sexta-feira, 10 de julho de 2015

Alberto Carlos Almeida - Dilma, o Legislativo e o Judiciário

- Valor Econômico / Eu & fim de semana

• É longo o caminho para o impeachement num sistema constituído sobre fundamentos de uma forte tradição presidencialista

Discute-se na mídia a possibilidade de que a presidente Dilma Rousseff não conclua o mandato para o qual foi eleita. Considera-se que ela poderá vir a ser afastada do cargo por meio de uma entre duas maneiras diferentes: pelo impeachment, na alçada do Poder Legislativo, ou pela cassação do diploma, que ficaria dentro das atribuições dos tribunais de Justiça.

O impeachment, para que ocorra, demanda uma motivação clara, o chamado crime de responsabilidade. Trata-se de um julgamento político, cuja barreira jurídica é parte fundamental da equação política. O presidencialismo é um sistema de mandato fixo. Há numerosas salvaguardas para garantir que o presidente só deixe o cargo na data prevista quando de sua eleição. Assim, a abertura de um processo de impeachment exige vários requisitos, entre os quais uma forte motivação, um crime de responsabilidade claro, no exercício do mandato.

É aí que entra o Tribunal de Contas da União (TCU) e as assim chamadas "pedaladas fiscais". O TCU é uma instituição independente, cujo status, nesse aspecto, é comparável ao do Ministério Público: não está ligado a nenhum poder e tem como função principal a fiscalização contábil, financeira e orçamentária da aplicação dos recursos da União. Cabe ao TCU zelar para que os recursos públicos sejam utilizados de forma legal e eficiente. O TCU dedica-se exclusivamente às finanças federais, ao passo que outros 33 tribunais de contas, sendo 26 estaduais e 7 municipais, fazem o mesmo para Estados e municípios.

O TCU tem nove ministros. São eles que julgarão as contas do primeiro mandato de Dilma e dirão se serão aprovadas, aprovadas com ressalvas ou simplesmente rejeitadas. Dos nove ministros, três foram indicados pelo Poder Executivo e seis pelo Congresso Nacional. Vale mencionar quem são eles: Aroldo Cedraz (presidente), Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, Vital do Rêgo, José Múcio Monteiro, Ana Arraes (mãe do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos) e Bruno Dantas.

José Múcio Monteiro é de Pernambuco e foi deputado federal pelo PFL, PSDB e PTB. Também foi líder do governo Lula na Câmara e em seguida ministro das Relações Institucionais, entre 2007 e 2009. Foi indicado por Lula. Vital do Rego é da Paraíba. Foi deputado federal e senador. Em 2014, com apoio de seu partido, o PMDB, foi indicado pelo Senado. Ana Arraes foi deputada federal pelo PSB de Pernambuco e foi indicada pela Câmara. O plenário da Câmara deu a ela 222 votos, contra 149 de Aldo Rebelo e 47 para um deputado do PMDB do Amazonas. Três políticos de Pernambuco e da Paraíba representam um terço dos ministros do TCU.

Acredita-se que o TCU rejeitará as contas do último ano do primeiro mandato de Dilma por causa das "pedaladas fiscais". Será algo inédito no Brasil. Nunca antes na história deste país um presidente teve as contas rejeitadas. Nem mesmo governadores passaram por essa situação. É comum que isso aconteça no nível municipal.

O passo seguinte após a rejeição do TCU, especula-se, é que o Congresso Nacional vote pela aprovação ou não das contas de Dilma. Há aqui uma particularidade relevante: a última vez que o Congresso votou pela aprovação das contas foi no ano de 2001. Ou seja, as contas dos governos em 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 não foram apreciadas pelo Congresso. Portanto, quando os defensores do governo afirmam que seria um golpe o Congresso seguir a recomendação do TCU rejeitando as contas de Dilma em 2014, a afirmação procede. Seria no mínimo estranho que o Congresso se pronunciasse sobre as contas de 2014 quando não fez isso nos 12 anos anteriores. Ainda assim, o Congresso tem autonomia para fazê-lo.

Suponhamos que o Congresso rejeite as contas de 2014 de Dilma. Deputados e senadores não são obrigados a fazer isso. O TCU pode recomendar a rejeição das contas, mas o Congresso pode votar por sua aprovação. A apreciação das contas do governo ocorre da seguinte maneira: o parecer do TCU é enviado para a Comissão Mista de Orçamento que, como diz o nome, é uma comissão composta por deputados e senadores, que pode rejeitar ou aceitar a recomendação do TCU. O passo seguinte é colocar o parecer da Comissão em votação em uma sessão conjunta da Câmara e do Senado. O quórum dessa sessão tem que ser de 2/3 de deputados e senadores e a rejeição ou aprovação das contas ocorre por meio de maioria simples de votos dos presentes.

Se as contas forem rejeitadas, é muito provável que a oposição protocole junto à mesa da Câmara dos Deputados o pedido de impeachment. Aí poderia começar, ou não, o processo de impedimento de Dilma. Começar ou não, porque caberia a Eduardo Cunha tomar essa decisão. Como o PMDB faz parte do governo, controlando ministérios, tendo acesso a recursos, assumindo o governo - por meio do vice-presidente Michel Temer - toda vez que Dilma se ausenta do país, cuidando da articulação política, pode ser que Eduardo Cunha não aceite dar início ao processo de impeachment.

Caso ele, mesmo assim, considere adequado abrir o processo de impeachment, é formada uma comissão especial para emitir um parecer sobre o assunto. Essa comissão tem dez dias para finalizar seu trabalho. Feito isso, vai-se ao plenário, que tem 48 horas para votar. É preciso que a maioria de 342 deputados vote a favor da abertura do processo de impeachment. Isso é mais do que o exigido para a aprovação de uma emenda constitucional. Se assim for feito, Dilma seria formalmente acusada e teria que se afastar do cargo, para que o Senado se pronunciasse.

A partir daí, o Senado teria 120 dias para se pronunciar. O ato final do julgamento é uma sessão do Senado excepcionalmente presidida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, na qual seria exigida a maioria de 54 senadores (dois terços do Senado, mais do que o exigido para a aprovação de uma emenda constitucional) para que a presidente fosse considerada impedida de governar em caráter definitivo. Como se pode notar, o sarrafo para o impeachment é alto, e justamente por isso é preciso que a população vá às ruas, em um movimento crescente, para que deputados e senadores trilhem essa rota. Foi assim com Collor, não tem sido assim com Dilma.

A cassação do diploma em nada depende do Congresso. Ocorre no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não tem a ver com o governo, mas sim com a campanha eleitoral de Dilma. As contas da campanha de Dilma foram tecnicamente aprovadas. Em 14 de dezembro de 2014, porém, o PSDB deu entrada no TSE a uma ação de investigação judicial eleitoral, acusando a chapa Dilma - Temer de abuso de poder político e econômico na campanha eleitoral. O processo ainda está na fase de instrução. Já foram ouvidos o doleiro Alberto Youssef e o ex-executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa, sobre supostas transferências irregulares ao PT. Outro depoimento importante para o processo está marcado para o próximo dia 14 de julho, o do presidente da UTC, Ricardo Pessoa.

O TSE é composto por três ministros do Supremo Tribunal Federal (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux), dois ministros do Supremo Tribunal de Justiça (João Otávio de Noronha e Maria Thereza de Assis Moura) e dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (Henrique Neves da Silva e Luciana Christina Guimarães Lóssio).

Não há um prazo determinado para o término da ação impetrada no TSE, mas pode-se estimar que o julgamento ocorra ainda em 2015. Uma decisão do TSE de perda de mandato, considerando-se a responsabilidade que a cerca, demanda provas contundentes de irregularidades eleitorais. Qualquer decisão apertada, longe da unanimidade, poderia ser questionada no STF, onde cabe recurso. A tendência da corte é conservadora, isto é, pela preservação dos mandatos. Cabe enfatizar que, no caso de cassação do mandato, ele vale para toda a chapa eleita: presidente e vice-presidente da República. Na hipótese da declaração de vacância dos dois cargos, presidente e vice, assumiria provisoriamente a posição de presidente da República o presidente da Câmara dos Deputados, e após 90 dias seriam realizadas novas eleições majoritárias para os cargos de presidente e vice-presidente.

Tudo isso deixa claro que, qualquer que seja o caminho para interromper o mandato de um presidente antes da data final prevista pela Constituição, não é um caminho fácil. Entramos aqui no terreno daquelas obviedades que são esquecidas por causa de desejos inconscientes ou conscientes: o regime presidencial protege o presidente. Ao menos o protege quando se trata de interromper seu mandato. Não o protege, porém, quando se trata do conflito entre poderes. Diferentemente do parlamentarismo, no qual há a superposição entre parlamento e governo, o voto que elege os deputados é o mesmo voto que forma a maioria que sustenta o primeiro-ministro. No presidencialismo, o Poder Legislativo pode enfrentar e derrotar o Poder Executivo sem que isso resulte na queda do governo. Aliás, nossa tradição é fortemente presidencialista. Quando, na década de 1960, Tancredo neves foi primeiro-ministro, não foram poucas as vezes em que o Congresso votou contra o governo e o governo não caiu. Essa forte tradição presidencialista é a mesma que protege os presidentes.
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Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” e “O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo”

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