Valor Econômico
Indução do Estado permitiu a criação de uma
área de P&D que levou a um salto tecnológico e permitiu o desenvolvimento
de produtos customizados para o mercado nacional
O Valor publicou há duas semanas
uma reportagem sobre a Sew Eurodrive Brasil, empresa filial de uma
multinacional alemã que fabrica redutores, motores elétricos e diversos outros
componentes industriais. A matéria, escrita pelo editor Ivo Ribeiro, um dos
mais bem informados jornalistas que cobrem o setor industrial brasileiro, referia-se
principalmente aos planos de investimento da empresa.
O passado recente da empresa no Brasil, porém, é uma história exemplar e singela sobre industrialização induzida pelo Estado e que merece ser contada. Em 2007, a Sew já estava havia mais de 30 anos no Brasil. Controlada pelo quase centenário grupo alemão do mesmo nome, tocava seus negócios na produção de componentes industriais em Guarulhos (SP) e faturava cerca de R$ 270 milhões anuais. Capital fechado até hoje por determinação explicita dos sócios da família alemã Blickle, promovia uma expansão lenta, sempre com recursos do próprio caixa. Mas naquele ano surgiu um enorme negócio e os executivos brasileiros convenceram os donos alemães de que se tratava de uma real oportunidade de crescimento.
É muito bom que essa história envolva uma
empresa de capital 100% estrangeiro, porque muita gente confunde
reindustrialização com nacionalismo, um equívoco. O negócio surgido era para o
fornecimento de 72 redutores industriais de grande porte para usinas do setor
sucroalcooleiro.
Façamos aqui um parêntese para explicar o que
é um redutor industrial. Trata-se de um equipamento que reduz a rotação dos
motores por meio de engrenagens, mais ou menos como faz uma caixa de câmbio dos
automóveis. Quando a gente toma um caldo de cana feito na hora, por exemplo, a
cana é esmagada num equipamento que gira lentamente. Isso é possível porque
existe ali um redutor da velocidade do motor elétrico. Esses redutores são
largamente utilizados em usinas de açúcar e álcool, em peças que podem ultrapassar
10 toneladas. Também são exigidos em motores que puxam esteiras ou trituram
minérios e em muitas outras atividades, inclusive em tratores agrícolas, nos
rotores de geração eólica e em pequenos motores, como aquele que extrai o caldo
de cana na feira.
Mas voltemos à história da Sew. A
concorrência que ela ganhou para fornecer os megarredutores industriais
aumentava seu faturamento em quase 20%. Até então, esses equipamentos gigantes
eram importados da Europa. Dessa vez, a compra seria totalmente financiada pela
Finame, agência do BNDES, com uma exigência: o produto precisava ser fabricado
no Brasil. Seria muito mais fácil para a Sew trazer os redutores da Alemanha ou
de sua filial na China, mas nesse caso o comprador não teria o financiamento
oferecido pela agência do BNDES, exclusivo para equipamentos fabricados no
Brasil.
Vencida a concorrência privada, para entrega
em dois anos, foi preciso usar uma solução brasileira. Os técnicos da Sew
desenvolveram projetos e a empresa conseguiu instalar temporariamente novas
máquinas na acanhada estrutura da fábrica de Guarulhos. Os equipamentos foram
entregues no prazo e tiveram excelente aceitação dos compradores, que pela
primeira vez utilizavam redutores nacionais.
Isso colocou a Sew em posição privilegiada
como fornecedora de equipamentos para esse mercado no país. Mas como a empresa
poderia atender à demanda que explodira? O dono alemão sugeriu ampliar a
fábrica de Guarulhos, mas tropeçou na burocracia municipal. Conta-se que Rainer
Blickle, então CEO do grupo alemão, tomou um chá de cadeira do prefeito de
Guarulhos para uma reunião em que tentava resolver os problemas burocráticos
que impediam a expansão da fábrica na cidade. O prefeito foi gentil e
compreensivo, mas nada andou. Após um mês sem obter respostas da prefeitura,
Rainer resolveu buscar outro lugar para crescer. E encontrou Indaiatuba,
município paulista na região de Campinas. Com incentivo municipal, os donos
alemães concordaram em investir R$ 1 bilhão para construir uma unidade de 100
mil m2, ultramoderna. A partir daí, segundo o presidente da companhia,
Alexandre dos Reis, a empresa “mudou de patamar”.
Moral da história: sem o empurrão do Estado,
com o financiamento da Finame, que exigia conteúdo produzido no Brasil, o país
teria importado os redutores e perdido a oportunidade de ter hoje uma grande
empresa, com faturamento anual de R$ 1,5 bilhão e 1.600 empregados. Ela é uma
das quatro unidades do grupo Sew no mundo que produz e atualiza permanentemente
esses equipamentos com novas tecnologias, inclusive IA - as demais 48
espalhadas pelo mundo são simples montadoras, que recebem peças, muitas
fabricadas no Brasil.
Sem a Finame, o comprador teria importado
redutores ou repensado o projeto. Na Sew, segundo o diretor industrial e de
desenvolvimento, Hiram Andreazza de Freitas, o projeto abriu portas para
criação de uma área de P&D que levou a um salto tecnológico e permitiu o
desenvolvimento de produtos customizados para o mercado nacional. Isso ocorreu
recentemente com a produção dos chamados “redutores planetários”,
megaequipamentos usados nos geradores de energia eólica.
Na fábrica de Indaiatuba, uns 30 robôs,
muitos “treinados” no local por jovens engenheiros da região de Campinas, e
mais de 600 funcionários da operação atuam às vezes 24 horas por dia para
atender à forte demanda de motores e redutores.
Nem sempre dá certo, mas muitas vezes o
avanço industrial só depende de um empurrãozinho do Estado, com crédito a juros
civilizados.
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