sábado, 24 de fevereiro de 2018

4,3 milhões desistem de procurar emprego

Mão de obra subutilizada no país é de 26,4 milhões, diz IBGE

Número dos que nem sequer tentam conseguir trabalho quase triplicou em três anos; era de 1,6 milhão em 2014

O IBGE revelou que, além dos 12,3 milhões de desempregados, o país fechou 2017 com contingente de 4,3 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego. São os desalentados, que se acham jovens ou idosos demais, ou perderam a esperança de conseguir vaga. Eles fazem parte de um grupo maior, que o IBGE chama de subutilizados, e que reúne 26,4 milhões de brasileiros. Nesta conta estão os que trabalham menos horas do que gostariam e os que estavam disponíveis, mas não podiam trabalhar por razões particulares.


Desalento afeta 4,3 milhões

Com crise, trabalhador desiste de procurar emprego. País tem 26,4 milhões subutilizados

Marcello Corrêa | O Globo

O mercado de trabalho mostra tendência de recuperação gradual desde meados do ano passado, mas a crise que começou a ser superada deixou uma herança nos indicadores: número recorde de pessoas que, diante das dificuldades, desistiram de procurar emprego. Segundo dados divulgados ontem pela primeira vez pelo IBGE, o contingente dos chamados desalentados chegou a 4,3 milhões. Para especialistas, o desânimo dos brasileiros está relacionado à percepção de que a economia ainda está fraca. O quadro só deve melhorar quando a geração de vagas ganhar mais consistência, o que só costuma acontecer depois da retomada da atividade econômica.

Considera-se desalentada a pessoa que não procurou trabalho porque acha que é jovem demais, idosa demais ou que não conseguiria emprego porque acredita que a economia vai mal. Esses trabalhadores fazem parte de um grupo maior, formado pelos brasileiros que se encontram no que os técnicos chamam de subutilização da força de trabalho. Esta categoria inclui, além dos desalentados, os desempregados, os que trabalham menos horas do que gostariam e aqueles que estavam disponíveis para emprego, mas não podiam assumir por outros motivos, como cuidar de um parente idoso. Juntos, somavam 26,4 milhões de pessoas no quarto trimestre de 2017.

Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, que trouxe informações sobre desalento pela primeira vez. Com base nos cálculos do IBGE, o desalento atingiu o maior patamar desde 2012.

Uma versão resumida do levantamento já havia mostrado, no mês passado, que a taxa de desemprego no Brasil fechou o ano em 11,8%, com 12,3 milhões de desempregados.

— O desalentado está ligado à desocupação. Se a desocupação está alta, o desalento também fica alto. A pessoa pensa: “tem tanta gente desempregada que não vou conseguir” — explica Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento, que destaca que esta é uma visão mais ampliada sobre a saúde do mercado de trabalho. — A política hoje tem que olhar para 26 milhões de pessoas, e não 12 milhões (de desempregados). E de forma diferenciada.

NORDESTE TEM 59% DOS DESALENTADOS
O fenômeno atinge mais os jovens. Do total dos que desistiram de procurar, 22% têm entre 18 e 24 anos. Na divisão por gênero, 55% são mulheres. Brendha Sanches, de 18, se enquadra nesses dois grupos. Depois que teve Antônio, de 9 meses, ela até procurou emprego durante um tempo, mas logo desistiu porque imagina que nenhum empregador lhe dará uma vaga.

— O mercado é quase inexistente para jovens, principalmente jovens mães. Estou tão entediada em casa que até já dei nomes para os móveis. Se aparecesse um emprego bom, eu iria, mas sei que não tem, então já não procuro mais — diz a jovem, que mora em Curicica, Zona Oeste do Rio, com o pai do menino, que tem 19 anos e está empregado.

No recorte regional, no entanto, Brendha é exceção. O Rio encerrou o ano com apenas 77 mil desalentados, embora tenha registrado taxa de desemprego de 15,1%, a quarta maior do país. Mais da metade (59%) dos que desistiram estavam no Nordeste. Só em Alagoas, 15,4% de todos que estavam disponíveis para trabalhar não tentaram ingressar no mercado. No Rio, esse percentual era de apenas 0,9%, o segundo menor, maior apenas que o de Santa Catarina (0,8%). A necessidade de manter o padrão de vida na região e a cultura de informalidade são hipóteses para o número baixo, afirmam especialistas.

— Será que a renda é maior e as oportunidades na informalidade são melhores? Outra possibilidade é o custo de vida no Rio ser maior e, assim, o trabalhador não pode se permitir ficar em casa, no desalento. São hipóteses, perguntas que podemos fazer — destaca Manuel Thedim, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.

Em todo o país, o número de desalentados mais que dobrou em três anos. Era de 1,6 milhão em 2014, antes da crise. Na avaliação do pesquisador do Ibre/FGV Bruno Ottoni, o grupo só diminuirá com a melhora na geração de vagas. Ele chama a atenção para o fato de que o desalento é apenas parte de um problema maior, relacionado à qualidade das vagas criadas. Para se ter uma ideia, quase 40% do crescimento da população ocupada são de pessoas que trabalham, mas gostariam de trabalhar mais.

— Uma parte importante da recuperação do emprego é baseada na subocupação, que casa com os dados de informalidade. Grande parte da queda da desocupação está sendo por via da informalidade — afirma o pesquisador da FGV, acrescentando que esse quadro aumenta o nível de desalento.

O especialista em mercado de trabalho João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ, concorda. Ele avalia que, no geral, a qualidade das vagas geradas tem sido baixa, sintoma da baixa produtividade do trabalho no Brasil. E os dados de ontem indicam que essa tendência continuará neste ano.

— A produtividade do Brasil vem andando de lado. Isso de certa maneira beneficiou os números do mercado de trabalho, porque empregos são criados, mesmo com pouco crescimento. Qualquer crescimento absorve essas pessoas, provavelmente no setor terciário (serviços) e que pagam mal. Essa tendência não tem mudado no Brasil — afirma Saboia.

Cimar Azeredo, do IBGE, observa que é possível que o desalento se mantenha alto por mais tempo, mesmo após a recuperação de outros indicadores do mercado de trabalho:

— A resposta não é imediata. Entrar no desalento é rápido. Sair já demora mais um pouco.

Quando o desalento recuar, há um risco para os números do mercado de trabalho, alerta Saboia. Isso porque esse grupo pode pressionar a taxa de desemprego, caso muitos não consigam vagas.

— Quando você corre atrás, pode se ocupar ou aumentar o número de desocupados. Vai depender muito de como o mercado de trabalho vai evoluir na geração de empregos — diz Saboia.

Colaborou Luana Souza, estagiária, sob a supervisão de Lucila de Beaurepaire

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