sábado, 8 de junho de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - A greve é contra os alunos e a sociedade

O Globo

Estudantes das federais não têm como se defender ou se proteger. Simplesmente, perdem aulas, tempo de formação

O economista André Portela formou-se pela Universidade Federal da Bahia, em 1989. Poderia ter se formado um ano antes, não fossem as greves que atrasaram o curso. E adiaram por um ano sua entrada no mercado de trabalho.

Os professores das federais estão em greve de novo. A de agora passando de dois meses. As reivindicações são as mesmas de 35 anos atrás: reajuste de salários, planos de carreira e mais dinheiro público para as universidades.

Algo está muito errado. A greve deveria ser uma exceção, um ato radical dos trabalhadores depois de negociações fracassadas. É como se a greve continuasse a negociação, por outro meio. Por que, no caso das federais, a greve tornou-se tão comum?

Líderes grevistas dizem que a resposta é simples: os docentes são trabalhadores exercendo o livre direito de greve. Mas de que trabalhadores se trata? Certamente não é o caso de falar em “classe operária” no sentido em que o conceito aparece na literatura marxista: o proletariado explorado pelo patrão e lutando contra ele. A greve é um ataque ao capital.

Os docentes estão noutra categoria. Estão no setor público. Quem seria o patrão contra o qual lutariam? O governo? Não pode ser. O governo não é o capital explorador. É um administrador que gere recursos públicos para prestar serviços ao público, aos contribuintes. Os docentes, no sentido estrito, trabalham para os alunos e, no sentido mais amplo, para a sociedade. A educação é dever do governo perante os cidadãos.

Logo, alunos e sociedade são os prejudicados diretos e indiretos numa greve de docentes de escolas públicas. O governo parece o patrão porque, no final das contas, é o pagador dos salários e o provedor de verbas para o funcionamento das universidades. Mas o governo faz isso com o dinheiro arrecadado dos contribuintes, da sociedade.

No limite, se os docentes têm patrão, são os alunos. E estes não têm como se defender ou se proteger das greves. Simplesmente, perdem aulas, tempo de formação e chegam a perder um ano inteiro. É prejuízo para eles e para a sociedade, que paga isso tudo. E que também, como os alunos, sofre o prejuízo da greve sem capacidade de reação.

Líderes grevistas alegam que os alunos geralmente apoiam o movimento. Não é bem assim. Líderes estudantis, sim, apoiam, mas não representam o corpo discente. Formam uma minoria militante que se mantém no poder dada a indiferença da maioria — mais preocupada em estudar e se formar — e em razão de esquemas de eleição controlados.

Os líderes grevistas também são militantes da esquerda. Nas conversas com representantes do PT, alguns desses líderes queixaram-se amargamente do governo. Reclamavam: haviam dado apoio inequívoco a Lula e agora esperavam ser mais bem tratados. É assim que funciona?

O governo, de sua parte, está incomodado com a greve dos companheiros. Ideologicamente, estariam todos de acordo, mas acontece que o dinheiro público está curto. O presidente Lula convocou uma reunião com os reitores das federais para a semana que vem. Depois de dois meses de greve?

Há outro aspecto, ruim, que envolve a greve de docentes: a indiferença da sociedade. Como se fosse coisa comum, tipo, é assim mesmo nas Federais. Tem greve quase todo ano. Preocupam-se os alunos que precisam se formar para trabalhar e ganhar a vida. Preocupam-se os pais que sustentam seus filhos na escola. Mas o que podem fazer nessas circunstâncias?

Uma greve nacional, em qualquer setor da economia privada, é um enorme risco assumido pelos trabalhadores, a classe operária. Perdem dinheiro, pelos dias parados, podem até perder o emprego. Nessa circunstância, ir à greve é um gesto político forte, com potencial de desestabilizar. Docentes das universidades públicas não correm risco. Não perdem um centavo de salários e benefícios. Não arriscam empregos.

A greve dos docentes é nacional. Passa de dois meses. Líderes grevistas apreciam se apresentar como vanguarda. O tamanho político da coisa? Se mede pela reação do governo, integrado por aliados. Dois meses para começar a se preocupar.

 

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