Valor Econômico
Avaliações de
ativos como ações e imóveis cresceram mais rápido do que a produção econômica
real
Em relatório
recente, o Instituto McKinsey cuida de examinar tendências da economia global.
O título atribuído à investigação é sugestivo: “O futuro da riqueza e do
crescimento está na balança”. Na contramão do antigo programa da TV Globo,
“Balança Mas Não Cai”, o relatório sugere que as economias estão à mercê dos
riscos do Balança e Cai.
Já na abertura,
o documento registra as tendências infligidas às economias contemporâneas:
“Entre 2000 e 2021, a inflação dos preços dos ativos criou cerca de US$ 160 trilhões em “riqueza de papel”. Avaliações de ativos como ações e imóveis cresceram mais rápido do que a produção econômica real. E cada US$ 1 em investimento líquido gerava US$ 1,90 em nova dívida líquida. No agregado, o balanço global cresceu 1,3 vezes mais rápido que o PIB.
Quadruplicou
para atingir US$ 1,6 quintilhões em ativos, consistindo em US$ 610 trilhões em
ativos reais, US$ 520 trilhões em ativos financeiros fora do setor financeiro e
US$ 500 trilhões dentro do setor financeiro.
A expansão do
balanço patrimonial acelerou durante a pandemia, à medida que os governos
lançaram apoio em larga escala para famílias e empresas afetadas por lockdowns.
Durante 2020 e 2021, a riqueza financeira global em relação ao PIB cresceu mais
rápido do que em qualquer outro período de dois anos nos últimos 50 anos. A
criação de nova dívida acelerou para US$ 3,40 para cada US$ 1 em investimento
líquido.”
O capitalismo
global reassumiu a sua forma mais avançada como economia monetária, cujos
agentes detentores dos poderes de criação da riqueza social são tangidos pelo
império da acumulação de riqueza sob a forma financeira. Isso não depende da
maldade ou bondade dos agentes de mercado, senão de forças sistêmicas que lhes
impõem a necessidade de desejar sempre mais para sobreviver às disputas nos
espaços do enriquecimento privado.
Escrevi
“reassumiu” porque esse comportamento é impulsionado pela dinâmica sistêmica e,
ao mesmo, é reforçado por ela. É necessário sublinhar a palavra forma porque a
compreensão da dinâmica capitalista como movimento das formas transformadas
permite conferir significado preciso à palavra contradição. Contradição como
negação da negação no movimento de construção de novas positividades, logo
adiante negadas.
É sob esse
critério que devemos observar a concomitância entre o avanço tecnológico, pífia
evolução na produtividade trabalho, dissolução das relações salariais, queda
nos rendimentos médios dos trabalhadores, encolhimento da massa de salários,
empregos precários, redução nas taxas de investimento, crescimento explosivo do
endividamento privado e público, a valorização incessante dos ativos
financeiros e, finalmente, o rápido agravamento das condições ambientais.
Livre, leve e
solto em seu peculiar dinamismo, amparado em suas engrenagens tecnológicas e
financeiras, o capitalismo promoveu e promove a aceleração do tempo e o
encolhimento do espaço. Esses fenômenos, gêmeos, podem ser observados na
globalização, na financeirização e nos processos de produção da indústria 4.0.
É intenso o
movimento de automação baseado na utilização de redes de “máquinas
inteligentes”. Nanotecnologia, neurociência, biotecnologia, novas formas de
energia e novos materiais formam o bloco de inovações com enorme potencial de
revolucionar outra vez as bases técnicas do capitalismo. Todos os métodos que
nascem dessa base técnica confirmam sua razão interna: são métodos de produção
destinados a transformar as relações trabalhistas e intensificar a rivalidade
empresarial na busca da ocupação e controle dos mercados.
No período da
“exuberância irracional”, as taxas reais de juros caíram para o sub-zero. Entre
os crentes das expectativas racionais emergiram as celebrações da Grande
Moderação. Nesse momento prevaleceram a baixa inflação, a liquidez abundante e
a avidez pelo risco Muitos os analistas apontaram o “excesso de poupança
global” como causa das transformações nas economias monetário-financeiras
capitalistas.
O economista
Cláudio Borio, diretor da área monetária do Banco de Compensações
Internacionais (BIS), descartou essa pretensão: “esta é uma visão das finanças
excessivamente estreita e restrita, pois ignora o papel do crédito monetário
(...) poupança e financiamento não são equivalentes em geral”. Lamenta o economista
do BIS, “os fatores financeiros ainda flutuam na periferia do pensamento
macroeconômico”. Mais adiante, ele vai insistir nos riscos embutidos no
comportamento dos mercados financeiros:
“Isso tem tudo a
ver com a forma de expansão do crédito. Ao invés de financiar a aquisição de
bens e serviços, o que eleva os gastos e o produto, a expansão do crédito está
simplesmente financiando a aquisição de ativos já existentes, sejam eles
'reais' (imóveis ou empresas) ou financeiros.”
Causado por
desarranjos na oferta global, o ressurgimento da inflação, perturbou as
convicções da turma da Grande Moderação. Atemorizados, os Bancos Centrais
desataram a subida da taxa de juros para conter o aumento cumulativo de preços.
também conhecido como processo inflacionário.
A relação
dívida/PIB, não só nos vulneráveis emergentes, mas também Estados Unidos e na
Zona do Euro, recebeu novo estímulo para crescer. O denominador (PIB) cresce
pouco, mas o numerador se expandiu rapidamente graças à política de metas.
Machucados pelos
yields mais elevados que acompanham os papéis de nova emissão, os preços dos
títulos privados e públicos acumulados no período anterior sofreram as agruras
da marcação a mercado. As crises bancárias se sucederam e exigiram uma
intervenção pronta e generosa dos Bancos Centrais.
Mais uma vez,
tal como na “facilitação quantitativa” da crise subprime, os ativos
desvalorizados foram adquiridos pelo valor de face. Para completar o serviço, o
Federal Reserve organizou (sic) a aquisição dos bancotes pelos bancões.
Como ensinam as
gentes dos mercados, o Estado se intromete onde não deve.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e professor emérito da Universidade Federal de Goiás.
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