado de emergência da pandemia de Covid-19. Mesmo assim, a situação ainda inspira cuidados.

Na semana epidemiológica do fim do mês de maio, 22,2 mil novos casos e 243 óbitos foram registrados no Brasil. O aspecto alarmante de fato arrefeceu graças aos imunizantes. Mas, apesar dos benefícios constatados, a cobertura vacinal contra o Sars-CoV-2 no país enfrenta dificuldades.

Os dados sobre a vacina bivalente —que combina a cepa original com a ômicron, predominante em todo o mundo— são sintomáticos.

Apesar de ter sido lançada em fevereiro para grupos prioritários e liberada no final de abril para toda a população acima de 18 anos, até agora apenas 12,1% dos brasileiros tomaram o imunizante. São Paulo, estado com melhor desempenho, tem só 17,2% de cobertura; Roraima e Acre têm ínfimos 3,6% e 4,4%, respectivamente.

Ademais, a pandemia impactou a imunização contra outras doenças. Em abril, o Unicef chegou a emitir um alerta: a vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola no Brasil caiu de 93,1%, em 2019, para 71,5% em 2021, e a da poliomielite, de 84,2% para 67,7%.

Os índices já vinham caindo desde 2016, mas a tendência se acentuou na crise sanitária. O colapso dos serviços de saúde e o medo das famílias de se contaminarem com o coronavírus levaram à queda na vacinação —na primeira infância, crianças são imunizadas contra ao menos 17 doenças.

Não à toa, uma das prioridades listadas por Nísia Trindade, ministra da Saúde, em entrevista à Folha, foi a ampliação da cobertura vacinal. A chefe da pasta reconhece que há problemas e aponta que o governo voltou a fazer campanha de conscientização —de fato lançada em 27 de fevereiro.

É bem-vinda a intenção de focar o trabalho em áreas carentes, como a região amazônica, e de articular lideranças religiosas, formadores de opinião e Ministério da Educação para esclarecer a população sobre a importância da imunização.

Nísia também falou sobre o perigo da desinformação online, publicada inclusive por médicos. O Conselho Federal de Medicina, por óbvio, tem o dever de avaliar e julgar os casos. Mas, dado que o enfraquecimento da cobertura vacinal é anterior à pandemia, é preciso diagnosticar os gargalos no programa de imunização brasileiro, não apenas contra o coronavírus.

 Educação também é gasto

O Estado de S. Paulo

Seria conveniente atribuir as falhas do ensino público a uma questão de recursos, mas seria também um equívoco. Todas as receitas e despesas devem ser contabilizadas pelo arcabouço fiscal

Após sua aprovação pela Câmara dos Deputados, a proposta que cria um novo arcabouço fiscal chegou ao Senado, onde a expectativa é que seja apreciada ainda no primeiro semestre. Embora o Senado seja menos hostil ao governo, senadores têm defendido mudanças para excluir algumas rubricas do alcance do dispositivo, como as despesas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Essas alterações, ao contrário do que acreditam alguns senadores, não trarão benefícios nem à educação nem à política fiscal e, portanto, não podem prosperar.

Por trás desse tipo de proposta estão embutidos vários erros conceituais sobre a política fiscal, mas também um julgamento moral descabido sobre o mérito do gasto público. É como se houvesse recursos limitados para algumas áreas e infinitos para outras, um pensamento simplista que não tem contribuído para melhorar a qualidade do ensino no País.

Sob o ponto de vista orçamentário, é fato que a educação sempre foi tratada com prioridade. Diferentemente da maioria das áreas, a educação conta com um piso de gastos definido no texto constitucional. Desde 1988, a União não pode aplicar menos de 18% de suas receitas com impostos no ensino, enquanto Estados e municípios têm um limite mínimo de 25%.

Em 2016, durante a discussão do teto de gastos, os parlamentares blindaram a educação do limite imposto às demais áreas e garantiram que suas despesas fossem corrigidas pela variação da inflação. Gastos adicionais também seriam possíveis, desde que fossem compensados com cortes no Orçamento de outras áreas.

Em plena pandemia de covid-19, à revelia do que desejava o governo de Jair Bolsonaro, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que tornou o Fundeb permanente e aumentou consideravelmente a participação da União no custeio do fundo, garantindo o piso salarial dos professores e um valor mínimo por aluno matriculado no ensino público.

Seria, portanto, conveniente atribuir as inúmeras falhas da educação brasileira a uma questão de recursos, mas seria também um equívoco, como bem salientou a secretária executiva do Ministério da Educação, Izolda Cela, no recente evento Reconstrução da Educação, realizado pelo Estadão.

Izolda Cela salientou que a área não carece de mais recursos financeiros, mas de planejamento e da efetiva implementação de boas políticas públicas. Sobre o ensino integral, por exemplo, a secretária executiva afirmou que o período que os alunos passam na escola precisa vir acompanhado de mais qualidade. “Não é só um ‘mais tempo’ de qualquer jeito”, disse.

A secretária executiva está coberta de razão. Nos últimos anos, não foram poucas as ocasiões em que recursos da educação, ainda que reservados, ficaram “empoçados” sem serem executados ou remanejados para outras finalidades dentro da própria pasta. E, ao menos até agora, o governo Lula não contingenciou gastos da educação. Dizer isso não é o mesmo que afirmar que o ensino público não precise de dinheiro, mas avançar na direção da melhoria do gasto, um debate que o País se recusa a enfrentar há décadas.

No caso do debate sobre o arcabouço fiscal, o que parece é que a educação tem sido usada como desculpa para abrir a fila de exceções a serem contabilizadas na apuração da meta fiscal. Junto com a educação, senadores querem excluir do alcance da norma, também, o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que custeia as forças de segurança da capital federal.

Como já afirmamos neste espaço, incluir o Fundeb nos limites do arcabouço fiscal não é falta de sensibilidade com uma área ou outra, mas o simples atendimento de princípios fiscais básicos, como a obrigatoriedade de que toda a receita e toda a despesa primária sejam computadas na apuração da meta (ver editorial Meritório ou não, gasto é gasto, de 23/5/2023).

Vale para a educação, mas vale também para a saúde e para todas as outras áreas. O País precisa aprender a fazer escolhas e a arcar com o peso da responsabilidade por cada uma delas. A educação, afinal, não pode servir de bode expiatório para o fracasso da política fiscal.

O arriscado ‘negócio da China’

O Estado de S. Paulo

Programa chinês para financiar projetos mal planejados e possivelmente explorados por corruptos locais na África, Ásia e América Latina ameaça asfixiar países em desenvolvimento

Em 2013, o presidente chinês, Xi Jinping, anunciou um vasto programa de financiamento de infraestrutura em economias emergentes. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), disse ele, era o “projeto do século”. Com efeito, a China se tornou o maior credor bilateral do mundo, especialmente para os países em desenvolvimento, eclipsando até o Banco Mundial e o FMI. Dez anos depois, as falhas no programa – incluindo a sua opacidade, gerenciamento de risco insuficiente e a participação de algumas das nações devedoras menos confiáveis do mundo – estão forçando Pequim a uma operação para apagar incêndios, com o risco de precipitar uma “crise da dívida do século” para o mercado emergente.

A China financiou projetos de infraestrutura em dezenas de países, desde ferrovias na África, portos na Ásia e estradas na América Latina, que, somados, beiram US$ 1 trilhão. Os críticos chamaram a iniciativa de “diplomacia de armadilha da dívida”, para forçar os devedores a ceder ativos estratégicos, como portos e minas. Uma vez que os termos e condições dos empréstimos são sigilosos, é difícil avaliar se e até que ponto foi esse o caso. Especialistas apontam que os empréstimos vêm de dúzias de bancos espalhados pelo país e são aleatórios demais para serem coordenados de cima. De acordo com o centro de pesquisas AidData, do College of William and Mary, na Virgínia, os contratos iniciais estavam em linha com os preços de mercado. Na maioria dos casos, os bancos chineses não exigiam dos tomadores de empréstimo a penhora de ativos físicos. No entanto, os bancos chineses exigiam que os países mantivessem uma conta separada a ser tomada ou bloqueada em caso de disputa, o que, somado às condições de confidencialidade, tornava difícil para outros credores e os próprios cidadãos desses países monitorar as condições financeiras do governo.

Já no final da década passada, o pagamento das dívidas começou a escassear. Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, os riscos de calotes se multiplicaram. Novos empréstimos foram feitos pela China, mais para evitar novos calotes, especialmente na África, do que em novos projetos. Esses empréstimos, segundo o Kiel Institute for the World Economy, tomaram novas formas. Eles seguem opacos, mas, além disso, comportam juros inusualmente altos. De resto, não são canalizados para todos os participantes da BRI, mas exclusivamente para os que representam riscos para os bancos chineses. É difícil contornar a suspeita de agiotagem em escala internacional.

Obviamente, os países estrangulados pelo garrote chinês não são meras vítimas inocentes. É mais do que plausível supor que boa parte dessas obras foi feita sem planejamento adequado e se tornou campo fértil para esquemas de corrupção das elites locais. Mas o fato, como disse o premiê alemão, Olaf Scholz, é que “há um perigo sério de que a próxima grande crise do Sul Global seja alavancada pelos empréstimos que a China distribuiu pelo mundo”.

Esforços do G-20, do qual a China faz parte, para criar um “Quadro Comum” de reestruturação da dívida provaram-se letra morta. A cooperação exigiria compartilhar informações, mas a China prefere conduzir suas negociações em privado, frequentemente exigindo pagamentos em commodities ou seus ganhos futuros, e “furando a fila” dos outros credores.

“Na minha visão, nós temos de arrastá-los – mas talvez esse termo seja rude. Nós precisamos caminhar juntos”, afirmou a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, a respeito da China. “Porque, se não o fizermos, haverá catástrofe para muitos, muitos países.”

É do interesse de todo o mundo, incluindo Pequim, criar um sistema eficiente de resolução de dívidas e empréstimos emergenciais para conter a crise dos mercados emergentes que se avizinha. Em alguns casos críticos, como na Zâmbia ou Sri Lanka, a China chegou a cooperar com o FMI em pacotes de resgate. Mas, para ampliar essa cooperação, será indispensável que os credores chineses tragam à luz os termos de seus empréstimos e aceitem soluções multilaterais equânimes para todos os credores.

Por que Juscelino ainda é ministro?

O Estado de S. Paulo

Está elástica demais a tolerância de Lula com as estripulias de seu ministro das Comunicações

O que falta para o presidente Lula da Silva demitir o ministro das Comunicações, Juscelino Filho? Depois de abrir as portas do Ministério para que o sogro, o empresário Fernando Fialho, transformasse a pasta em escritório privado, o que mais Juscelino teria de fazer para que Lula, enfim, acordasse para o fato de que seu auxiliar direto não reúne condições morais e políticas para permanecer no cargo?

Fernando Fialho não foi nomeado para cargo público algum. Não deveria, portanto, bater ponto no gabinete do ministro das Comunicações. Para adicionar insulto à injúria, o empresário fez troça do País ao afirmar que, “em respeito à administração pública”, sua nomeação “jamais foi cogitada” pelo genro, haja vista a relação de parentesco entre os dois.

Procurado pelo Estadão, Juscelino confirmou que o sogro se aboletou em sua cadeira de maneira informal, para prestar “apoio” devido à sua “experiência”. Resta saber em que área, pois em telecomunicações não é.

O sogro empresário já foi diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e secretário de Desenvolvimento Social e Agricultura Familiar do Maranhão. Sua passagem pelo governo estadual, aliás, o fez réu em uma ação penal por suspeita de desvio de R$ 4,9 milhões em recursos públicos por meio de um convênio firmado entre a secretaria e um obscuro instituto mantido por laranjas. Mas, à luz do interesse público, ainda que a reputação do empresário fosse imaculada, sua presença no Ministério já seria totalmente irregular.

Como este jornal tem revelado há meses, brotam evidências por todos os lados de que Juscelino usa despudoradamente seu cargo no primeiro escalão do governo para cuidar de seus interesses particulares. O ministro já fraudou viagens oficiais para participar de leilões de cavalos em São Paulo; já escondeu patrimônio da Justiça Eleitoral; já pagou os salários de funcionários de suas propriedades com verba de gabinete da Câmara dos Deputados; já utilizou recursos do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que dá acesso às suas fazendas no Maranhão.

A facilitação para o lobby ilegal do sogrão, como se vê, é apenas a afronta mais recente do ministro aos princípios republicanos. Está longe de ser a última. Se Lula for paciente e lhe der mais tempo no cargo, Juscelino será capaz de mostrar ao chefe que pode superar os limites de sua própria indecência.

Decerto interesses políticos de ocasião podem ter levado o presidente a escolher um obscuro deputado como chefe de uma das pastas mais importantes da Esplanada. Mas permanece um mistério a razão pela qual Lula mantém Juscelino Filho no cargo após a revelação de tantos malfeitos. Não há ganho técnico para o governo, pois a familiaridade de Juscelino com a área de telecomunicações deve se limitar a saber ligar e desligar um celular; e não há ganho político, haja vista que o partido do ministro, o União Brasil, não entrega votos no Congresso e ainda provoca a ciumeira de outras legendas pelo número de pastas que detém.

Ou seja, não há explicação plausível, e isso autoriza toda sorte de explicações.

Crédito é ferramenta para avançar a pauta ambiental

Valor Econômico

A pecuária é hoje a principal atividade rural associada ao desmatamento

A agenda ambiental do setor privado deu um passo importante na semana passada com o anúncio de que os maiores bancos, inclusive o BNDES, capitaneados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), vão negar crédito para frigoríficos que comprarem gado proveniente de áreas de desmatamento ilegal da Amazônia. A iniciativa nem de longe compensa o retrocesso causado pela retirada das atribuições do Ministério do Meio Ambiente pela MP que reorganizou a Esplanada e foi aprovada pelo Congresso, mas não deixa de ser animadora.

O compromisso dos 22 bancos que aderiram à autorregulação da Febraban é demandar que os frigoríficos da Amazônia Legal e Maranhão que desejam crédito comprovem não estar comprando gado de região de desmatamento ilegal de fornecedores diretos e indiretos, por meio de sistema de rastreabilidade e monitoramento, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais.

Enquanto os frigoríficos são concentrados, a produção pecuária é espalhada. Há cerca de 1,2 mil frigoríficos no país, e três deles respondem por 27% do processamento de carnes. O Brasil é o maior exportador mundial do produto, vendendo para o mercado internacional 25% da produção.

A nova regra de crédito dos bancos entra em vigor em fins de 2025, dando tempo para as empresas se prepararem. Ainda assim os frigoríficos se manifestaram. Em nome deles, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) disse não aceitar que “outros setores terceirizem as suas responsabilidades para os frigoríficos”, reclamando que os bancos não adotam a mesma exigência socioambiental de proprietários rurais correntistas. Segundo a Abiec, os frigoríficos já cortaram as relações comerciais com cerca de 20 mil fornecedores por inconformidade ambiental, “mas é possível que eles continuem tendo relações comerciais com o setor financeiro”.

Os frigoríficos têm um ponto e a exigência de compliance ambiental deveria realmente ser aplicada em todo o relacionamento do banco. O Manual de Crédito Rural do Banco Central para operações na Amazônia busca regularizar o tema, embora haja registro de manobras para contorná-lo.

A responsabilização precisa de um ponto de partida. O crédito para a agropecuária, produtos florestais, pesca e aquicultura somou R$ 40 bilhões em 2021, segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central. Metade desse valor foi para a pecuária, estima a Febraban. O crédito para a agropecuária cresceu quase 20% em 2021, praticamente o dobro dos 10,5% da média das operações com empresas. O crescimento foi de 22% na região Norte e de 14% no Nordeste. Ou seja, o negócio é importante para os bancos.

E os bancos respondem à pressão internacional que quer garantir que a carne importada não seja proveniente de área de desmatamento. Relatório internacional constatou que as importações da União Europeia contribuíram, em 2017, para 16% do desmatamento relacionado ao comércio global. O tema é também a principal barreira à conclusão do acordo União Europeia e Mercosul, que o presidente Lula gostaria de fechar após duas décadas de negociação.

Os europeus vêm apertando as exigências. Não as cumprir significa perder mercado. O Parlamento Europeu aprovou, em abril, legislação que impede que produtos de áreas florestais desmatadas depois de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a UE. A medida atinge as cadeias de uma série de produtos, entre eles a de gado e derivados. Consta que o texto original responsabilizava os bancos pela fiscalização da produção, mas a menção foi retirada ao final. Para alguns especialistas, o recado foi entendido. No que se refere às instituições financeiras, a questão ambiental esbarra no risco reputacional e na figura jurídica do poluidor indireto.

É legítima, no entanto, a preocupação com a preparação dos frigoríficos, especialmente dos menores, para atender as novas regras. A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), que representa estabelecimentos de menor porte, preocupa-se especialmente com a responsabilidade de checar os fornecedores indiretos, e temem serem ejetados do mercado e ficar alijados do crédito.

Embora especialistas digam que a tecnologia da rastreabilidade seja eficiente e barata e ainda passível de ser realizada com apoio do Fundo Amazônia, nem todos os pecuaristas têm dinheiro para isso, além de dificuldade para regularizar sua situação, caso estejam fora da lei.

Os números são eloquentes. O desmatamento, com a degradação dos solos, responde por 45% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, e é a principal fonte de emissões do país. A Amazônia é o bioma que apresenta a maior área desmatada, cerca de 60% do total. A maior parte deste desmatamento, 95% em 2021, segundo o Mapbiomas, ocorre de forma ilegal. E a pecuária é hoje a principal atividade rural associada ao desmatamento. Para resolver tantos problemas será necessária a negociação entre os envolvidos. Afinal, esse cenário já faz parte do horizonte próximo. O Brasil se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2030.

Reforma tributária não pode fracassar

Correio Braziliense

"O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e injusto. Corrigir as distorções deve ser prioridade máxima, não apenas do Legislativo"

O Congresso não pode mais adiar a análise e a votação da reforma tributária. Diante das transformações pelas quais o mundo vem passando, seja no mercado de trabalho, cada vez mais digitalizado, seja na questão demográfica, devido ao rápido envelhecimento da população, os governos terão de correr contra o tempo para ajustar a arrecadação de impostos às novas demandas por gastos. O Brasil, mesmo ainda tendo uma população majoritariamente mais jovem que a média dos países desenvolvidos, já se defronta com tal realidade e numa situação pior, pois não enriqueceu o suficiente para garantir, por exemplo, boas pensões aos trabalhadores e um sistema de saúde mais inclusivo.

O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e injusto. Corrigir as distorções deve ser prioridade máxima, não apenas do Legislativo. O governo também precisa entrar em campo para convencer os parlamentares de que, depois de 30 anos de discussões, o país não tem outra alternativa para ampliar o potencial de crescimento da economia. Da forma como os impostos estão estruturados hoje, o Brasil está condenado a crescer pouco, ampliando o fosso que separa ricos e pobres. Sem uma atividade forte e um ambiente de negócios favorável aos investimentos produtivos, não há como se pensar em saltos expressivos do Produto Interno Bruto (PIB). Um dos caminhos para consolidar esse cenário benigno é a indústria.

Historicamente, são as fábricas as mais punidas pela injusta tributação brasileira. Não à toa, a indústria vem perdendo, ano a ano, participação no PIB. O setor é responsável pelos empregos de melhor qualidade e pelos salários mais altos. Contudo, sem competitividade e amarrada por impostos em cascata, não consegue dar o salto de produtividade que a economia atual exige. Não se está pedindo privilégios, até porque não há mais espaço para isso no Orçamento da União. O que está em jogo é a importância de se corrigir erros sucessivos cometidos ao longo de décadas para financiar uma máquina estatal ineficiente e cara.

O quadro no Brasil é mais alarmante em relação ao mundo desenvolvido, porque o país ainda está debatendo que imposto será incorporado ao outro, se terá alíquota única ou diferenciada. Na Europa, por exemplo, as discussões são no sentido de buscar fontes adicionais de financiamento para o Estado, levando-se em conta a nova economia, com sua digitalização e a inevitável transição energética. Os europeus têm a exata noção de que a tributação sobre a renda já está no limite. Portanto, o desafio é descobrir de onde podem vir recursos extras para manter as conquistas sociais obtidas após a Segunda Guerra Mundial.

O Brasil corre o risco de perder mais uma oportunidade de tirar os dois pés do atraso com a reforma tributária. A postura fisiológica do Congresso tem se escancarado votação após votação. Mantido esse comportamento arcaico, as chances de ao menos uma parte do ajuste dos impostos sair do papel ficarão cada vez menores. O certo é que todos perderão, sobretudo os mais pobres, que, proporcionalmente, pagam mais tributos. Apenas essa informação já seria motivo de sobra para que governo e legisladores agissem em benefício do país.

Ante a premência da reforma tributária ameaçada, a sociedade terá papel crucial no sentido de pressionar Legislativo e Executivo a levarem adiante as propostas que estão mais do que maduras entre deputados, senadores, governadores e prefeitos. Defender interesses setoriais só pune a maioria. O ansiado ajuste na estrutura dos impostos resultará em ganhos ao logo do tempo para todos. Esse deve ser o pensamento, não o do fisiologismo e o daqueles que tentam incutir o falso dilema de que os preços vão subir com a reforma. O Brasil já tributa excessivamente o consumo. Agora, é hora de avançar sobre a renda dos mais ricos, começando pela cobrança de impostos sobre lucros e dividendos. Isso é justiça social.

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