Trava política detém expansão de êxito do
Ceará na educação
O Globo
Disseminação do modelo pelo Brasil sofre com
troca-troca de governos e choques entre estados e municípios
Um dos maiores mistérios que cercam as
políticas públicas no Brasil é a dificuldade de disseminar exemplos
bem-sucedidos. Sobral, cidade de 200 mil habitantes do interior do Ceará, empreendeu há 26
anos uma revolução na educação,
depois ampliada para todo o estado. Blindada por sucessivos governos contra a
descontinuidade, ela levou o Ceará a lugar de destaque. Mesmo assim, embora
parte das ideias cearenses tenha sido adotada nalguns estados, até hoje não se
entende por que o modelo não foi disseminado pelo resto do país.
A transformação teve início nos anos 1990, diante da constatação de que menos da metade dos alunos de até 8 anos sabia ler. Foi a deixa para reestruturar a rede de aprendizado. A experiência não se caracterizou por investimentos vultosos, mas por um choque de gestão. Cinco pilares foram essenciais: envolvimento da sociedade; incentivo a cooperação e competição entre escolas; combinação de políticos e técnicos; parceria das escolas com as secretarias de Educação e, sobretudo, continuidade por vários governos.
Foi necessário tomar medidas radicais, como
demitir diretores de escola indicados por vereador ou deputado. Passou a valer
a competência técnica, avaliada por seleção rigorosa. Foram criados cursos para
melhorar a formação dos professores e métodos de avaliação dos gestores.
Traçaram-se metas ambiciosas, como alfabetizar todas as crianças, reduzir a
evasão escolar a menos de 5% e eliminar a distorção entre série e idade. O foco
prioritário foi o ensino básico. Os resultados: em 2019, 77 municípios
cearenses estavam entre os cem melhores do Brasil, e nove das dez melhores
escolas públicas estavam no Ceará, segundo o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb).
O Ceará não é um estado rico. Melhorou o
ensino com programas bem planejados, metas e gestão eficiente. O Brasil não
investe pouco em educação. O problema é que investe mal. Dinheiro não se traduz
em desempenho. Infelizmente, embora o programa de alfabetização cearense tenha
sido exportado a outros estados, o resto do país não obteve o mesmo resultado.
O atual ministro Camilo
Santana governou o Ceará e assumiu o MEC com a promessa de
disseminar o êxito cearense pelo Brasil. Mas não basta, como ele fez, nomear
gestores de competência reconhecida. As dificuldades para reproduzir o modelo
são várias.
Primeiro, é preciso vencer as resistências,
sobretudo de sindicatos de professores avessos à implantação de qualquer
avaliação de desempenho. Segundo, a descontinuidade das políticas públicas, com
troca-troca de gestores da Educação a cada mandato. “Cada governo que entra
quer acabar com a herança maldita do outro”, diz Fernando Abrucio, pesquisador
da FGV. “Os resultados na educação demandam tempo.” Terceiro, ruídos no
relacionamento criam distância entre secretarias estaduais e municipais, eixo
fundamental para manter o modelo de pé. Quarto, há resistência de governadores
e prefeitos a incentivar cooperação e competição entre as escolas.
Apesar de tudo isso, Abrucio acredita que o
modelo pode ser estendido pelo país: “Existem iniciativas em 15 estados. Se
houver continuidade, no prazo de duas gestões já será possível observar
resultados”. Os gestores que estão hoje no MEC sabem disso melhor que ninguém,
mas precisarão da cooperação dos 27 governadores e 5.570 prefeitos se quiserem
“sobralizar” o Brasil.
Com novos recordes, agronegócio se consolida
como motor da economia
O Globo
Brasil já é o maior exportador global de
milho, cresce no algodão e ganhará se diversificar ainda mais a produção
Com o plantio em fase inicial, a previsão
para o agronegócio em
2024 é positiva. Estimativas preliminares da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) apontam crescimento nas duas principais cadeias, da soja
(responsável por 40% das exportações do setor) e da carne (20%). A expectativa
é de novos recordes na produção de soja e de carnes, em especial frangos e
suínos. Nem mesmo a previsão de queda de 1% na safra de grãos 2023/2024, para
319,5 milhões de toneladas, tira o brilho do setor.
Os empreendedores do campo souberam como
poucos responder às demandas provocadas primeiro pela pandemia, depois pela
guerra na Ucrânia. Entre a safra 2019/20 e a última, o salto foi de 25%, sinal
inequívoco de que o agronegócio continuará sendo o motor da economia
brasileira. O sucesso, porém, não deve adiar um debate sobre a necessidade de
diversificar mercados, investir em novos produtos e adicionar valor às
exportações agropecuárias.
No ano passado, o Brasil só ficou atrás de
União Europeia (com Reino Unido) e dos Estados Unidos no ranking dos maiores
exportadores. Em 20 anos, multiplicou as vendas ao exterior quase por dez. Na
base dessa transformação estão o emprego de tecnologia e novas técnicas de
gestão.
Cálculos do departamento de agricultura dos
Estados Unidos (USDA) dão o Brasil como país que mais aumentou a produtividade
desde a década de 1980, com destaque para o período a partir dos anos 90. A adaptação
de técnicas como plantio direto e a adoção em larga escala do cultivo da
segunda safra estão entre as causas. A prática de rotação entre soja e outras
culturas colocou o país entre os grandes exportadores de milho e algodão,
produto que outrora importávamos.
No milho, o Brasil ultrapassou os embarques
dos Estados Unidos na safra 2022/2023 e deverá repetir o feito na próxima. Com
isso, nos tornamos os maiores exportadores mundiais de seis das maiores
produções agrícolas. No algodão, os dois países estão no mesmo patamar, com
leve vantagem para os americanos. O avanço dessas culturas é uma óbvia ajuda na
diversificação do setor. Mas é preciso investir mais em outros segmentos.
Somados aos produtos florestais, os complexos
da soja e da carne ainda respondem por quase 70% das exportações do
agronegócio. Potencial não falta. O Brasil tem participação mínima na venda de
produtos que somam um mercado global de US$ 726 bilhões, reunindo artigos de
alto valor agregado, como frutas, vegetais, laticínios, bebidas e alimentos
processados, segundo estudo do Insper. Explorar também esses segmentos traria
ainda mais benefícios para o país.
Além da diversificação, impõe-se a necessidade de aumentar a produção não pela expansão da área plantada, que pode acarretar desmatamento, mas pelo emprego ainda maior de tecnologia. Quanto mais o setor apostar em novos segmentos e em aumento de produtividade, mais reflexos positivos serão colhidos no mercado de trabalho e nas contas externas.
Receita em queda
Folha de S. Paulo
Desempenho da arrecadação reforça ceticismo
sobre metas orçamentárias do governo
Para um governo que apostou todas as suas
fichas em um aumento rápido e brutal da arrecadação de impostos, os resultados
recentes das contas públicas deveriam acender sinais de alerta.
A receita tributária da União registrou em
agosto sua terceira queda mensal consecutiva, de 4,14%, em relação
ao mesmo período do ano anterior, considerada a variação da inflação. Nos
primeiros oito meses do ano, o recuo é de 0,83%.
Era esperado que houvesse piora, dado o
desempenho de 2022 ter sido inflado por ganhos excepcionais com a alta dos
preços de commodities, em especial do petróleo.
Chama a atenção, contudo, que a surpresa
positiva com o crescimento da economia —as expectativas para o ano foram
elevadas de 0,7% para algo em torno de 3%— não esteja se refletindo na
arrecadação.
A explicação mais plausível é a de que os
motores recentes do Produto Interno Bruto, a agropecuária e a indústria
extrativa, sejam menos tributados que a média. São mais remotas, assim, as
chances de o Tesouro Nacional colher números acima do esperado até dezembro.
Uma rara exceção se dá com as contribuições
previdenciárias, impulsionadas pelo vigor do emprego e dos salários.
Pior, o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) elaborou o Orçamento do próximo ano contando com uma receita líquida
recorde de R$ 2,191 trilhões, equivalentes a 19,2% do PIB —um salto improvável
ante o R$ 1,915 trilhão (17,8% do PIB) projetado para este 2023.
Mesmo esta estimativa já enseja alguma
dúvida, dado que a equipe da Fazenda se mostrou propensa ao otimismo em seus
cálculos. Em relatório neste mês, a Instituição Fiscal Independente (IFI,
ligada ao Senado) previu R$ 1,887 trilhão, ou 17,6% do PIB.
Mas são as cifras de 2024 que merecem o
ceticismo quase unânime com que foram recebidas, e não apenas porque
dependem de projetos em tramitação no Congresso.
Na história recente, só se viram altas
bruscas de receita dessa magnitude em circunstâncias muito particulares: na
recuperação econômica pós-pandemia e no final do primeiro mandato de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), quando a carga tributária era menor e iniciava
trajetória de expansão —a receita da União subiu de 14,2% para 15,6% do PIB de
1997 para 1998.
Agora, ambiciona-se um patamar inaudito. O
recorde histórico (excetuando-se os 20,2% de 2010, só atingidos devido a
manobra contábil) são os 19% do longínquo 2007, quando se vivia o auge do boom
das commodities. No atípico ano passado, foram 18,7%, percentual que não se
registrava desde 2013.
Trata-se de meta que desafia, portanto, as
condições políticas e as da própria economia.
Crise no Cáucaso
Folha de S. Paulo
Tomada de área armênia pelo Azerbaijão muda
geopolítica e traz risco humanitário
Enquanto os olhos do mundo se voltavam para
buscar algo relevante na esvaziada Assembleia-Geral da ONU, na semana passada,
uma revolução geopolítica ocorria no remoto sul do Cáucaso, um dos pontos de
fratura entre impérios ao longo dos séculos.
Trinta e dois anos de conflito em torno do
enclave de etnia armênia de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, foram encerrados
com algumas horas de bombardeio pelas tropas do autocrata Ilham Aliyev, no
poder desde 2003 em Baku.
Não foi pouco o sangue que correu naquele trecho
montanhoso, ocupado por armênios desde o século 2 antes de Cristo.
Recentemente, foram duas guerras, uma de 1992 a 1994 e outra, em 2020, com
talvez 20 mil mortos ao todo.
Agora, a conta mórbida ficou na casa de duas
centenas, mas o risco de tragédia humanitária segue, com milhares dos cerca de
120 mil moradores da região já em busca de abrigo na Armênia enquanto o caminho
ainda está aberto. Líderes locais falam em limpeza étnica.
Na raiz de
tudo está a implosão, em 1991, da União Soviética, império comunista
que emulava o dos Románov (1613-1917) ao tratar o Cáucaso como um quintal
estratégico vital para evitar invasões.
Com o ocaso soviético, os armênios ficaram
sob a proteção militar russa e partiram para a conquista de áreas em torno do
bolsão étnico, que foi superado com as novas fronteiras no conflito dos anos
1990. Isso foi revertido em 2020, com um acordo precário bancado por uma força
de paz de Moscou.
Agora, Baku conquista o território, amparada
pela nova realidade geopolítica —a volta da Turquia ao papel de potência
regional em uma complexa relação que alterna conflito e parceria com os russos.
Pesou para isso o esvaziamento relativo da
posição de Vladimir Putin, cujos esforços estão concentrados na Guerra da
Ucrânia. Ele e o turco Recep Tayyip Erdogan presidiram a entrega de
Nagorno-Karabakh, sendo incógnita até aqui o que Ancara prometeu em troca.
Erdogan, por sua vez, já disse a que veio.
Esteve com Aliyev em outro pedaço da colcha de retalhos regional, o exclave
azeri de Nakhchivan, e exigiu a abertura de uma ligação por terra entre a
região e os domínios dos aliados de Baku.
Como o governo armênio é visto como pouco confiável aos olhos russos, não é improvável que algum território ao sul do país seja rifado para satisfazer o turco, cenário impensável nos últimos séculos.
Mau sinal na reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Senado adia votação da reforma sobre consumo
e indica que pode ceder à pressão de setores por mais privilégios. Consenso
construído em torno do texto é tênue e não pode ser desperdiçado
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSDMG), disse que a votação do relatório da reforma tributária sobre consumo
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) provavelmente ficará para o fim de
outubro. Segundo ele, o Senado pretende avaliar todas as emendas apresentadas
ao texto e analisar a pertinência das mudanças sugeridas por Estados,
municípios e setores econômicos. O adiamento não é um bom sinal.
No cronograma apresentado pelo relator da
reforma na Comissão de Constituição e Justiça, Eduardo Braga (MDBAM), o parecer
da proposta seria apresentado na primeira semana de outubro, e a votação, por
sua vez, ficaria para a semana seguinte. Até lá, a CCJ realizaria nove
audiências públicas para ouvir os segmentos que serão impactados pelas mudanças
na tributação de bens e serviços. Como esperado, tais audiências públicas se
converteram em um muro de lamentações, e essas reclamações, por óbvio, têm
reverberado entre os senadores.
Ao que parece, as muitas exceções acolhidas
no texto da reforma ao longo de sua tramitação na Câmara não apenas não serão
revertidas, como também poderão ser ampliadas. Os segmentos que não foram
agraciados pelos deputados recorrem, agora, aos senadores para garantir
tratamento especial, caso dos profissionais liberais que atuam como Pessoas
Jurídicas (PJs).
Pior: mesmo os que já foram contemplados com
tributação menor na Câmara, como o agronegócio, buscam obter privilégios ainda
maiores no Senado. Como a intenção da reforma é ser neutra, cada segmento
beneficiado por isenção ou tributação reduzida eleva a alíquota cheia que será
imposta aos demais.
Para além do adiamento da votação do parecer,
há outro indício muito ruim sobre a reforma tributária e que não pode ser
ignorado. O noticiário sobre o tema refluiu, o que costuma ser sinal de mau
agouro. Isso não significa que o texto não será mais aprovado, mas sugere que
as negociações para alterá-lo estão ocorrendo longe dos olhos da sociedade.
O governo, por sua vez, parece mais
preocupado – com razão – em aprovar medidas para ampliar a arrecadação e barrar
a pauta-bomba que avança à sua revelia no Congresso, que inclui a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) dos ex-territórios, a desoneração da folha de
pagamento e a atualização dos limites de enquadramento no Simples Nacional e no
regime de microempreendedores individuais (MEIs).
Analisado em conjunto, esse cenário mostra
que a declaração pública de Pacheco sobre o adiamento da votação da reforma
tributária parece até otimista.
Há no Senado quem preveja que a proposta, na
melhor das hipóteses, será submetida ao plenário somente em novembro ou
dezembro, como mostrou reportagem publicada pelo Broadcast.
Além de Braga, outros senadores, entre os
quais Vanderlan Cardoso (PSDGO), estariam atuando como interlocutores bem mais
influentes do que o desejável, como observou a colunista Adriana Fernandes.
Vanderlan, que é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado,
pretende apresentar um relatório paralelo da reforma tributária. Não por acaso,
o senador representa Goiás, Estado administrado por Ronaldo Caiado, um dos
governadores que mais se opõem à reforma.
Como Casa revisora, o Senado tem o dever de
examinar detidamente a proposta que chegou da Câmara. Enquanto Casa da
Federação, cabe ao Senado representar e defender os interesses dos Estados. Os
senadores, portanto, têm diante de si uma excelente oportunidade para cumprir
as duas funções.
O País aguarda a aprovação da reforma há mais
de 30 anos. O consenso que se construiu em torno do texto é tão raro quanto
tênue. Não pode, portanto, ser desperdiçado por negociatas em busca da
manutenção ou ampliação de privilégios, por tentativas de ressuscitar
discussões que já foram vencidas ou por disputas de protagonismo que buscam
apenas dinamitar as bases da reforma para deixar tudo como está.
Como já dissemos muitas vezes neste espaço, a
reforma tributária em tramitação no Legislativo não é a reforma perfeita, mas é
a reforma possível. É hora de aprová-la sem mais delongas.
A dependência do petróleo
O Estado de S. Paulo
O alerta da Opep de que um acelerado
desinvestimento na indústria petrolífera pode provocar uma catástrofe econômica
global certamente é antipático, mas deve ser levado em conta
Em artigo publicado no Estadão (Por que o
mundo precisa de mais, e não menos, petróleo – 23/9/2023), o secretário-geral
da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Haitham Al Ghais,
defende que fortes investimentos em energia renovável sejam acompanhados de
outros, igualmente pesados, na exploração de petróleo. Segundo ele, o
“subinvestimento crônico” na indústria petrolífera precisa ser corrigido
rapidamente, sob pena de o mundo amargar um déficit de 16 milhões de barris/dia
no setor no curto espaço de cinco anos.
Em que pese o fato de Al Ghais – que virá ao
Brasil em outubro – ser a voz dos grandes produtores, há que considerar os
argumentos que apresenta. O principal deles é a alta dependência mundial de
petróleo, atestada por instituições e consultorias independentes, que se
manteve na faixa de 80% nos últimos 30 anos. Pode-se imaginar os efeitos
catastróficos que a adesão a um ritmo muito acelerado de queda na produção – ou
mesmo a interrupção abrupta, como defendem radicais mais exaltados – causaria à
economia mundial.
Por se tratar de empreitada complexa, a
transição energética demanda planejamento e execução longos. São décadas de
iniciativas, e não significa que, ao final, a geração fóssil seja extinta –
mesmo porque, como enfatiza o secretário-geral da Opep, nenhuma modalidade de
geração tem condições, sozinha, de responder ao crescimento da demanda mundial
por energia.
Renunciar a qualquer modelo de produção é
contratar uma crise energética futura.
Nesse contexto, o Brasil encontra=se, como já
dissemos neste espaço, em um momento limite para a tomada de decisão que
definirá a posição que o País ocupará ao fim da transição energética que,
segundo especialistas, virá somente após a década de 2050. Integrante da
categoria dos países em desenvolvimento, tem a vantagem de abrigar volumosos
reservatórios de petróleo em áreas marinhas ultraprofundas e detém a expertise
necessária para explorá-las ao menor custo.
O mercado brasileiro é também uma grande
promessa na produção sustentável de hidrogênio verde e avança rapidamente na
geração eólica e solar. Tem as condições necessárias de planejar o
desenvolvimento em praticamente todas as frentes energéticas. Elevar a
dependência da importação de petróleo e derivados em razão de uma política
equivocada de impedir a exploração das novas fronteiras de petróleo da Margem
Equatorial vai custar muito caro.
Conter a crise climática é uma obrigação
mundial. As vias para mitigar os efeitos do clima, porém, não se resumem à
busca de novas alternativas de geração. É importante também encontrar formas de
tornar menos poluente a geração fóssil. No Brasil, a Petrobras reportou
recentemente a redução de 39% de gases causadores do efeito estufa nos últimos
cinco anos. Somente na atividade de exploração e produção, as emissões foram
reduzidas à metade ao longo de 13 anos, de 2009 a 2022.
De acordo com dados da Opep, a procura global
por energia aumentará 23% até 2045. A era do petróleo ainda está longe do fim,
com estimativas de recorde de demanda neste ano e no próximo. Exigências de
descarbonização da atividade de exploração, produção e refino são mais
plausíveis do que a pregação cega pela interrupção dos trabalhos exploratórios
em novas jazidas.
A exploração segura e menos poluente da
Margem Equatorial tem potencial de fazer a economia brasileira dar um salto de
qualidade nos próximos anos. O incentivo à produção de hidrogênio verde em alta
escada – o que só ocorrerá por meio de subsídios que reduzam custos – pode
colocar o País em posição privilegiada na geração sustentável. A multiplicação
de parques eólicos e solares, além da produção de etanol e biocombustível,
completa o quadro de diversificação energética brasileira.
Desconsiderar qualquer uma dessas atividades
será um tropeço lamentável num momento em que o jogo econômico mundial está em
pleno deslocamento. O Brasil tem os instrumentos para atuar em todas as
frentes.
Dívida vexatória
O Estado de S. Paulo
Governo promete pôr fim à desmoralizante
inadimplência do Brasil com organismos internacionais
O governo Lula da Silva prometeu quitar os
US$ 2 bilhões remanescentes em dívidas com organismos internacionais até o fim
deste ano. Volume igual de recursos foi, nestes nove meses da quinta gestão
petista, desembolsado para extinguir débitos dessa natureza. O empenho em tirar
o selo de inadimplência do Brasil em organizações multilaterais, instituições
financeiras e fóruns da maior importância para os interesses nacionais não
apenas salvaguarda o ativismo da política externa da atual gestão. Trata-se de
compromissos de aporte assumidos pelo Estado brasileiro ao aderir,
soberanamente, a esses mecanismos. A intermitência nos pagamentos, que já se
tornou crônica, sugere que o Brasil não leva esses organismos a sério, malgrado
o País defender o multilateralismo.
A dívida com organismos internacionais tem
sido razão de vexame público, explicitado na exclusão do País em votações relevantes.
O Brasil perdeu o direito a voto na Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA) em 2015, retomado somente depois do pagamento dos US$ 35 milhões
devidos. Naquele mesmo ano, o País, com débito de US$ 6 milhões arrastado por
dois anos, foi impedido de votar na assembleia das partes do Tribunal Penal
Internacional – o mesmo cuja adesão brasileira Lula ameaça agora rever. A
corrida de autoridades da área econômica para raspar recursos orçamentários e
quitar, na última hora, o passivo com as Nações Unidas foi cena presenciada
inúmeras vezes. O improviso evitou a vergonha de ver o País impedido de votar
na Assembleia-Geral e de assumir posições de maior relevância na estrutura e em
missões da ONU.
Na definição de prioridades da gestão
orçamentária, os deveres de pagar em dia e saldar os débitos com os organismos
internacionais têm sido historicamente preteridos. Não raro, tais dívidas se
tornaram esqueletos repassados de um governo para o outro. Felizmente, essa
herança negativa tende a acabar a partir de 2024, quando os aportes anuais do
Brasil aos organismos internacionais passarão a ser tratados como despesas
obrigatórias no Orçamento da União.
Como afirmou ao Estadão a secretária de
Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Renata Amaral, a decisão
evitará “constrangimentos” e a “perda de lugar de fala” do Brasil. “Brincamos
com o Itamaraty que estamos ajudando (o Brasil) a não passar mais vergonha no
exterior”, declarou. A iniciativa evitará igualmente o bloqueio do acesso a
financiamentos de instituições multilaterais e regionais para projetos de
interesse do Brasil. Amaral cita na reportagem a necessidade de o governo obter
recursos do G-20, ao qual contribui, para conduzir a presidência do bloco e a
reunião de cúpula de novembro de 2024.
De fato, o Brasil jamais poderia manter-se no Conselho de Segurança até o fim deste ano, como membro não permanente, e muito menos presidir o organismo em outubro se mantivesse pendências com as Nações Unidas. O selo de bom pagador, porém, ainda precisa ser paulatinamente conquistado, a bem dos interesses de todos os brasileiros.
Ministros não devem atuar em conselho de
empresas
Valor Econômico
O perigo da interferência estatal em empresas
privadas são os possíveis desvios de seus objetivos e vocações
O aparelhamento político nas empresas
estatais foi contido durante certo tempo, após a aprovação da lei das estatais,
em 2016, que estabeleceu uma série de exigências técnicas para preenchimento de
cargos de direção. São 52 posições bem remuneradas em 14 companhias públicas.
Se a qualificação e o notório conhecimento técnico eram uma exigência para as
estatais, com muito mais razão deveria ser para o preenchimento de outras 37
vagas em 27 companhias nas quais o BNDESPar tem participações acionárias. Não é
o que acontece agora. As indicações políticas para cargos em empresas privadas
ficaram explícitas com a aprovação de Anielle Franco, ministra da Igualdade
Racial, e de Carlos Lupi, ministro da Previdência, como conselheiros da
metalúrgica Tupy.
O ativismo do governo Lula deu sinais
preocupantes antes, ao sugerir a indicação de Guido Mantega para o comando da
Vale. As regras de governança bastante restritivas da Vale tornaram
praticamente impossível o “dedaço” do presidente no comando da empresa. O
governo petista quer ter posições mais “ativas” nos conselhos privados, depois
de apoiar o desmonte da lei de estatais, ainda incompleto - o Supremo precisa
decidir sobre o assunto.
Anielle Franco e Carlos Lupi entraram no
lugar de dois técnicos do BNDES que ocupavam os cargos e mais mudanças
ocorrerão, disse Natália Dias, diretora da área de mercado de capitais e
finanças sustentáveis do banco ao Valor (25 de setembro). De 31 vagas
ocupadas, 19 o são por funcionários do banco. “Queremos ter conselheiros que
representem o interesse dos acionistas”, ela afirmou. Há vários problemas nessa
investida.
A mais importante é o conflito de interesses,
uma perigosa via de mão dupla que não conduz ao bom caminho da governança
exemplar. Membros indicados politicamente podem se tornar “advogados” dos
interesses privados no seio do governo, onde também ocupam posição de destaque.
De outro lado, os indicados pelo governo podem defender posições lesivas aos
interesses privados da companhia, ao interferir na escolha de rumos negociais
estratégicos divergentes dos traçados anteriormente pelas companhias.
Além disso, cabe aos conselheiros defenderem
os interesses da empresa em suas funções básicas - boa administração e
governança, boa produtividade, bons lucros e bons dividendos, por exemplo. O
que o governo insinua é a pretensão de que prevaleça o interesse particular de
um acionista, no caso do Estado, que, com exceções, não tem no currículo um rol
de empresas bem administradas e lucrativas para exibir ao longo da história - e
muito menos as passadas administrações petistas.
No caso da lei das estatais, o ministro
Ricardo Lewandowski, antes de se aposentar, deu liminar favorável para que se
retirassem as exigências da lei tidas como discriminatórias, como a proibição
de ocupar cargo diretivo para líderes partidários ou membros de partidos
envolvidos nas campanhas eleitorais, entre outros. No caso das indicações
políticas para empresas privadas, há exigências que deveriam ser preenchidas e
não foram. Segundo o advogado Gustavo Chamadoiro, o regulamento do banco exige
dos candidatos cinco anos de atuação no setor público ou privado na mesma área
em que atuarão, ou área relacionada para as quais forem indicados. Não é o caso
nem de Anielle nem de Lupi, presidente licenciado do PDT - a regra do BNDES,
aliás, proíbe a indicação de líderes partidários, mesmo afastados do cargo.
O perigo da interferência estatal em empresas
privadas, que hoje é muito mais limitado pelas regras aperfeiçoadas de
governança, são os eventuais “achados” que as desviem de seus objetivos e
vocações. Em 2008, o presidente Lula cismou que a Vale, a quarta maior
mineradora do mundo, deveria vender o produto acabado e não apenas o minério (o
Brasil já tinha boa competitividade empresarial na exportação de produtos
acabados). A Vale entrou no ramo da siderurgia e dela se desfez no ano passado,
ao vender a Companhia Siderúrgica de Pecém (CE) para a Arcelor Mittal.
Ao deter grande poder econômico nas mãos, com
enorme carteira de compras e bancos que têm participação de quase 50% na oferta
de crédito, o Estado tem muitas formas de “influenciar” os rumos de empresas
privadas nas quais tem participação - como o acesso às linhas do BNDES, ainda a
única fonte disponível de empréstimos de longo prazo do país. Seja qual for a
intenção estratégica do governo com a participação em companhias privadas, no
curto prazo ela pelo menos serve para uma bela complementação de renda, assim
como as vagas nos conselhos das estatais que em vários casos dobram o salário
de ministros e burocratas. Anielle e Lupi deverão receber R$ 46 mil por um par
de reuniões por mês. A remuneração chegaria perto da oferecida por Itaipu a
seus conselheiros, incluindo indicados da burocracia do PT e de ministérios.
Por hora trabalhada, é um dos melhores empregos da praça.
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