terça-feira, 6 de junho de 2023

Dora Kramer - Bancada da toga

Folha de S. Paulo

Fazer do STF a banca de advogados do Planalto é arranjo malvisto

Carece de melhor esclarecimento a declaração do presidente da República, dada há dias, de que não pretende repetir erros do passado na indicação de ministros ao Supremo Tribunal Federal. Qual seria exatamente a ideia?...

Lula não explicou onde acha que errou, mas a escolha do advogado pessoal para integrar a corte fornece pista robusta, quase uma prova de que considera a independência dos magistrados uma falha no exercício da guarda constitucional.

Ao expressar arrependimento, ele dá margem a tal interpretação. Pior: confere ares de veracidade à versão corrente segundo a qual o Executivo cogita firmar aliança com o Judiciário, a fim de superar as dificuldades com o Poder Legislativo.

A se confirmar essa intenção, a tradução dela seria a de que o governo planeja fazer do STF um atalho, colocando os ministros na condição de pajens do Planalto na tarefa de compensar dificuldades nas tratativas com deputados e senadores.

Não parece que possa dar certo. Embora hoje os juízes sejam vistos como participantes do embate político e objetos de julgamento em suas decisões, uma aliança explícita seria obviamente malvista, além de agressiva ao princípio da autonomia equipotente dos Poderes.

Numa breve consulta às internas do tribunal, constata-se rejeição ao suposto plano. Seria "o fim do mundo", diz um ministro. Outro reserva-se o direito de silenciar ante a ideia, o que em si já é uma resposta. Um terceiro permite-se sugestão melhor que a de investir na formação de um Supremo "amigo", algo semelhante a uma bancada da toga.

"Melhor seria que [Legislativo e Executivo] se entendessem e não viessem a nós com tanta frequência, pois o Supremo não é banca de advogados. As demandas chegam, somos obrigados a responder e, com isso, viramos alvos de insultos, nunca de reconhecimento", analisa o magistrado.

Recados dados, na corte espera-se que sejam anotados.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O problema é que com esse congresso que aí está não há governo que governa.Quer dizer,só se o governo for retrógrado também.