sábado, 15 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Persistem erros na gestão de vacinas contra Covid

O Globo

Na pandemia, petistas criticavam atraso na vacinação. Agora, quem vai ao posto não encontra versão atual

Cinco anos depois do início da pandemia, felizmente a Covid-19 é hoje uma doença sob controle, graças à vacinação maciça da população. Mas não vivemos num cenário de risco zero. O vírus ainda circula — e ainda mata. No ano passado, 5.960 brasileiros perderam a vida em consequência da doença. Ela foi estabilizada, por isso não deveria haver espaço para vacilos que ampliem os riscos. É fundamental manter a população vacinada, especialmente os grupos mais vulneráveis, como idosos, gestantes, crianças ou imunossuprimidos. O Ministério da Saúde, responsável por comprar as vacinas e distribuí-las, tem a obrigação de oferecê-las na versão atualizada para as novas cepas, uma vez que o vírus está em constante mutação. Infelizmente, não é o que tem ocorrido.

Apenas a vacina pediátrica está atualizada. A versão disponível nos postos para adultos protege contra a cepa XBB.1.5 da variante ômicron, e não contra a cepa JN.1, desde abril considerada o alvo a combater. Não se trata de detalhe irrelevante. Desde o início da pandemia, o vírus sofre mutações que lhe permitem driblar as barreiras impostas pelas vacinas. Daí a necessidade de atualização constante. Não que a vacina oferecida seja inútil — sempre é melhor tomar alguma do que nenhuma. Mas ela não confere a melhor proteção para o vírus em circulação. Tal fato faz diferença para os vulneráveis.

No afã de oferecer versões mais recentes, o Ministério da Saúde tem cometido erros. No fim do ano passado, firmou contrato com a Zalika Farmacêutica para receber doses da vacina indiana Covovax. É verdade que cláusulas preveem a entrega da vacina atualizada. Só que a versão da Covovax para a cepa JN.1 não fora autorizada pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), portanto não poderia ser usada no Brasil. A farmacêutica submeteu pedido de autorização, mas ele foi indeferido no início deste ano, sob o argumento de que os documentos apresentados não comprovavam que os padrões de qualidade seriam mantidos até o fim do prazo de validade.

Não foi a primeira mancada. No ano passado, o ministério recusou um lote de 3 milhões de doses da vacina da Moderna atualizadas para a cepa JN.1, numa troca envolvendo problemas no prazo de validade. O governo alegou que, na época, não havia autorização da Anvisa para essa versão. É verdade, mas a aprovação veio pouco tempo depois. Teria sido melhor que a pasta se entendesse com a Anvisa. Só agora o ministério informa que essas doses já estão em distribuição. Deveria haver um caminho mais ágil para a aprovação de versões atualizadas das mesmas vacinas, como noutros países.

O governo alega que a vacina da Zalika “protege contra formas graves da doença e hospitalizações, mesmo diante de novas variantes do vírus”. Mas não faz sentido gastar dinheiro para comprar vacinas defasadas. Se vai adquirir novas doses, o mais lógico é buscar produtos autorizados pela Anvisa para as cepas recentes. Não é o caso da Zalika. De nada adianta economizar em licitações se a vacina não oferece a melhor proteção. Quando na oposição, os petistas criticaram duramente o governo Jair Bolsonaro pelos atrasos na compra de vacinas durante a pandemia. Tinham razão. Mas os erros de gestão e planejamento continuam a se suceder, com desabastecimento frequente de vacinas. Não é justo impor ao cidadão um dilema entre não se vacinar ou tomar a versão desatualizada.

Alta nas temperaturas torna mais premente desafio da COP30

O Globo

Janeiro foi o mês mais quente da História. Objetivo desejável do Acordo de Paris já se tornou inalcançável

Os últimos dez anos foram os mais quentes já registrados na Terra. Desses, 2024 foi aquele em que os termômetros atingiram as temperaturas mais altas no planeta. Levantamento do portal g1 constatou que pelo menos 6 milhões de brasileiros viveram cinco meses do ano sob calor extremo, acima de 40°C. No país, 111 cidades passaram mais de cinco meses, ou cerca de 150 dias (não necessariamente consecutivos), nesse cenário tórrido. E todos os 5.570 municípios brasileiros registraram pelo menos um dia de termômetros nas alturas.

Em 2024, pela primeira vez a temperatura média no planeta ficou mais de 1,5 °C acima do patamar do período pré-industrial — e, no Brasil, ficou 1,8 °C acima. Em 18 dos últimos 19 meses, o calor superou esse nível de 1,5 °C, considerado a meta desejável para o aquecimento global até o fim do século. Nem o fenômeno La Niña, associado ao resfriamento das águas do Oceano Pacífico, foi capaz de arrefecer o calor global. Janeiro foi o mês mais quente da História, com temperatura 1,75 °C acima da era pré-industrial. Nenhum cientista sério acredita, a esta altura, que será possível cumprir o objetivo estipulado como desejável no Acordo de Paris.

Ao mesmo tempo que será preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa — causa principal da alta nas temperaturas —, também será necessário investir na contenção de danos, inevitáveis diante das mudanças climáticas. À medida que os termômetros sobem, aumenta a pressão para que a comunidade internacional transfira recursos aos países menos desenvolvidos para que se protejam dos eventos climáticos decorrentes do aquecimento e reduzam suas emissões de gases. Daí a importância da COP 30, reunião multilateral da ONU sobre o clima marcada para novembro em Belém, no Pará.

Cientistas, autoridades de diversos países e representantes de organizações não governamentais discutirão o tema pressionados não apenas pela alta das temperaturas, mas também pela presença na Casa Branca de Donald Trump, um negacionista climático. Não deverá haver dinheiro novo do governo da maior economia do planeta, e segundo maior emissor de carbono, para ajudar a conter o aquecimento.

Entre o que é pedido e o que os países ricos se dispõem a transferir há uma distância significativa. Na COP29, em novembro passado no Azerbaijão, foi apresentada uma conta de US$ 1,3 trilhão até 2035. Depois de muita discussão, a conferência foi encerrada com a promessa de US$ 300 bilhões. Na agenda do encontro de Belém, esse acerto de cifrões terá lugar de destaque. A China poderá aproveitar o vácuo gerado pela omissão dos Estados Unidos para aumentar seu cacife na disputa pela hegemonia mundial. Trata-se de um bom motivo para a Casa Branca rever sua postura isolacionista e negacionista, numa COP considerada chave para o planeta evitar o pior.

Aumento do número de ações trabalhistas é alarmante

Folha de S. Paulo

Demandas chegam a 2,1 milhões em 2024, revertendo queda após reforma da CLT; gratuidade mal calibrada incita litigância

Mesmo com o emprego nas máximas históricas, o número de ações trabalhistas voltou a crescer. O país continua na liderança mundial do contencioso dessa natureza e teve 2,117 milhões de novas demandas judiciais na primeira instância em 2024, uma alta de 14,1% em relação ao ano anterior.

Não deixa de ser surpreendente, à primeira vista, que haja tamanha judicialização com a economia a plena capacidade e com forte geração de renda.

Uma das razões principais é a alta rotatividade, que também impulsiona os gastos públicos com seguro-desemprego. As regras atuais até favorecem tal comportamento, pois muitas vezes é mais vantajosa a troca, mesmo em condições salariais similares e até em condições piores.

Outro motivo para o aumento das demandas é a decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF) de invalidar dispositivo da reforma trabalhista de 2017.

Segundo o trecho, o perdedor da ação pagaria as custas e honorários advocatícios da parte ganhadora —mesmo quando beneficiário da Justiça gratuita, que é garantida a quem ganha menos de 40% do teto da Previdência Social, ou R$ 3.263 mensais.

Pode-se, ademais, pleitear o benefício apenas com uma declaração de pobreza, sem necessidade de prova. Em três anos, o número de processos aumentou em quase 400 mil.

A garantia da gratuidade é correta para quem de fato não dispõe de meios, mas alguém que litiga de modo abusivo, ou mesmo de má-fé, deve arcar com o risco desse comportamento.

O modelo atual pode incentivar demandas excessivas com a premissa de que não haverá prejuízo numa derrota. Pede-se além do correto para obter alguma coisa, sem perigo de perda.

O Tribunal Superior do Trabalho afirma que tem buscado favorecer conciliações e há possibilidade de homologar acordos entre as partes sem ações judiciais. Segundo o TST, foram promovidos acordos no montante de mais de R$ 7 bilhões em 2023, com recolhimentos previdenciários acima de R$ 1 bilhão.

Mesmo assim, o custo da judicialização excessiva onera a criação de empregos formais, já custosa no país por causa da tributação na folha de pagamento.

Felizmente, outras mudanças da reforma da CLT têm sido preservadas, como a validade de acordos entre as partes que não afrontem as garantias constitucionais, a possibilidade de terceirização e as novas modalidades de contratos, como o intermitente.

São ferramentas que facilitam a saída da informalidade e devem ser incentivadas. Mesmo assim, é recorrente que tribunais trabalhistas desafiem os princípios legais aprovados pelo Congresso, obrigando a repetidos recursos a instâncias superiores.

É evidente que demandas legítimas, que são muitas, devem ter o amparo das cortes, mas a maior tolerância à flexibilidade das relações laborais precisa ser respeitada na prática.

O plano tortuoso de Trump para a paz no Leste Europeu

Folha de S. Paulo

EUA indicam querer acordo com cessão de território ucraniano à Rússia; dar vitória ao invasor abriria precedente perigoso

O republicano Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, pretende acabar "rapidamente" com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Na Casa Branca há apenas três semanas, ele inegavelmente buscou liderança e moveu suas peças neste sentido —embora nem o tempo nem as circunstâncias corram a seu favor.

Se Trump apenas almeja a imagem de apaziguador, pouco importa por ora. O que emergiu como fato foi sua iniciativa de conversar por uma hora e meia com o autocrata russoVladimir Putin, na quarta-feira (12), seguida de um telefonema ao ucraniano Volodimir Zelenski.

À parte o voluntarismo, a questão é como Trump pretende pôr um ponto final no conflito que ceifa vidas, corrói orçamentos e infraestruturas e abala o comércio e a segurança energética globais desde fevereiro de 2022.

Os sinais emitidos são tão obscuros quanto suas intenções de incitar uma guerra comercial. O próprio Trump ameaçou seu antigo camarada Putin com sanções econômicas e ações militares dos EUA na Ucrânia se o russo não acatar os termos de seu plano de paz. Pelo estilo do republicano, pode não passar de bravata.

O exato teor do acordo continua incerto. Declarações suas e de auxiliares diplomáticos sugerem a cessão de 20% do território ucraniano à Rússia —que detém a área por meios bélicos. Assinalam ainda a negativa americana à inclusão de Kiev na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Assim, o pacto daria a Putin uma vitória incontestável e o fim de custosos e nem sempre exitosos esforços militares no front.

Por certo, a negociação com Moscou envolve outros temas. Seria indigno não haver compensação a Kiev devido à destruição causada pela máquina de guerra russa e pela potencial parcela de soberania perdida.

Trata-se do mínimo exigido em acordos do tipo. A permanência das sanções internacionais que isolam a Rússia, por sua vez, dificilmente será aceita por Putin.

Há de se notar, até o momento, a ausência de qualquer indicação de compromisso de Washington com a garantia da segurança da Europa contra novas ambições territoriais de Moscou. Igualmente grave será o precedente internacional aberto por esse inusitado pacto que premia o invasor.

Há expressivo risco de fracasso nos planos de Trump para o fim da guerra no Leste Europeu. As conversas laterais da delegação americana durante a Convenção de Segurança de Munique, neste final de semana, darão a dimensão de sua aceitabilidade.

Licença para o parafiscal

O Estado de S. Paulo

Desbloqueio determinado pelo TCU a recursos extraorçamentários do Pé-de-Meia é precedente perigoso a um governo como o de Lula, afeito a gambiarras que desafiam o controle fiscal

Menos de um mês após determinar o bloqueio de R$ 10 bilhões do programa Pé-de-Meia, que burla a premissa básica de registrar despesas públicas no Orçamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) voltou atrás e, a despeito das advertências explícitas dos auditores técnicos, liberou os recursos para o pagamento do programa. O prazo de 120 dias para que os gastos passem a constar do Orçamento de 2025 parece um mero indicativo, já que o TCU aquiesceu com seu prolongamento caso haja atraso na deliberação da medida pelo Congresso.

Chama a atenção, neste caso, a guinada da Corte ao tratar do programa. Primeiro, corretamente alertou que o modelo de financiamento do programa, com fundos de natureza privada abastecidos por recursos públicos, era apenas um arranjo para driblar o Orçamento. Depois, para justificar a suspensão da medida cautelar que havia dado, identificou “perigo da demora reverso”, nas palavras do presidente do TCU, Bruno Dantas. O ministro Aroldo Cedraz, por sua vez, chegou a falar em “furor social” caso a trava à liberação dos recursos não fosse revogada.

O fato é que o mérito do programa não é – ou não deveria ser – o ponto central da questão. A distribuição de mesada aos estudantes do ensino médio da rede pública para evitar a evasão escolar, assim como a formação de uma poupança ao fim do período para incentivar a participação no Enem e a continuidade dos estudos, é perfeitamente defensável do ponto de vista orçamentário, desde que seja discutida com o Legislativo e caiba na programação de despesas previstas para o ano. Para isso existe a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

A liberação de recursos para um programa social mantido por mecanismos sabidamente parafiscais, mesmo em caráter provisório, abre um precedente perigoso, e é notório o desinteresse do governo Lula da Silva em incluir o Pé-de-Meia na peça orçamentária de 2025, que ainda nem foi apreciada pelo Congresso e cuja votação ficou para depois do carnaval, muito embora o prazo tenha vencido em dezembro passado. Pelos cálculos do governo, o pagamento da poupança estudantil custará R$ 15,5 bilhões, mas só R$ 1 bilhão consta do Orçamento, justamente contando com a manutenção dos gastos paralelos.

O aval “provisório” do TCU ratifica o descumprimento de regras fiscais que minam a credibilidade do arcabouço criado pelo próprio governo para garantir a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo, controlar o endividamento e equilibrar receitas e despesas para manter investimentos em educação, saúde e segurança pública. Ressalte-se que não se trata de uma questão que exija soluções emergenciais, como um desastre imprevisto. A evasão escolar constitui, por óbvio, uma calamidade que o País precisa combater, mas sem a necessidade de soluções criativas extraorçamentárias.

Como ação planejada, o Pé-de-Meia poderia ter sido tratado como prioridade educacional entre as políticas públicas federais, mas o governo optou pela pior forma de execução. Em novembro de 2023, editou medida provisória para criar um programa e um fundo para custeá-lo. Depois, um projeto de lei aprovado pelo Congresso trouxe os detalhes da estratégia que burlou o regramento fiscal com o uso dos fundos.

A manobra não passou despercebida dos auditores do TCU ao concluírem que “os recursos provenientes de resgate de cotas do FGO, Fgeduc e Fundo Social são receitas públicas e devem constar do orçamento, em respeito ao princípio da universalidade”. O relatório destaca as consequências deletérias de arranjos do tipo para as contas públicas, “como a perda de credibilidade do arcabouço fiscal, o que acarreta fuga de investidores, desvalorização da moeda frente ao dólar e, consequentemente, aumento da inflação e das taxas de juros”.

Levando em consideração o apreço do lulopetismo por gambiarras fiscais – vide a dotação orçamentária insuficiente do Auxílio-Gás e a proposta inicial de financiá-lo com um fundo abastecido por recursos do pré-sal –, o recuo do TCU é música para os ouvidos de um governo perdulário.

Ocaso do transporte público em São Paulo

O Estado de S. Paulo

Pesquisa Origem e Destino identifica perigosa prevalência do transporte individual sobre o coletivo em São Paulo, o que só traz prejuízos sociais, ambientais e financeiros para todos

A população da Região Metropolitana de São Paulo está se deslocando menos, revelou a pesquisa Origem e Destino (OD), o mais detalhado levantamento sobre mobilidade urbana do Brasil, que o Metrô paulista realiza desde 1967.

Em 2023, segundo a OD, o volume de viagens diárias recuou 15,1% em relação a 2017, para 35,661 milhões. Isoladamente, esta queda no número de deslocamentos não é um problema. Uma série de mudanças tecnológicas e comportamentais permite que, na atualidade, não seja preciso sair de casa para ir ao banco, à escola ou fazer compras, por exemplo.

Além disso, o trabalho remoto, popularizado durante a pandemia de covid-19, também se consolidou. Por sinal, a OD, tradicionalmente divulgada a cada década, sempre em ano com final 7, foi antecipada de 2027 para 2025, justamente para que se entendesse melhor o impacto do isolamento social necessário à época da pandemia sobre o comportamento da população em relação ao transporte urbano.

Mas, enquanto a queda geral nas locomoções por si só não é negativa, o fato de a pesquisa ter captado, pela primeira vez em mais de duas décadas, que os deslocamentos por transporte individual (51,2%) superaram os realizados por meio de transporte coletivo (48,8%) deveria alarmar os gestores públicos.

Era questão de tempo, que a pandemia acabou por acelerar. Levantamentos anteriores já detectavam que a utilização do transporte público vinha em declínio. Agora a curva finalmente se inverteu. Porcentualmente, o uso do transporte coletivo recuou 19,8% entre 2017 e 2023; foram 3 milhões de viagens/dia a menos via modais públicos – com destaque para o recuo de 2,6 milhões nas viagens de ônibus –, enquanto os deslocamentos individuais (seja por meio de veículo próprio, táxi ou aplicativo) caíram apenas 0,9%, ou 116 mil viagens/dia.

Outro recorte relevante da pesquisa, ao qual os gestores públicos precisam prestar especial atenção, diz respeito à relação deslocamento/renda. Embora a população mais pobre, sem surpresa, se locomova primordialmente via ônibus, trem ou metrô, a utilização do transporte individual cresceu em todas as faixas de rendimento.

À luz das críticas dos usuários e das ponderações dos especialistas, é justo concluir que as deficiências do transporte público (que passam por número insuficiente de corredores exclusivos para ônibus, frota envelhecida – e mais propensa a paradas para manutenção – e tempo elevado de espera em pontos e terminais) acabam por empurrar a população para o transporte individual, mesmo que isso lhe custe caro.

Como bem definiu Sérgio Avelleda, coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper, em entrevista à rádio CBN, “desenhe a cidade que você quer ter, que você terá”.

Mundo afora, metrópoles populosas e ricas privilegiam o transporte coletivo, o que só traz benefícios tanto para os residentes quanto para os gestores públicos: a população economiza e perde menos tempo em engarrafamentos, enquanto os administradores contribuem com a redução da poluição, o que é cada vez mais necessário em tempos de extremos climáticos, e gastam menos com ações de socorro no trânsito, haja vista a queda no número de acidentes.

A Grande São Paulo não só pode, como deve privilegiar o transporte público. Exemplo disso é que a região central da capital, extremamente bem atendida por linhas de ônibus, trem e metrô, é aquela em que um elevado porcentual de moradores não tem carro – mais de 70% das famílias dos distritos Sé e República não possuem automóvel. Mas, enquanto a realidade do centro for exceção, e não regra, a Região Metropolitana e a população, sobretudo a mais pobre, seguirão no prejuízo.

Insuficiente e ineficiente, o transporte público seguirá perdendo usuários e, consequentemente, receitas, tornando a complexa gestão financeira do sistema de transporte público ainda mais desafiadora. Já os mais necessitados seguirão comprometendo a própria renda para conseguir o básico: se deslocar. E, assim, perde-se por todos os lados: social, financeiro, ambiental e mental. É questão de escolha. E a escolha, até agora, tem sido a errada.

Trânsito cada vez mais violento

O Estado de S. Paulo

O que a Prefeitura de São Paulo faz para evitar mortes no trânsito não está dando certo

A cidade de São Paulo bateu um triste recorde em 2024. No ano passado, de acordo com o Infosiga, sistema estadual de monitoramento da letalidade no trânsito, 1.031 pessoas morreram em decorrência de acidentes nas vias da capital paulista. O dado representa um aumento de 11% em relação aos 928 óbitos registrados em 2023. Se comparado ao indicador do ano anterior (863 óbitos), o salto mortal é ainda maior, de 20%, aproximadamente. Ou seja, a tendência é de agravamento da violência no trânsito paulistano. E o que quer que a Prefeitura esteja fazendo para reverter esse quadro funesto, obviamente, não está dando certo.

Atento ao problema, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deu 45 dias para que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) apresentasse ações concretas para reduzir a alta letalidade do trânsito da capital paulista. Normalmente, a expressão “ações concretas” soaria como um pleonasmo, mas neste caso faz todo o sentido. Sempre que confrontado com indicadores que atestam suas deficiências administrativas, Nunes traz na ponta da língua um rosário de explicações e um inventário de medidas que estariam sendo tomadas pela Prefeitura para mitigar os problemas enfrentados pelos paulistanos. No contraste com a realidade, porém, nenhuma delas têm se materializado em resultados perceptíveis.

No que concerne ao trânsito, a Prefeitura alega ter criado “mais de 12 mil faixas de travessia” e “reduzido a velocidade máxima permitida de 50 km/h para 40 km/h em 24 vias”. A Prefeitura informa ainda que São Paulo “conta com a maior malha cicloviária do País, totalizando 753,7 km”, malgrado parte dessa malha estar muito mal conservada e ter sido sequestrada por maus motociclistas para, na prática, lhes servir de via expressa ilegal.

Sobre as motos, a propósito, Nunes alega que a Prefeitura sinalizou “mais de 215,2 km de vias para motociclistas, reduzindo em 47,2% o número de mortes nesses trechos”. Em que pese a importância da chamada Faixa Azul para a segurança no trânsito, os números apresentados pelo prefeito são ínfimos diante da enormidade da malha rodoviária da cidade que ele administra desde maio de 2021. Ademais, de nada adianta pintar faixas azuis em 1,11% das vias de São Paulo para o tráfego exclusivo de motos, se motociclistas dispostos a matar ou morrer no trânsito, em nome sabe-se lá de que, seguem a salvo de fiscalização para barbarizar nas ruas em outros pontos da cidade.

O trânsito de São Paulo é conhecido por sua alta complexidade. Todos os dias, em qualquer horário, veículos pesados, carros, motos, bicicletas e pedestres disputam cada palmo de espaço pelos quase 20 mil quilômetros de ruas, avenidas, túneis, pontes e viadutos que compõem a malha rodoviária da maior cidade do País. E todos quase sempre com pressa, como sói acontecer em qualquer metrópole. Entretanto, o fato de o trânsito da capital paulista ser complexo e altamente adensado não deveria, por si só, fazê-lo tão mortal.

A seguir nesse ritmo, 127 pessoas terão morrido durante o prazo dado pelo MP-SP para que o prefeito Ricardo Nunes informe o que está fazendo para reduzir a letalidade do trânsito paulistano.

Corrupção fragiliza a democracia

Correio Braziliense

Enquanto corruptos continuam escapando da Justiça ou recebendo penas brandas, a população sofre as consequências da ineficiência dos serviços públicos e do desvio de verbas que deveriam atender a demandas essenciais

Os mais recentes levantamentos sobre corrupção e crime organizado no Brasil são um retrato alarmante de como esses males seguem enraizados na vida nacional. O ranking da Transparência Brasil aponta a fragilidade da integridade pública em diversas esferas do poder. O mais preocupante, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é avanço das facções criminosas na ocupação de territórios nas periferias, o envolvimento de agentes públicos com essas organizações e suas conexões com a política, cada vez mais extensas e influentes.

O assassinato de um delator do PCC por policiais em São Paulo, a aliança dessa organização com o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, a disseminação desse modelo de atuação pelo país e o fato de que os cabeças dessas organizações estão presos, porém, mantêm seu comando e liderança são muito preocupantes. Mostram a obsolescência do atual sistema de segurança pública, que precisa passar por uma grande reforma. A promiscuidade entre agentes públicos e criminosos enfraquece as instituições, drena recursos essenciais e aumenta a sensação de impunidade.

A outra face da contravenção e do tráfico de drogas é a corrupção na política. Enquanto corruptos continuam escapando da Justiça ou recebendo penas brandas, a população sofre as consequências da ineficiência dos serviços públicos e do desvio de verbas que deveriam atender a demandas essenciais. A corrupção não é um fenômeno isolado; é um câncer que se espalha pelas veias do clientelismo, do fisiologismo e do patrimonialismo, quando não há um enfrentamento decidido e constante.

A Operação EmendaFest, da Polícia Federal, por exemplo,  investiga desvios de recursos provenientes de emendas parlamentares destinadas ao Hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS). Revela que um grupo cobrava uma comissão de 6% sobre os valores repassados ao hospital, sob a justificativa de "intermediação" entre o gabinete de um parlamentar em Brasília e a instituição de saúde. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, autorizou a operação e classificou a prática como criminosa.

Durante a operação, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos suspeitos, incluindo o chefe de gabinete do deputado Afonso Motta (PDT-RS), Lino Rogério da Silva Furtado, e o empresário Cliver André Fiegenbaum, proprietário da empresa ACF Intermediações, contratada pelo hospital para captar recursos via emendas parlamentares. Foram encontrados R$ 160 mil em dinheiro vivo e celulares escondidos no forro de um dos imóveis investigados. Além das buscas, o ministro Flávio Dino determinou o afastamento dos investigados de seus cargos públicos e o bloqueio de R$ 509 mil em contas e bens.

O caso escancara a vulnerabilidade do sistema de emendas parlamentares. Recursos públicos destinados a áreas essenciais, como a saúde, são desviados para benefício de intermediários e agentes públicos corruptos. O combate à corrupção precisa ser rigoroso e eficiente. Isso passa por fortalecer os órgãos de controle, garantir a autonomia de investigações e endurecer as punições. Além disso, é fundamental que a sociedade cobre transparência e responsabilidade de seus governantes. Atualmente, há pelo menos 20 investigações em curso no STF relacionadas a desvios em emendas de senadores e deputados federais. O desgaste das instituições políticas provocado pela corrupção fragiliza a democracia.

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