Folha de S. Paulo
Bolsonaro vai assumir o direito de falar
qualquer coisa
Em 2022, o vereador Camilo Cristófaro usou em plenário a expressão "é coisa de preto" para se referir a sujeira nas calçadas. A frase foi captada pelo sistema de som e originou uma cassação por quebra de decoro. Esse tipo de fala é desgraçadamente comum no Brasil, todos sabemos. O que espanta é que só agora, pela primeira vez na história da Câmara Municipal de São Paulo, um parlamentar tenha perdido o mandato por ato de racismo. E antes, quantos casos passaram batido?
Também corriqueira no país foi a impostura
adotada pelo advogado de Cristófaro, que comparou seu cliente a Adolf Eichmann,
nazista responsável pela deportação de judeus para campos de concentração. Após
a derrota na Segunda Guerra, ele fugiu, foi capturado em Buenos Aires pelo
Mossad, serviço secreto israelense, e executado por enforcamento.
"Eichmann não foi julgado, foi prejulgado", discursou o doutor, desqualificando
o tribunal de Jerusalém.
Por desencargo, alguns vereadores reagiram
aos argumentos falaciosos –os quais, igual ao racismo, estão assumindo um
caráter estrutural e permanente no Brasil. No fundo, ninguém se surpreendeu com
a peroração que, não por acaso, lembra a defesa dos réus no julgamento sobre os
atos golpistas de 8 de janeiro pelo STF.
Mais do que o surgimento de um hábito
jurídico –em que a regra é atacar, ofender, mentir e viralizar na internet com
gafes tão absurdas que parecem propositais–, o método fortalece um novo
direito, o de falar qualquer coisa no modo "pra lá de Marrakech",
como na canção de Caetano Veloso. Porque alguém sempre há de concordar e
aplaudir. Acontece que, hoje, esse alguém são multidões.
"Eu posso discutir qualquer coisa, posso pensar qualquer coisa, mas, se não botar em prática, não tem problema", disse Bolsonaro ao jornalista Lauro Jardim sobre o teor das conversas secretas no Palácio do Planalto. Está pronta a defesa do golpista.
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