sábado, 8 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Proposta que anula delações de presos não deve ir adiante

O Globo

Ideia era descabida no tempo em que Lula era alvo da Lava-Jato. Continua descabida agora, a favor de Bolsonaro

Não pode prosperar a manobra que ganha terreno na Câmara para acabar com as delações premiadas feitas por réus presos. Num movimento surpreendente, deputados tiraram do baú um projeto apresentado em 2016 pelo então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), hoje secretário nacional do Consumidor.

Na época, quando as delações premiadas da Operação Lava-Jato causavam estrago nas fileiras petistas, e os acordos com empreiteiros presos ameaçavam o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT demonizava as colaborações e queria invalidá-las. Agora, o objetivo implícito da manobra, promovida por expoentes da oposição e do Centrão, é beneficiar o maior rival petista: o ex-presidente Jair Bolsonaro, exposto pela delação de seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid. Quem era a favor antes agora é contra, e quem era contra antes agora é a favor. A iniciativa sempre foi descabida.

A despeito das conveniências políticas de quem quer que seja, não há motivo para acabar com delações premiadas de réus presos, ainda mais de forma açodada. Nos últimos anos, esse tipo de colaboração tem sido um instrumento importante para o esclarecimento de crimes complexos. O projeto de Damous propõe que as delações sejam homologadas apenas quando o réu estiver em liberdade; que nenhuma denúncia tenha como fundamento apenas as declarações do delator; e que a divulgação de depoimentos de delatores seja punida com prisão e multa.

Proibir a divulgação de depoimentos é uma restrição sem sentido à liberdade de informação. E, evidentemente, delações de réus presos não servem como provas por si sós, como reafirmou o Supremo Tribunal Federal (STF). Elas são ponto de partida para que se acrescentem novos elementos à apuração. Precisam ser confrontadas com outras informações resultantes de investigação independente. Mas o fato de alguém estar preso no momento da delação em nada invalida o que tiver a dizer. A questão deve ser analisada do ponto de vista técnico, e não político.

O projeto não fazia sentido antes, como continua não fazendo agora. Surpreende que, engavetado há oito anos depois de rejeitado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara, ele tenha ganhado força agora. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou para a próxima semana a votação de um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do texto. Caso seja aprovado, o projeto irá a plenário, sem o necessário debate sobre o tema.

A manobra não afeta o processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível, mas as declarações de Cid à polícia alimentaram investigações sobre o envolvimento dele em tramas golpistas, apropriação de presentes dados por autoridades estrangeiras e falsificação de certificados de vacinação. A tramitação de tudo isso entraria em xeque caso delações de presos fossem anuladas.

A proposta poderia ter implicações também na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, que ganhou tração depois da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa. Há dúvidas se, caso aprovada, valeria para delações já homologadas. Em casos do tipo, a Justiça tem decidido que leis retroagem quando beneficiam os réus ou condenados. Não parece coincidência que a manobra tenha conquistado simpatia de tantos parlamentares de todas as inclinações ideológicas.

Participação do setor privado amplia esforço para reduzir perdas de água

O Globo

Combate ao desperdício tem melhorado no Brasil, mas ele ainda alcança volumes preocupantes

Embora o Brasil seja conhecido por abrigar a maior reserva de água doce do mundo, a realidade da distribuição revela um cenário preocupante. Em 2022, 37,8% da água tratada não chegou ao consumidor e se perdeu, segundo estudo do Instituto Trata Brasil, especializado em saneamento básico. Isso equivale a 1.400 piscinas olímpicas por dia.

É verdade que, apesar do índice alto, pela primeira vez em sete anos houve redução no desperdício (no ano passado, a perda foi de 40,3%). Mas a meta do governo é 25%, objetivo ainda distante. Em países ricos, os índices giram ao redor de 15%. O Brasil está em posição intermediária mesmo na América Latina: Argentina (39,7%), Peru (40,8%) e Uruguai (50,2%) apresentam desperdício maior, enquanto Chile (31,4%) e Bolívia (27,8%) registram índices mais baixos.

Há otimismo depois das reformas introduzidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020. Antes dominado por estatais regionais incapazes de investir adequadamente, o setor começa a atrair capital privado. A privatização da estatal Cedae em 2021, no Rio de Janeiro, e os avanços na venda da Sabesp, em São Paulo, são sinais promissores dessa mudança.

No levantamento do Trata Brasil, a Cedae e as demais concessionárias do Rio se destacam negativamente entre as capitais, perdendo o equivalente a 403 piscinas olímpicas de água tratada por dia. Comparativamente, a Sabesp perde 102 enquanto Cesan (Vitória) e Saneatins (Palmas), de gestão privada a cargo do grupo Brookfield, perdem, respectivamente, 9,5 e cinco piscinas olímpicas por dia. As empresas do Espírito Santo e de Tocantins registram índices de 32,3% e 31,7%, abaixo da média nacional. De modo geral, as empresas com participação privada têm apresentado melhores resultados na gestão da distribuição de água.

Apenas duas das 27 capitais brasileiras, Goiânia (Saneago) e Campo Grande (AG), têm índices de perda inferiores à meta de 25%. A média das capitais é alarmante, com 43,2% de água tratada desperdiçada. Porto Velho e Macapá apresentam perdas de 77,3% e 71,4%, respectivamente. Para essas cidades, alcançar a meta de 25% exigirá um esforço colossal.

Parte significativa dessa perda, cerca de 40%, é decorrente de desvios ilegais conhecidos como “gatos”. O restante é desperdício puro e pode ser atribuído à ineficiência das redes de distribuição. Ao combater tanto os desvios ilegais quanto o desperdício na rede, as empresas de saneamento não apenas reduziriam as perdas, mas também aumentariam substancialmente seu faturamento e, consequentemente, poderiam investir na melhoria dos serviços.

Enquanto as reformas recentes e a atração de capital privado traçam um rumo promissor, ainda há um longo caminho para o Brasil superar seu atraso no saneamento básico. É essencial que os esforços combinem investimentos em infraestrutura com a repressão aos desvios ilegais. Somente assim será possível garantir um uso mais eficiente dos recursos hídricos e um serviço de saneamento de qualidade para todos os brasileiros.

PGR amplia desconforto com decisão de Toffoli

Folha de S. Paulo

Ministro contrariou jurisprudência do STF para beneficiar Odebrecht, uma decisão que merece avaliação colegiada no plenário

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez o que qualquer pessoa com conhecimento jurídico e bom senso faria em sua posição: pediu para o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, rever a decisão de anular todos os atos da Operação Lava Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht.

De acordo com Gonet, há motivos de sobra para o ministro voltar atrás, a começar pelo fato de que a canetada em prol do executivo contraria um entendimento bem estabelecido no STF para os chamados pedidos de extensão.

Foi a essa figura que Odebrecht recorreu. Ele solicitou que fossem estendidos a si os efeitos de decisão, tomada também por Toffoli, que beneficiou outros réus da Lava Jato, cujos processos foram anulados por irregularidades apontadas na investigação após um hacker expor conversas da força-tarefa.

Os advogados do empresário argumentaram que o caso dele, por ser parecido com os demais, merecia igualdade de tratamento. Toffoli, em sua cruzada contra a Lava Jato, sensibilizou-se com a demanda.

Ocorre que, segundo Gonet, pululam erros crassos nessa avaliação. De mais grave, fica evidente a confusão, não se sabe se deliberada, entre as instâncias responsáveis pelos distintos atos processuais.

É que, para Toffoli, os métodos praticados na 13ª Vara Federal de Curitiba acumularam ilegalidades inaceitáveis, como a violação do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Lá trabalhavam o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol.

Gonet afirma que nada disso importa. Afinal, a delação premiada de Odebrecht, sua confissão e a entrega de documentos comprobatórios por ele ocorreram na PGR e sob supervisão do Supremo, não na primeira instância diante de Moro.

"A admissão de crimes e os demais itens constantes do acordo de colaboração independem de avaliação crítica que se possa fazer da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba", escreve Gonet. Ele ainda lista uma série de questões técnicas desconsideradas por Toffoli e que deixam o pedido de extensão feito pelo empreiteiro distante de qualquer parâmetro aceito pelo STF.

Não se trata, como se sabe, da primeira manobra heterodoxa de Toffoli. Para lembrar episódios recentes, o ex-advogado do PT também suspendeu pagamentos de multas pela Odebrecht e favoreceu a J&F, companhia que contratou a esposa do ministro como advogada em um litígio empresarial.

Logo se entende, por esse histórico, que seria pouco frutífero esperar de Toffoli uma revisão crítica de seu juízo. O que não se compreende é por que os demais ministros não o pressionam para levar o caso ao plenário, onde a corte poderá deliberar de forma colegiada.

Assédio litorâneo

Folha de S. Paulo

Alvo de fake news da esquerda, PEC sobre áreas da costa tem aspectos temerários

Foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado a proposta de emenda constitucional que transfere para estados, municípios e ocupantes privados a propriedade de terras litorâneas, hoje sob domínio da União. A peça, alvo de uma série de desinformações, já passara pela Câmara dos Deputados em 2022.

O texto, relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), trata da chamada área de marinha, uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos influenciadas pela maré, a partir da linha da maré cheia média de 1831.

Nesses locais a União faz jus a duas taxas, o foro anual de 0,6% do valor venal do imóvel e o laudêmio de 5% na transferência da propriedade dos terrenos já demarcadas. O valor estimado do patrimônio total é incerto, mas especialistas apontam para algo entre R$ 500 bilhões e R$ 1 trilhão.

Permaneceriam a cargo da União apenas os terrenos afetados pelo serviço federal, como as unidades de conservação ambiental.

As demais seriam transferidas no prazo de dois anos, gratuitamente no caso de interesse social e concessões estaduais e municipais, e de forma onerosa para ocupantes privados nos locais demarcados e com inscrição regular.

A peça é temerária e mal concebida. O primeiro e fundamental problema é a forma ligeira com que se trata o patrimônio da União. Não é razoável que se faça transferência açodada, ainda menos quando se tem em conta que a maior parte da área não foi demarcada.

Não se está diante de uma proposta para a privatização das praias, como incorretamente a PEC ficou conhecida —por causa de uma campanha de fake news difundida por militantes de esquerda. Mas há riscos consideráveis envolvidos.

Especialmente os municípios são mais permeáveis a interesses particulares. A grilagem e a especulação imobiliária seriam incentivadas pelo texto, com riscos graves para os interesses coletivos e a preservação de ecossistemas.

Ainda que seja desejável modernizar o arcaico estatuto jurídico de quase 200 anos, qualquer iniciativa séria nessa direção demanda estudos e criteriosa avaliação.

Todos contra o governo

O Estado de S. Paulo

Ao limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas para compensar a renúncia tributária da desoneração, governo adota estratégia perigosa de tentar jogar setores uns contra os outros

O governo apresentou sua proposta para compensar a renúncia associada à desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e os municípios. Como era de imaginar, o Executivo pretende ampliar as receitas da União sem reconhecer que a medida representa, na prática, um aumento disfarçado de impostos.

É o que propõe a Medida Provisória (MP) 1.227/2024, por meio da qual o governo quer limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. Enquanto a desoneração custará R$ 26,3 bilhões aos cofres públicos neste ano, a MP editada nesta semana poderá arrecadar até R$ 29,2 bilhões.

Atualmente, as empresas podem utilizar os créditos gerados por essas duas contribuições para abater débitos de outros impostos federais, prática conhecida como compensação cruzada. Com a MP, o uso será restrito a pagamentos relacionados aos próprios tributos PIS e Cofins. Se as empresas optarem por receber os valores em dinheiro, o prazo para pagamento pela Receita Federal será de até 360 dias, a menos que se trate de crédito presumido – que, para o Fisco, representa um benefício fiscal disfarçado e, portanto, não será mais ressarcido.

Emulando a estratégia utilizada no episódio da reoneração, quando editou uma MP em pleno recesso parlamentar, o governo publicou a nova proposta sem avisar previamente os presidentes da Câmara e do Senado, o que surpreendeu e desagradou a ambos. A diferença é que, desta vez, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que estava na Europa para uma reunião com o papa Francisco, não participou da entrevista coletiva sobre a medida.

Para o Ministério da Fazenda, é a “Medida Provisória do Equilíbrio Fiscal”. “É uma medida que onera alguns setores sem aumentar tributos, corrigindo distorções, para compensar esses benefícios que estão sendo dados a várias empresas e a milhares de municípios na outra ponta”, disse o secretário executivo da pasta, Dario Durigan.

A estratégia do governo parece evidente: como seus argumentos contra a desoneração não foram suficientes para convencer o Legislativo sobre o mérito da discussão, o negócio é jogar os setores uns contra os outros. Poderia dar certo, mas, aparentemente, não deu. Nada menos que 27 frentes parlamentares já se uniram para pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolva a medida provisória sem analisá-la.

O mais afetado pela MP será o agronegócio, mas há muitos outros segmentos preocupados com as consequências da proposta. Os exportadores, por exemplo, são isentos da cobrança de PIS e Cofins, mas recebem créditos gerados por essas contribuições ao longo da cadeia e não mais poderão utilizá-los.

Prova do improviso da MP foi uma entrevista concedida pela procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida. Ao Estadão, ela reconheceu que os exportadores têm um bom argumento. “Talvez a gente tenha de fazer uma outra alteração no sistema tributário das exportadoras”, afirmou.

O governo, no entanto, acredita ter um trunfo em sua mão: a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin, segundo a qual a desoneração só estará garantida se houver medida compensatória, foi endossada pelo STF. Se o prazo de 60 dias estabelecido pela liminar não for cumprido, a reoneração passa a vigorar de imediato, a não ser que o Congresso encontre, em menos de 40 dias, outra fonte para cobrir a renúncia.

Do imbróglio, conclui-se que o governo vai esgotar todas as possibilidades de aumentar a arrecadação antes de pensar em cortar despesas – se é que um dia o fará. Não se fala em corte de gastos ou redução de despesas estruturais, e quem ousa sugerir medidas nesse sentido é imediatamente desautorizado.

Tomado pelo otimismo do ano passado, quando conseguiu aprovar todo o pacote de medidas para recuperar receitas, o Executivo talvez acredite que essa tática não tenha limites. O problema é que a maior parte do setor produtivo discorda veementemente dessa avaliação, e até mesmo a indústria, que até então podia ser considerada uma aliada do governo, ficou ao lado do agronegócio nessa pendenga. Eis um mérito do governo: unir os desunidos contra si mesmo.

A dura vida de Tarcísio de Freitas

O Estado de S. Paulo

Acusado pela malta bolsonarista de não ser leal a Bolsonaro, o governador tem o desafio de parecer moderado e democrata sem desagradar ao ex-presidente, o que é obviamente impossível

No crispado ambiente político nacional, com um debate público contaminado por radicalização, intolerância e polarização, que converte adversários em inimigos, parece especialmente difícil a vida do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que tenta agradar a seu padrinho Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que procura se apresentar como moderado e democrata.

Trata-se obviamente de uma impossibilidade, porque Bolsonaro é um orgulhoso liberticida e costuma jogar ao mar quem ousa reivindicar o apoio de seus devotos enquanto respeita instituições e adversários. Os recentes ataques que Tarcísio sofreu do pastor Silas Malafaia só reafirmaram o tamanho do desafio para o governador.

Tanto por comandar São Paulo quanto por se credenciar como substituto de Bolsonaro, Tarcísio precisa se equilibrar entre um campo que busca alternativas concretas de gestão e outro que prefere espalhar brasas onde já existe muito fogo. É esse o caso de Malafaia, que, na condição de profeta do bolsonarismo, é responsável pela revelação dos desígnios de Bolsonaro.

À imprensa, em diferentes entrevistas, o pastor disse desconfiar que Tarcísio atua nos bastidores para que Bolsonaro continue inelegível – e, assim, possa disputar a Presidência em 2026. Cobrou-lhe falas mais duras contra a inelegibilidade do ex-presidente. Também o criticou por manter diálogo produtivo com desafetos figadais do bolsonarismo, como o presidente Lula da Silva, os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Em Kassab, aliás, disse o pastor, Tarcísio deveria “dar uma prensa”, pois o secretário de Governo de São Paulo, auxiliar e mentor político do governador, é visto pelos bolsonaristas mais empedernidos como um forte aliado de Lula. Malafaia avisou: “Quem é amigo do meu inimigo meu amigo não é”.

Qualquer liderança da direita que se insinue como herdeira dos votos de Bolsonaro, como Tarcísio ou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é desde logo considerada traidora pelo entorno do ex-presidente, que ainda nutre a esperança de reverter sua inelegibilidade e de se candidatar na eleição presidencial de 2026. A família de Bolsonaro deixou clara sua fúria contra os que tratam Bolsonaro não como potencial candidato, mas como um “movimento”, como aliás disse Tarcísio em comício recente. Carlos Bolsonaro, em seu dialeto peculiar, exortou seus seguidores nas redes sociais a “desconfiar” de quem “exclui a possibilidade de Jair Bolsonaro de concorrer à futura disputa eleitoral” e “usa a imagem do presidente”. Segundo ele, trata-se de um movimento “oportunista”, que “tem a intenção de visivelmente enfraquecer o capitão”. Já a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro deu entrevista ao site bolsonarista Pleno News advertindo os “precoces” de que “o Jair está mais ativo do que nunca” e de que “nós estamos trabalhando para reverter as injustiças que ele vem sofrendo, e eu acredito que ele será o nosso próximo presidente”.

É esse o desafio de uma direita que precisa ser uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Para o bem do País, deveria optar pela ideia liberal, republicana e democrática, enquanto galvaniza o espírito do antipetismo ou do desencanto com os rumos tomados pelo atual governo – que, eleito com o adorno da frente ampla e do horizonte de reconstrução e pacificação do País, segue sem cumprir tal promessa. A tarefa de Tarcísio hoje é virtualmente impossível: se, de um lado, é preciso conquistar os eleitores de centro com demonstrações de respeito às regras da democracia, aceitação dos resultados das urnas e repúdio ao uso da violência, por outro lado, muitos acreditam que, para ter viabilidade eleitoral, é preciso rezar o credo de uma seita cujo evangelho enaltece o vale-tudo, a intolerância e o golpismo.

Eis aí a quadratura do círculo que o governador paulista pretende solucionar.

A democracia da Índia respira

O Estado de S. Paulo

E sua economia prosperará mais se a humilhação nas urnas instilar humildade em seu líder

Quando as eleições na Índia começaram, há seis semanas, o vaticínio dos analistas, escorados nas pesquisas, era inequívoco: o Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party ou BJP), do premiê Narendra Modi, há 10 anos majoritário no Parlamento, conquistaria, turbinado por uma forte aceleração econômica e pelo culto à personalidade de seu líder, uma maioria ainda mais robusta, provavelmente uma supermaioria apta a mudar a Constituição. O assalto às instituições, oposição, imprensa e minorias étnicas e religiosas se intensificaria. O caminho para transformar a maior democracia do mundo numa autocracia seria pavimentado, confirmando os presságios pessimistas sobre o declínio global da democracia.

Mas umas das belezas da democracia, talvez a maior, é a sua capacidade de surpreender. Os indianos tinham outras ideias. Quando as urnas foram abertas, o BJP emergiu mais fraco. Ele ainda tem mais cadeiras, mas perdeu a maioria e precisará se coligar a outros partidos para governar. A oposição emergiu maior, mais forte e mais unida.

Das grandes economias, a da Índia é a que cresce mais rápido. No governo de Modi, a infraestrutura proliferou, o país criou um estado de bem-estar social digitalizado e sua confiança no palco global aumentou. Mas a desigualdade ainda é excruciante e o mercado de trabalho é precarizado. Mais do que isso, as urnas repudiaram o projeto de uma hegemonia chauvinista hindu.

Isso pode significar uma momentânea desaceleração das reformas econômicas. A história mostra que, nas mãos de um líder competente, o populismo autoritário pode ser eficaz. Mas só a curto prazo. A longo, ele acaba por reprimir as liberdades necessárias para a inovação e criação de riqueza. O eleitorado parece confiante de que forçar o governo a uma política mais deliberativa não só é indispensável para o vigor de sua democracia, mas criará os alicerces para que o seu desenvolvimento seja sustentável. A história está a seu favor.

A oposição mostrou ao mundo que é possível enfrentar o populismo sem emulá-lo. À frente de mais de uma dúzia de partidos da coalizão INDIA não havia nenhuma personalidade carismática, mas entre eles houve unidade de propósito. Eles também terão de fazer uma autocrítica e se provar capazes de abraçar as melhores ideias do BJP e sua capacidade administrativa, sem suas táticas divisivas.

Quem enfrentará o maior teste é Modi. Seu estilo é centralizador e ele nunca compartilhou o poder antes. Após anos de uma ascensão retilínea e um governo hegemônico, desacostumado a articular coalizões e confiar em parceiros, ao invés de admitir que o povo quer menos sectarismo e autoritarismo, pode concluir que ele precisa de mais.

Mas a democracia indiana surpreendeu o mundo, e seu líder pode surpreender também, se a humilhação servir para insuflar a humildade e a busca por uma política mais conciliatória. Seria o seu maior gesto de grandeza e um triunfo para a república indiana, com ganhos para todo o mundo. Mas, se optar pelo inverso, o povo mostrou nas urnas que será capaz de fazê-lo pagar por sua húbris.

Quando menos se espera, mais impostos

Correio Braziliense

A MP que impõe restrições à compensação de créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins enfrenta forte reação no Congresso e é repudiada por agentes econômicos

Editada para compensar os impactos da manutenção da desoneração da folha de pagamentos de empresas e de municípios, a Medida Provisória (MP) 1.227/2024, que impõe restrições à compensação de créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins, enfrenta forte reação no Congresso e está sendo repudiada pelos agentes econômicos atingidos pela medida. Publicada em edição extra do Diário Oficial da União na terça-feira, a MP surpreendeu o mercado, pois as empresas serão obrigadas a pagar mais impostos sem nem mesmo terem tempo de rever seus planejamentos financeiros e tributários.

Segundo a MP, desde 4 de junho de 2024, os créditos do regime de não cumulatividade da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins somente poderão ser usados para compensar esses tributos. Antes, o contribuinte com créditos em contabilidade podia utilizá-lo para pagar outros tributos, como o Imposto de Renda da empresa. O governo alega que o regime de não cumulatividade do PIS/Pasep e Cofins, supostamente, cria uma "tributação negativa", que beneficia os contribuintes com grande acúmulo de créditos, num total de R$ 53,9 bilhões.

Diversos dispositivos da legislação tributária que previam o ressarcimento em dinheiro do saldo credor de créditos presumidos da contribuição ao PIS e da Cofins, apurados na aquisição de insumos, também foram revogados. Segundo o governo, a MP é "indispensável" para reorganizar as contas públicas após o Congresso Nacional prorrogar, até 2027, a desoneração da folha de pagamentos de empresas e de municípios. A MP pode garantir um aumento de arrecadação de R$ 29,2 bilhões este ano.

Setores produtivos, por meio de suas entidades representativas, reclamam que a nova medida arrecadatória do governo federal mexe na sistemática de arrecadação do PIS/Cofins, fere o planejamento tributário, descapitaliza as empresas e terá impacto na inflação. A medida é vista como uma retaliação do Ministério da Fazenda para compensar perdas que a União terá com a desoneração da folha de 17 setores e de pequenos municípios neste ano. A desoneração, argumenta o governo, representaria uma perda de arrecadação da ordem de R$ 26,3 bilhões aos cofres públicos em 2024.

Segundo a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a utilização dos créditos já estava no planejamento das empresas e, sem essa possibilidade, os proprietários terão de procurar outras fontes de recursos para pagar impostos. As empresas terão até que recorrer ao sistema financeiro para obter recursos. A CNI calcula que o impacto negativo para o segmento será de R$ 29,2 bilhões nos sete meses da vigência da MP em 2024. Para 2025, o impacto deve chegar a R$ 60,8 bilhões.

Mantida, a decisão deve levar à judicialização da questão e, assim, provocar mais insegurança jurídica. "Chegamos ao nosso limite. Nós somos um vetor fundamental para o desenvolvimento do país e vamos às últimas consequências jurídicas e políticas para defender a indústria no Brasil. Não adianta ter uma nova e robusta política industrial de um lado se, do outro, vemos esse ataque à nossa competitividade", disse Ricardo Alban, presidente da CNI.

No Congresso, nada menos do que 27 frentes parlamentares estão defendendo a devolução da medida provisória pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, com o argumento de que a medida é inconstitucional por não respeitar a anuidade da cobrança de impostos e contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal.Playvolume00:00/00:00correiobrazilienseTruvid

Trocando em miúdos, o governo deve cortar gastos para recuperar o equilíbrio fiscal e não aumentar os impostos. É disso que se trata.

 

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