Proposta que anula delações de presos não deve ir adiante
O Globo
Ideia era descabida no tempo em que Lula era
alvo da Lava-Jato. Continua descabida agora, a favor de Bolsonaro
Não pode prosperar a manobra que ganha
terreno na Câmara para acabar com as delações premiadas feitas por réus presos.
Num movimento surpreendente, deputados tiraram do baú um projeto apresentado em
2016 pelo então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), hoje secretário nacional
do Consumidor.
Na época, quando as delações premiadas da Operação Lava-Jato causavam estrago nas fileiras petistas, e os acordos com empreiteiros presos ameaçavam o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT demonizava as colaborações e queria invalidá-las. Agora, o objetivo implícito da manobra, promovida por expoentes da oposição e do Centrão, é beneficiar o maior rival petista: o ex-presidente Jair Bolsonaro, exposto pela delação de seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid. Quem era a favor antes agora é contra, e quem era contra antes agora é a favor. A iniciativa sempre foi descabida.
A despeito das conveniências políticas de
quem quer que seja, não há motivo para acabar com delações premiadas de réus
presos, ainda mais de forma açodada. Nos últimos anos, esse tipo de colaboração
tem sido um instrumento importante para o esclarecimento de crimes complexos. O
projeto de Damous propõe que as delações sejam homologadas apenas quando o réu
estiver em liberdade; que nenhuma denúncia tenha como fundamento apenas as
declarações do delator; e que a divulgação de depoimentos de delatores seja punida
com prisão e multa.
Proibir a divulgação de depoimentos é uma
restrição sem sentido à liberdade de informação. E, evidentemente, delações de
réus presos não servem como provas por si sós, como reafirmou o Supremo
Tribunal Federal (STF). Elas são ponto de partida para que se acrescentem novos
elementos à apuração. Precisam ser confrontadas com outras informações
resultantes de investigação independente. Mas o fato de alguém estar preso no
momento da delação em nada invalida o que tiver a dizer. A questão deve ser
analisada do ponto de vista técnico, e não político.
O projeto não fazia sentido antes, como
continua não fazendo agora. Surpreende que, engavetado há oito anos depois de
rejeitado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara, ele tenha ganhado força
agora. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou para a próxima
semana a votação de um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do
texto. Caso seja aprovado, o projeto irá a plenário, sem o necessário debate
sobre o tema.
A manobra não afeta o processo no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível, mas as declarações de
Cid à polícia alimentaram investigações sobre o envolvimento dele em tramas
golpistas, apropriação de presentes dados por autoridades estrangeiras e
falsificação de certificados de vacinação. A tramitação de tudo isso entraria
em xeque caso delações de presos fossem anuladas.
A proposta poderia ter implicações também na
investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista,
Anderson Gomes, que ganhou tração depois da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa.
Há dúvidas se, caso aprovada, valeria para delações já homologadas. Em casos do
tipo, a Justiça tem decidido que leis retroagem quando beneficiam os réus ou
condenados. Não parece coincidência que a manobra tenha conquistado simpatia de
tantos parlamentares de todas as inclinações ideológicas.
Participação do setor privado amplia esforço
para reduzir perdas de água
O Globo
Combate ao desperdício tem melhorado no
Brasil, mas ele ainda alcança volumes preocupantes
Embora o Brasil seja conhecido por abrigar a
maior reserva de água doce do mundo, a realidade da distribuição revela um
cenário preocupante. Em 2022, 37,8% da água tratada não chegou ao consumidor e
se perdeu, segundo estudo do Instituto Trata Brasil, especializado em
saneamento básico. Isso equivale a 1.400 piscinas olímpicas por dia.
É verdade
que, apesar do índice alto, pela primeira vez em sete anos houve redução no
desperdício (no ano passado, a perda foi de 40,3%). Mas a meta
do governo é 25%, objetivo ainda distante. Em países ricos, os índices giram ao
redor de 15%. O Brasil está em posição intermediária mesmo na América Latina:
Argentina (39,7%), Peru (40,8%) e Uruguai (50,2%) apresentam desperdício maior,
enquanto Chile (31,4%) e Bolívia (27,8%) registram índices mais baixos.
Há otimismo depois das reformas introduzidas
pelo Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020. Antes dominado por
estatais regionais incapazes de investir adequadamente, o setor começa a atrair
capital privado. A privatização da estatal Cedae em 2021, no Rio de Janeiro, e
os avanços na venda da Sabesp, em São Paulo, são sinais promissores dessa
mudança.
No levantamento do Trata Brasil, a Cedae e as
demais concessionárias do Rio se destacam negativamente entre as capitais,
perdendo o equivalente a 403 piscinas olímpicas de água tratada por dia.
Comparativamente, a Sabesp perde 102 enquanto Cesan (Vitória) e Saneatins
(Palmas), de gestão privada a cargo do grupo Brookfield, perdem,
respectivamente, 9,5 e cinco piscinas olímpicas por dia. As empresas do
Espírito Santo e de Tocantins registram índices de 32,3% e 31,7%, abaixo da
média nacional. De modo geral, as empresas com participação privada têm
apresentado melhores resultados na gestão da distribuição de água.
Apenas duas das 27 capitais brasileiras,
Goiânia (Saneago) e Campo Grande (AG), têm índices de perda inferiores à meta
de 25%. A média das capitais é alarmante, com 43,2% de água tratada
desperdiçada. Porto Velho e Macapá apresentam perdas de 77,3% e 71,4%,
respectivamente. Para essas cidades, alcançar a meta de 25% exigirá um esforço
colossal.
Parte significativa dessa perda, cerca de
40%, é decorrente de desvios ilegais conhecidos como “gatos”. O restante é
desperdício puro e pode ser atribuído à ineficiência das redes de distribuição.
Ao combater tanto os desvios ilegais quanto o desperdício na rede, as empresas
de saneamento não apenas reduziriam as perdas, mas também aumentariam
substancialmente seu faturamento e, consequentemente, poderiam investir na
melhoria dos serviços.
Enquanto as reformas recentes e a atração de
capital privado traçam um rumo promissor, ainda há um longo caminho para o
Brasil superar seu atraso no saneamento básico. É essencial que os esforços
combinem investimentos em infraestrutura com
a repressão aos desvios ilegais. Somente assim será possível garantir um uso
mais eficiente dos recursos hídricos e um serviço de saneamento de qualidade
para todos os brasileiros.
PGR amplia desconforto com decisão de Toffoli
Folha de S. Paulo
Ministro contrariou jurisprudência do STF
para beneficiar Odebrecht, uma decisão que merece avaliação colegiada no
plenário
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
fez o que qualquer pessoa com conhecimento jurídico e bom senso faria em sua
posição: pediu para o ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, rever a decisão de anular todos os atos da Operação Lava
Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht.
De acordo com Gonet, há motivos de
sobra para o ministro voltar atrás, a começar pelo fato de que a
canetada em prol do executivo contraria um entendimento bem estabelecido
no STF para
os chamados pedidos de extensão.
Foi a essa figura que Odebrecht recorreu. Ele
solicitou que fossem estendidos a si os efeitos de decisão, tomada também por
Toffoli, que beneficiou outros réus da Lava Jato, cujos processos foram
anulados por irregularidades apontadas na investigação após um hacker expor
conversas da força-tarefa.
Os advogados do empresário argumentaram que o
caso dele, por ser parecido com os demais, merecia igualdade de tratamento.
Toffoli, em sua cruzada contra a Lava Jato, sensibilizou-se com a demanda.
Ocorre que, segundo Gonet, pululam erros
crassos nessa avaliação. De mais grave, fica evidente a confusão, não se sabe
se deliberada, entre as instâncias responsáveis pelos distintos atos
processuais.
É que, para Toffoli, os métodos praticados na
13ª Vara Federal de Curitiba acumularam ilegalidades inaceitáveis, como a
violação do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Lá
trabalhavam o ex-juiz Sergio Moro e
o ex-procurador Deltan Dallagnol.
Gonet afirma que nada disso importa. Afinal,
a delação premiada de Odebrecht, sua confissão e a entrega de documentos
comprobatórios por ele ocorreram na PGR e sob
supervisão do Supremo, não na primeira instância diante de Moro.
"A admissão de crimes e os demais itens
constantes do acordo de colaboração independem de avaliação crítica que se
possa fazer da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba", escreve Gonet. Ele
ainda lista uma série de questões técnicas desconsideradas por Toffoli e que
deixam o pedido de extensão feito pelo empreiteiro distante de qualquer
parâmetro aceito pelo STF.
Não se trata, como se sabe, da primeira
manobra heterodoxa de Toffoli. Para lembrar episódios recentes, o ex-advogado
do PT também
suspendeu pagamentos de multas pela Odebrecht e favoreceu a J&F, companhia
que contratou a
esposa do ministro como advogada em um litígio empresarial.
Logo se entende, por esse histórico, que
seria pouco frutífero esperar de Toffoli uma revisão crítica de seu juízo. O
que não se compreende é por que os demais ministros não o pressionam para levar o caso
ao plenário, onde a corte poderá deliberar de forma colegiada.
Assédio litorâneo
Folha de S. Paulo
Alvo de fake news da esquerda, PEC sobre
áreas da costa tem aspectos temerários
Foi aprovada na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania do Senado a
proposta de emenda constitucional que transfere
para estados, municípios e ocupantes privados a propriedade de terras
litorâneas, hoje sob domínio da União. A peça, alvo de uma série de
desinformações, já passara pela Câmara dos
Deputados em 2022.
O texto, relatado por Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), trata da chamada
área de marinha, uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das
margens de rios e lagos influenciadas pela maré, a partir da linha da maré
cheia média de 1831.
Nesses locais a União faz jus a duas taxas, o
foro anual de 0,6% do valor venal do imóvel e o laudêmio de 5% na transferência
da propriedade dos terrenos já demarcadas. O valor estimado do patrimônio total
é incerto, mas especialistas apontam para algo entre R$ 500 bilhões e R$ 1
trilhão.
Permaneceriam a cargo da União apenas os
terrenos afetados pelo serviço federal, como as unidades de conservação
ambiental.
As demais seriam transferidas no prazo de
dois anos, gratuitamente no caso de interesse social e concessões estaduais e
municipais, e de forma onerosa para ocupantes privados nos locais demarcados e
com inscrição regular.
A peça é temerária e mal concebida. O
primeiro e fundamental problema é a forma ligeira com que se trata o patrimônio
da União. Não é razoável que se faça transferência açodada, ainda menos quando
se tem em conta que a maior parte da área não foi demarcada.
Não se está diante de uma proposta para a
privatização das praias, como incorretamente a PEC ficou conhecida —por causa
de uma campanha de fake news difundida
por militantes de esquerda. Mas há riscos consideráveis envolvidos.
Especialmente os municípios são mais
permeáveis a interesses particulares. A grilagem e a especulação imobiliária
seriam incentivadas pelo texto, com riscos graves para os interesses coletivos
e a preservação de ecossistemas.
Ainda que seja desejável modernizar o arcaico estatuto jurídico de quase 200 anos, qualquer iniciativa séria nessa direção demanda estudos e criteriosa avaliação.
Todos contra o governo
O Estado de S. Paulo
Ao limitar o uso de créditos de PIS e Cofins
pelas empresas para compensar a renúncia tributária da desoneração, governo
adota estratégia perigosa de tentar jogar setores uns contra os outros
O governo apresentou sua proposta para
compensar a renúncia associada à desoneração da folha de pagamento para 17
setores da economia e os municípios. Como era de imaginar, o Executivo pretende
ampliar as receitas da União sem reconhecer que a medida representa, na
prática, um aumento disfarçado de impostos.
É o que propõe a Medida Provisória (MP)
1.227/2024, por meio da qual o governo quer limitar o uso de créditos de PIS e
Cofins pelas empresas. Enquanto a desoneração custará R$ 26,3 bilhões aos
cofres públicos neste ano, a MP editada nesta semana poderá arrecadar até R$
29,2 bilhões.
Atualmente, as empresas podem utilizar os
créditos gerados por essas duas contribuições para abater débitos de outros
impostos federais, prática conhecida como compensação cruzada. Com a MP, o uso
será restrito a pagamentos relacionados aos próprios tributos PIS e Cofins. Se
as empresas optarem por receber os valores em dinheiro, o prazo para pagamento
pela Receita Federal será de até 360 dias, a menos que se trate de crédito
presumido – que, para o Fisco, representa um benefício fiscal disfarçado e, portanto,
não será mais ressarcido.
Emulando a estratégia utilizada no episódio
da reoneração, quando editou uma MP em pleno recesso parlamentar, o governo
publicou a nova proposta sem avisar previamente os presidentes da Câmara e do
Senado, o que surpreendeu e desagradou a ambos. A diferença é que, desta vez, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que estava na Europa para uma reunião com
o papa Francisco, não participou da entrevista coletiva sobre a medida.
Para o Ministério da Fazenda, é a “Medida
Provisória do Equilíbrio Fiscal”. “É uma medida que onera alguns setores sem
aumentar tributos, corrigindo distorções, para compensar esses benefícios que
estão sendo dados a várias empresas e a milhares de municípios na outra ponta”,
disse o secretário executivo da pasta, Dario Durigan.
A estratégia do governo parece evidente: como
seus argumentos contra a desoneração não foram suficientes para convencer o
Legislativo sobre o mérito da discussão, o negócio é jogar os setores uns
contra os outros. Poderia dar certo, mas, aparentemente, não deu. Nada menos
que 27 frentes parlamentares já se uniram para pedir ao presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolva a medida provisória sem analisá-la.
O mais afetado pela MP será o agronegócio,
mas há muitos outros segmentos preocupados com as consequências da proposta. Os
exportadores, por exemplo, são isentos da cobrança de PIS e Cofins, mas recebem
créditos gerados por essas contribuições ao longo da cadeia e não mais poderão
utilizá-los.
Prova do improviso da MP foi uma entrevista
concedida pela procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida. Ao
Estadão, ela reconheceu que os exportadores têm um bom argumento. “Talvez a
gente tenha de fazer uma outra alteração no sistema tributário das
exportadoras”, afirmou.
O governo, no entanto, acredita ter um trunfo
em sua mão: a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin,
segundo a qual a desoneração só estará garantida se houver medida
compensatória, foi endossada pelo STF. Se o prazo de 60 dias estabelecido pela
liminar não for cumprido, a reoneração passa a vigorar de imediato, a não ser
que o Congresso encontre, em menos de 40 dias, outra fonte para cobrir a
renúncia.
Do imbróglio, conclui-se que o governo vai
esgotar todas as possibilidades de aumentar a arrecadação antes de pensar em
cortar despesas – se é que um dia o fará. Não se fala em corte de gastos ou
redução de despesas estruturais, e quem ousa sugerir medidas nesse sentido é
imediatamente desautorizado.
Tomado pelo otimismo do ano passado, quando
conseguiu aprovar todo o pacote de medidas para recuperar receitas, o Executivo
talvez acredite que essa tática não tenha limites. O problema é que a maior
parte do setor produtivo discorda veementemente dessa avaliação, e até mesmo a
indústria, que até então podia ser considerada uma aliada do governo, ficou ao
lado do agronegócio nessa pendenga. Eis um mérito do governo: unir os desunidos
contra si mesmo.
A dura vida de Tarcísio de Freitas
O Estado de S. Paulo
Acusado pela malta bolsonarista de não ser
leal a Bolsonaro, o governador tem o desafio de parecer moderado e democrata
sem desagradar ao ex-presidente, o que é obviamente impossível
No crispado ambiente político nacional, com
um debate público contaminado por radicalização, intolerância e polarização,
que converte adversários em inimigos, parece especialmente difícil a vida do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que tenta agradar a seu padrinho
Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que procura se apresentar como moderado e
democrata.
Trata-se obviamente de uma impossibilidade,
porque Bolsonaro é um orgulhoso liberticida e costuma jogar ao mar quem ousa
reivindicar o apoio de seus devotos enquanto respeita instituições e
adversários. Os recentes ataques que Tarcísio sofreu do pastor Silas Malafaia
só reafirmaram o tamanho do desafio para o governador.
Tanto por comandar São Paulo quanto por se
credenciar como substituto de Bolsonaro, Tarcísio precisa se equilibrar entre
um campo que busca alternativas concretas de gestão e outro que prefere
espalhar brasas onde já existe muito fogo. É esse o caso de Malafaia, que, na
condição de profeta do bolsonarismo, é responsável pela revelação dos desígnios
de Bolsonaro.
À imprensa, em diferentes entrevistas, o
pastor disse desconfiar que Tarcísio atua nos bastidores para que Bolsonaro
continue inelegível – e, assim, possa disputar a Presidência em 2026.
Cobrou-lhe falas mais duras contra a inelegibilidade do ex-presidente. Também o
criticou por manter diálogo produtivo com desafetos figadais do bolsonarismo,
como o presidente Lula da Silva, os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente do PSD,
Gilberto Kassab. Em Kassab, aliás, disse o pastor, Tarcísio deveria “dar uma
prensa”, pois o secretário de Governo de São Paulo, auxiliar e mentor político
do governador, é visto pelos bolsonaristas mais empedernidos como um forte
aliado de Lula. Malafaia avisou: “Quem é amigo do meu inimigo meu amigo não é”.
Qualquer liderança da direita que se insinue
como herdeira dos votos de Bolsonaro, como Tarcísio ou o governador de Goiás,
Ronaldo Caiado, é desde logo considerada traidora pelo entorno do
ex-presidente, que ainda nutre a esperança de reverter sua inelegibilidade e de
se candidatar na eleição presidencial de 2026. A família de Bolsonaro deixou
clara sua fúria contra os que tratam Bolsonaro não como potencial candidato,
mas como um “movimento”, como aliás disse Tarcísio em comício recente. Carlos
Bolsonaro, em seu dialeto peculiar, exortou seus seguidores nas redes sociais a
“desconfiar” de quem “exclui a possibilidade de Jair Bolsonaro de concorrer à
futura disputa eleitoral” e “usa a imagem do presidente”. Segundo ele, trata-se
de um movimento “oportunista”, que “tem a intenção de visivelmente enfraquecer
o capitão”. Já a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro deu entrevista ao site
bolsonarista Pleno News advertindo os “precoces” de que “o Jair está mais ativo
do que nunca” e de que “nós estamos trabalhando para reverter as injustiças que
ele vem sofrendo, e eu acredito que ele será o nosso próximo presidente”.
É esse o desafio de uma direita que precisa
ser uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Para o bem do País, deveria
optar pela ideia liberal, republicana e democrática, enquanto galvaniza o
espírito do antipetismo ou do desencanto com os rumos tomados pelo atual
governo – que, eleito com o adorno da frente ampla e do horizonte de
reconstrução e pacificação do País, segue sem cumprir tal promessa. A tarefa de
Tarcísio hoje é virtualmente impossível: se, de um lado, é preciso conquistar
os eleitores de centro com demonstrações de respeito às regras da democracia,
aceitação dos resultados das urnas e repúdio ao uso da violência, por outro
lado, muitos acreditam que, para ter viabilidade eleitoral, é preciso rezar o
credo de uma seita cujo evangelho enaltece o vale-tudo, a intolerância e o
golpismo.
Eis aí a quadratura do círculo que o governador paulista pretende solucionar.
A democracia da Índia respira
O Estado de S. Paulo
E sua economia prosperará mais se a
humilhação nas urnas instilar humildade em seu líder
Quando as eleições na Índia começaram, há
seis semanas, o vaticínio dos analistas, escorados nas pesquisas, era
inequívoco: o Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party ou BJP), do
premiê Narendra Modi, há 10 anos majoritário no Parlamento, conquistaria,
turbinado por uma forte aceleração econômica e pelo culto à personalidade de
seu líder, uma maioria ainda mais robusta, provavelmente uma supermaioria apta
a mudar a Constituição. O assalto às instituições, oposição, imprensa e
minorias étnicas e religiosas se intensificaria. O caminho para transformar a
maior democracia do mundo numa autocracia seria pavimentado, confirmando os
presságios pessimistas sobre o declínio global da democracia.
Mas umas das belezas da democracia, talvez a
maior, é a sua capacidade de surpreender. Os indianos tinham outras ideias.
Quando as urnas foram abertas, o BJP emergiu mais fraco. Ele ainda tem mais
cadeiras, mas perdeu a maioria e precisará se coligar a outros partidos para
governar. A oposição emergiu maior, mais forte e mais unida.
Das grandes economias, a da Índia é a que
cresce mais rápido. No governo de Modi, a infraestrutura proliferou, o país
criou um estado de bem-estar social digitalizado e sua confiança no palco
global aumentou. Mas a desigualdade ainda é excruciante e o mercado de trabalho
é precarizado. Mais do que isso, as urnas repudiaram o projeto de uma hegemonia
chauvinista hindu.
Isso pode significar uma momentânea
desaceleração das reformas econômicas. A história mostra que, nas mãos de um
líder competente, o populismo autoritário pode ser eficaz. Mas só a curto
prazo. A longo, ele acaba por reprimir as liberdades necessárias para a
inovação e criação de riqueza. O eleitorado parece confiante de que forçar o
governo a uma política mais deliberativa não só é indispensável para o vigor de
sua democracia, mas criará os alicerces para que o seu desenvolvimento seja
sustentável. A história está a seu favor.
A oposição mostrou ao mundo que é possível
enfrentar o populismo sem emulá-lo. À frente de mais de uma dúzia de partidos
da coalizão INDIA não havia nenhuma personalidade carismática, mas entre eles
houve unidade de propósito. Eles também terão de fazer uma autocrítica e se
provar capazes de abraçar as melhores ideias do BJP e sua capacidade
administrativa, sem suas táticas divisivas.
Quem enfrentará o maior teste é Modi. Seu
estilo é centralizador e ele nunca compartilhou o poder antes. Após anos de uma
ascensão retilínea e um governo hegemônico, desacostumado a articular coalizões
e confiar em parceiros, ao invés de admitir que o povo quer menos sectarismo e
autoritarismo, pode concluir que ele precisa de mais.
Mas a democracia indiana surpreendeu o mundo, e seu líder pode surpreender também, se a humilhação servir para insuflar a humildade e a busca por uma política mais conciliatória. Seria o seu maior gesto de grandeza e um triunfo para a república indiana, com ganhos para todo o mundo. Mas, se optar pelo inverso, o povo mostrou nas urnas que será capaz de fazê-lo pagar por sua húbris.
Quando menos se espera, mais impostos
Correio Braziliense
A MP que impõe restrições à compensação de
créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins enfrenta forte reação no
Congresso e é repudiada por agentes econômicos
Editada para compensar os impactos da
manutenção da desoneração da folha de pagamentos de empresas e de municípios, a
Medida Provisória (MP) 1.227/2024, que impõe restrições à compensação de
créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins, enfrenta forte reação no
Congresso e está sendo repudiada pelos agentes econômicos atingidos pela
medida. Publicada em edição extra do Diário Oficial da União na terça-feira, a
MP surpreendeu o mercado, pois as empresas serão obrigadas a pagar mais
impostos sem nem mesmo terem tempo de rever seus planejamentos financeiros e
tributários.
Segundo a MP, desde 4 de junho de 2024, os
créditos do regime de não cumulatividade da contribuição para o PIS/Pasep e da
Cofins somente poderão ser usados para compensar esses tributos. Antes, o
contribuinte com créditos em contabilidade podia utilizá-lo para pagar outros
tributos, como o Imposto de Renda da empresa. O governo alega que o regime de
não cumulatividade do PIS/Pasep e Cofins, supostamente, cria uma
"tributação negativa", que beneficia os contribuintes com grande
acúmulo de créditos, num total de R$ 53,9 bilhões.
Diversos dispositivos da legislação
tributária que previam o ressarcimento em dinheiro do saldo credor de créditos
presumidos da contribuição ao PIS e da Cofins, apurados na aquisição de
insumos, também foram revogados. Segundo o governo, a MP é "indispensável"
para reorganizar as contas públicas após o Congresso Nacional prorrogar, até
2027, a desoneração da folha de pagamentos de empresas e de municípios. A MP
pode garantir um aumento de arrecadação de R$ 29,2 bilhões este ano.
Setores produtivos, por meio de suas
entidades representativas, reclamam que a nova medida arrecadatória do governo
federal mexe na sistemática de arrecadação do PIS/Cofins, fere o planejamento
tributário, descapitaliza as empresas e terá impacto na inflação. A medida é
vista como uma retaliação do Ministério da Fazenda para compensar perdas que a
União terá com a desoneração da folha de 17 setores e de pequenos municípios
neste ano. A desoneração, argumenta o governo, representaria uma perda de
arrecadação da ordem de R$ 26,3 bilhões aos cofres públicos em 2024.
Segundo a Confederação Nacional das
Indústrias (CNI), a utilização dos créditos já estava no planejamento das
empresas e, sem essa possibilidade, os proprietários terão de procurar outras
fontes de recursos para pagar impostos. As empresas terão até que recorrer ao
sistema financeiro para obter recursos. A CNI calcula que o impacto negativo
para o segmento será de R$ 29,2 bilhões nos sete meses da vigência da MP em
2024. Para 2025, o impacto deve chegar a R$ 60,8 bilhões.
Mantida, a decisão deve levar à
judicialização da questão e, assim, provocar mais insegurança jurídica.
"Chegamos ao nosso limite. Nós somos um vetor fundamental para o
desenvolvimento do país e vamos às últimas consequências jurídicas e políticas
para defender a indústria no Brasil. Não adianta ter uma nova e robusta
política industrial de um lado se, do outro, vemos esse ataque à nossa
competitividade", disse Ricardo Alban, presidente da CNI.
No Congresso, nada menos do que 27 frentes
parlamentares estão defendendo a devolução da medida provisória pelo presidente
do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, com o argumento de que a medida é
inconstitucional por não respeitar a anuidade da cobrança de impostos e
contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal.Playvolume00:00/00:00correiobrazilienseTruvid
Trocando em miúdos, o governo deve cortar gastos para recuperar o equilíbrio fiscal e não aumentar os impostos. É disso que se trata.
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