sábado, 15 de fevereiro de 2025

Sim, nós temos petróleo – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Não há país que, tendo o óleo à disposição, deixe de explorá-lo, mesmo que esteja engajado em compromissos climáticos

Vamos falar francamente: é muito difícil, se não impossível, que o presidente Lula desista da exploração do petróleo na Margem Equatorial, a ampla área que vai do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Não se trata de simples política paroquial para agradar ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que é do Amapá, onde se conta com o dinheiro do óleo.

Claro que Lula precisa de Alcolumbre para aprovar seus projetos no Congresso. Mas a questão do petróleo é anterior e muito mais profunda. Embora menos ostensiva que a opinião ambientalista, há uma ampla coalizão favorável à exploração do óleo. Inclui membros do governo Lula, lideranças políticas, sociais e dos meios econômicos (empresários, trabalhadores), além de um grupo importante de gente ligada à área de energia.

O argumento ambientalista está posto. A tese básica: não faz sentido produzir petróleo, fonte poluidora, num momento de emergência climática e transição para energia limpa. Vale para o mundo todo. Há outro argumento, local, para o caso da perfuração de poços na Margem Equatorial, sobretudo na Foz do Amazonas: o risco de um vazamento de óleo numa área de magnífica diversidade, podendo atingir as condições de vida de populações indígenas.

Para o primeiro argumento, a resposta também é universal. À sua maneira, Lula verbalizou:

— Vê se os Estados Unidos estão preocupados, vê se a FrançaAlemanhaInglaterra, estão preocupados. Eles exploram quanto quiserem.

Não há país que, tendo petróleo à disposição, deixe de explorá-lo, mesmo que esteja engajado em compromissos climáticos. Existe demanda para petróleo, que deverá persistir por algumas décadas, mesmo com o avanço de energia limpa. As duas últimas conferências do clima (COP28 e COP29) se realizaram em países produtores de óleo, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão. Em Dubai, saiu uma declaração pela qual todos os países se comprometiam a “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”. Não passou a proposta de buscar uma economia “não

Há um argumento econômico, repetido por aqui: a renda do petróleo pode financiar a cara transição energética. Outro: ainda não há suficiente energia limpa para tocar a economia mundial. Assim, os países agem pelos dois lados. A China, no ano passado, construiu usinas de carvão com capacidade de 93,5 gigawatts. Isso mantém o país como segundo maior poluidor do mundo. Ao mesmo tempo, os chineses instalaram 356 gigawatts de capacidade de energia eólica e solar. A União Europeia, com forte compromisso verde, construiu um quinto disso.

Resumo: ou todos concordam em zerar a demanda por combustíveis fósseis, ou todos continuam a produzi-los. Como lembrou Lula, Suriname e Guiana Francesa, na fronteira com o Amapá, já ganham dinheiro com o petróleo da Margem Equatorial deles.

É realismo geopolítico.

A segunda questão — o risco de um desastre ecológico — remete ao Ibama, que negou licença ambiental para a Petrobras pesquisar o poço 59, a 500km da Foz do Amazonas. É contra essa negativa que o presidente Lula se move. Diz ele que se trata de autorização “apenas” para pesquisa. E que, só depois de comprovada a existência de óleo, se discutirá a exploração. Conversa. É enorme a chance de encontrar o óleo. E, se comprovada a existência, aí mesmo é que será impossível não explorar. Só um ambientalista raiz desistiria desse petróleo. Não é o caso do presidente.

Assim, aqui dentro, o problema de Lula é lidar com seus ambientalistas, a ministra Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Para fora, e com o Brasil se preparando para sediar a COP 30, o problema é como se apresentar líder global da sustentabilidade e ... furar mais poços. Palpite: o mundo não se inquietará muito com isso.

O que não elimina a questão essencial: há uma severa emergência climática, a temperatura está subindo, e o combustível fóssil é causa central. É preciso deter isso, e isso depende de acordos globais forjados por líderes de visão. O mínimo que se pode esperar é o dinheiro do petróleo ser efetivamente usado para a transição energética.

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