quarta-feira, 18 de julho de 2018

País chega às eleições 'em colapso'

Por Ana Conceição, Hugo Passarelli, Ricardo Mendonça e Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - Com uma combinação de severas crises nos três Poderes, o Brasil vive um momento de anomalia, o que torna o jogo eleitoral excessivamente complicado e incomparável com experiências de eleições passadas. A avaliação é do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, que participou de evento no Valor, em São Paulo, junto com o presidente do Insper, Marcos Lisboa, e o professor Ricardo Paes de Barros. Para Melo, o país vive situação de "colapso" na economia, por causa da crise, e na política, devido ao presidencialismo fisiológico.

Para Lisboa, o desequilíbrio das contas públicas e as distorções que afetam a atividade e levam à baixa produtividade são os dois principais problemas da economia. Paes de Barros disse que apesar de ter um "orçamento fantástico" (6% do PIB), a educação brasileira se recente da falta de gestores e de planejamento setorial.

País vai às urnas com fraturas expostas
O Brasil que vai às urnas em 2018, em alguns aspectos, pode não ser tão radicalmente diferente do que se viu quatro anos atrás, mas certamente está com suas fraturas mais expostas. Após a pior recessão já vista, gargalos históricos na produtividade e na estrutura tributária, além da trajetória insustentável das contas públicas, ficaram incomodamente evidentes.

O país mostrou que, num dos mais importantes campos para seu desenvolvimento, a Educação, estava estacionado em um mau desempenho e longe de cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para conter a evasão escolar, apesar do gasto ser de 6% do PIB - bom nível, na comparação internacional. No campo político-institucional, as crises foram ainda mais intensas, com judicialização da política, avanço da Lava-Jato, mudança completa no sistema de financiamento eleitoral, além do avanço do fisiologismo e de uma crise evidente no presidencialismo de coalizão.

Estes são alguns dos diagnósticos feitos pelo presidente do Insper, Marcos Lisboa, e pelos professores da instituição, Ricardo Paes de Barros, economista, e Carlos Melo, cientista político. Reunidos ontem na sede do Valor para falar dos desafios do Brasil de 2018, eles apontaram um momento difícil para o país.

A necessidade de ajustar as contas públicas e enfrentar as distorções que afetam a evolução da economia se mostra mais evidente do que nunca, disse Lisboa. "São os dois grandes problemas no país hoje", afirmou.

"Quase todos os Estados estarão quebrados nos próximos anos pois não terão nem dinheiro para pagar a folha", apontou ele, para sentenciar: "Se não fizermos reforma das regras do servidor público, da Previdência, da estrutura tributária, não tem saída. A gente quebra".

Será preciso construir maiorias, disse o economista, sem as quais não há como tirar o país da crise. "Infelizmente estamos chegando a esse debate sem coordenação, num país dominado por grupos de interesse. Mas tudo estava aí seis anos atrás. Demorou para a gente reconhecer o problema fiscal", observou Lisboa, que não vê consenso entre os pré-candidatos à Presidência em torno desses problemas.

Para Carlos Melo, o cenário complexo do país dificultará o aprofundamento de tópicos importantes. "A disputa eleitoral não vai se dar em torno de temas como a reforma da Previdência", disse o cientista político. "Imaginar que o debate vai ser sobre isso é um pouco de ilusão. O Brasil não é a Avenida Faria Lima, não dá para achar que a pauta da eleição é essa." Confira, nos links abaixo, os principais pontos discutidos.

Educação leva 6% do PIB, mas não sai do lugar
Apesar de ter um "orçamento fantástico", profissionais competentes e bons exemplos que deveriam ser replicados, o sistema educacional brasileiro ainda patina para atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Isso ocorre, basicamente, por problema de gestão, disse ontem o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros.

Ao fazer paralelo com o mundo corporativo, afirmou que falta aos gestores educacionais um "business plan" - ou seja, aplicar preceitos de governança passo a passo para alcançar as metas propostas. O economista, graduado em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), recorreu à metáfora ao dizer que, sem isso, a educação brasileira sempre se assemelhará a um avião que teve sua queda documentada lentamente, sem nada ser feito para mudar essa dinâmica.

"Temos o Inep e sabemos muito bem, até a última casa decimal, que o Brasil está muito mal, embora tenhamos assumido todos os compromissos possíveis e imagináveis na educação. Se está comprometido e está mal, a conclusão é que a gente não sabe como fazer para melhorar. Temos 6% do PIB [na área] e não saímos do lugar", disse Paes de Barros, também conhecido como PB.

Embora o país seja "campeão mundial de planejamento", ressalta ele, nenhum dirigente educacional brasileiro tem um plano estruturado sobre o que fazer para atingir metas. Ele lembra que a ideia de que governança importa já é adotada por países vizinhos. "No Chile, que está 30 anos à frente do Brasil, foram criadas quatro entidades para mexer na governança e melhorar a educação. Ou seja, concluiu-se que o problema não é método pedagógico, é fazê-lo funcionar", observou.

O economista afirmou que um exemplo prático da falta de efeito das políticas educacionais é a estagnação das metas do PNE, que tem previsão de atingir 20 objetivos de qualidade e inclusão até 2024. "Há 15 anos a porcentagem de jovens de 15 a 17 anos fora da escola gira em torno de 15%. Pelo PNE, esse número deveria ter chegado a zero em 2016".

Segundo PB, há mais de 100 programas estaduais em curso para tentar fazer os 15% chegarem a zero, sem sucesso. O problema, disse, é que não há ninguém analisando porque os jovens não estão na escola: "A gente planeja, executa e verifica. Mas não analisamos porque não deu certo. O problema é errar e não aprender com os erros".

Ele citou o exemplo do plano nacional de educação implementado em 2001, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelo então ministro da Educação Paulo Renato Souza. "Deu errado, mas ninguém foi descobrir o porquê. E se fez outro plano, em 2014, sem saber o que houve com aquele outro". A falta de um programa detalhado de como chegar aos objetivos é um problema, mas não por não haver profissionais capacitados, argumentou. "Não estamos empoderando quem deveria ser".

O economista destacou que, apesar de o Brasil ser uma república descentralizada, a ideia de que a educação deve ser "top down" (de cima para baixo) continua a imperar. E isso, criticou, é equivocado porque as melhores políticas educacionais e sociais foram criadas nos Estados e municípios e depois adotadas pela União, como o Bolsa Família.

Paes de Barros também pede mais racionalidade às discussões sobre os rumos para mudar o baixo desempenho dos estudantes. "Na educação e no futebol, todo mundo tem opinião, mas ninguém tem um modelo tecnicamente embasado".

Falta ainda, para o especialista, senso de que alguns gargalos são relativamente fáceis de ser solucionados. Com o exemplo do município de Brejo Santo, no Ceará, famoso pela qualidade do ensino público, Paes de Barros disse que "a educação básica não é tão complicada, não é ciência espacial".

No período eleitoral, destacou, a cobrança sobre os candidatos deveria ser na direção de como os problemas serão resolvidos na prática. "Tem que ter compromissos com resultados. Qualquer um que não garanta resultados comete um absurdo. Como você coloca 6% do PIB na educação e eles dizem que não sabem garantir resultados?", questionou.

O economista também sugeriu responsabilizar "líderes educacionais, ministros e secretários" pela falta de resultados na educação. "Um ministro sério vai dizer "eu resolvo o problema" e o presidente vai ter que comprar essa agenda. Se der errado, tem que ser responsabilidade".

'Dúvida é se Brasil vai fazer o ajuste antes de virar Grécia'
O desequilíbrio fiscal e "as imensas distorções que afetam a atividade econômica", prejudicando a produtividade, são os dois principais problemas da economia brasileira hoje, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. Segundo ele, é fundamental superar esses obstáculos para o país crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado.

"O Brasil está ficando para trás", resume Lisboa, ressaltando que a renda por trabalhador no país está entre 20% e 25% do rendimento de um trabalhador americano. No começo dos anos 1980, estava na casa de 30%. "E o número está convergindo para 20%", afirma ele, notando que vários outros emergentes fazem trajetória oposta.

Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Lisboa destaca que a situação fiscal é grave tanto na União quanto nos Estados e municípios. No caso do governo federal, houve uma "multiplicação de regras" que torna muitos gastos obrigatórios, aponta ele. Hoje, 101% das receitas na esfera federal estão comprometidas com essas despesas.

Nos Estados e municípios, o problema é a folha de pagamento, considerando os gastos com os servidores na ativa e com os aposentados. "Quase todos os Estados estarão quebrados nos próximos anos porque não terão nem dinheiro para pagar a folha."

O economista diz que várias mudanças precisam passar pelo Congresso, o que requer a construção de maiorias amplas - nas questões constitucionais, é preciso de três quintos dos votos. E Lisboa identifica um problema adicional: "O quadro é ainda mais difícil porque uma parte importante dos gastos vem de decisões do Judiciário".

Esse quadro fiscal exige respostas duras. "Se não fizer reforma das regras do servidor público, da Previdência, da estrutura tributária, não tem saída. A gente quebra", afirma ele. "A dúvida é se [o Brasil] vai ter que virar Grécia ou vai fazer um ajuste antes de virar Grécia, como Portugal fez." A Grécia passou por uma gravíssima fiscal e econômica, tendo reestruturado a dívida em 2012.

Lisboa diz que, no Brasil, o problema precisa ser enfrentado "sobretudo" pelo lado das despesas. "O gasto é muito distorcido e o país já tem uma carga tributária elevada em relação aos demais emergentes", afirma ele, ponderando que isso não significa que não existam "imensas distorções tributárias" a serem resolvidas. "Há grupos que pagam impostos demasiados e outros que pagam muito menos impostos." Para Lisboa, o país precisa de "uma agenda republicana, de tratar os iguais como iguais, de simplificar as regras, de ter normais tributárias comuns para todos os setores."

Ao comentar as propostas de tributação de dividendos e de aumentar o imposto sobre herança, Lisboa vê aí "saídas fáceis" - "é vender terreno na lua", diz ele. "O grande impacto de justiça social da politica pública não é via tributação, é via gasto público." Na visão de Lisboa, a tributação de dividendos, se for adotada novamente, precisa ser acompanhada de redução do imposto de renda cobrado das empresas, uma tendência mundial. E o grande ganho não viria da taxação do dividendos das empresas que estão no regime do lucro real, mas das companhias atualmente no regime do lucro presumido e no Simples, cujos resultados também deveriam passar a ser tributados, diz Lisboa.

Ele enfatiza ainda a importância de uma política pública concentrada na área social. "E a política social mais eficaz para combater desigualdade é educação com resultado", afirma ele, observando que o Brasil já gasta mais recursos na área do que outros países emergentes. Os resultados, contudo, são decepcionantes. "Isso significa que há uma agenda de governança, de gestão da educação, muito importante, que pode ser muito benéfica para o país."

Lisboa também ressalta a necessidade de o país enfrentar as distorções que afetam a atividade econômica. As normas tributárias, as regras de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e as restrições ao comércio protegem empresas ineficientes, diz ele. A complexidade institucional e o elevado contencioso judicial prejudicam as decisões de investimento e de produção, resultando na baixa produtividade, segundo Lisboa.

Nesse cenário, ele aponta as diversas intervenções setoriais ocorridas a partir de 2009, com impacto negativo sobre a economia. Entre elas, medidas protecionistas como o Inovar-Auto (o regime para o setor automotivo), as regras de conteúdo nacional para o setor de petróleo e gás, o fortalecimento do monopólio da Petrobras e o controle do preço da gasolina. Para enfrentar esses problemas, Lisboa considera crucial simplificar e tornar mais previsíveis as regras tributárias, estimular a competição, reduzir as distorções setoriais e abrir a economia.

Momento de "anomalia" complica jogo na eleição
Com uma combinação de severas crises nos três Poderes - e sem perspectiva de resolução desses problemas no curto prazo -, o Brasil vive um momento de anomalia, o que torna o jogo eleitoral excessivamente complicado e incomparável com experiências de eleições passadas. A avaliação é cientista político Carlos Melo, professor do Insper que ministrou palestra ontem na sede do Valor, em São Paulo.

Para Melo, o país vive situação de "colapso" em diversas frentes. Passa pela crise econômica e pelo colapso do modelo político que se convencionou chamar de presidencialismo de coalização. "O problema não é o presidencialismo em si, mas no Brasil essa dinâmica é exclusivamente fisiológica, mercantil. Os governos abandonaram a ideia de negociar projetos. Você distribui cargos e faz maioria [no Congresso]", diz.

Como exemplo da fraqueza das autoridades, ele citou a paralisação dos caminhoneiros. "Há pelo menos oito entes do governo que poderiam ter previsto essa greve e não conseguiram."

Outra crise relevante é a do Judiciário, afirma, que passou a ocupar posição de destaque por causa da ausência de lideranças. "Aos poucos, essa judicialização da política levou a uma politização da Justiça. O Supremo deveria ser, no limite, árbitro do conflito, mas ele mesmo é o conflito."

Melo dá ênfase ao que chama de fenômeno mundial de perda de qualidade de lideranças. Na sua avaliação, isso ajuda a explicar a ânsia de parte grande do eleitorado por "soluções do passado".

Nos EUA, essa tendência se expressou com o triunfo de Donald Trump, que carregou o slogan "Make America Great Again" (um apelo pela volta de uma América grandiosa). No Brasil, estaria ocorrendo agora com o sucesso de Jair Bolsonaro, pré-candidato que acena para um passado militar idílico, mas que nunca existiu, ressalva; e também com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que simbolizaria a ideia de retorno de um passado recente feliz.

Melo lembra que o mundo vive um momento de mudanças econômicas e tecnológicas que produzem exclusão e geram rejeição. "É a ideia da utopia regressiva. Como o futuro é muito imprevisível, fogem para o passado."

A combinação excepcional de crises, avalia, faz com que as experiências de eleições passadas tenham pouca serventia para ajudar a entender o pleito deste ano.

Há outros ineditismos a serem considerados. Entre eles estão a força das redes sociais, o fim do financiamento empresarial de campanhas e a fragilidade dos grandes partidos. "Até aqui, analisávamos eleições olhando o passado, como os candidatos se comportavam nas pesquisas, o tempo de TV. Em condições normais, isso tudo é importante. Mas não estamos em condições normais." Hoje, disse, os chamados fluxos de informação podem exercer papel tão importante quanto os instrumentos tradicionais de política.

O cenário ficou ainda mais complicado pela "desintegração" dos três grandes partidos: PT, PSDB e MDB. "Os conflitos internos do PSDB são seriíssimos. O MDB é uma base em busca de um governo, tem falta de quadros, muitos envolvidos em processos judiciais; alguns correm risco de descer a rampa em janeiro e entrar direto no camburão. E o PT tem resistências a um plano B."

Outro ponto a ser observado com atenção, diz, é a possibilidade de intensificação da alienação eleitoral. Um aumento relevante de votos brancos, nulos e abstenções representaria dano à legitimidade do eleito. "O próximo presidente corre o risco de vencer com um terço dos votos, com o outro candidato com cerca do outro terço, e a terceira parte de brancos e nulos", diz.

Fator chave nisso, destaca, é a participação ou não de Lula na disputa. "Sem Lula, o número de eleitores sem opção supera os que indicam preferência por algum candidato", aponta.

Ele sustenta que a eleição deste ano é comparável com a de 1989, com dois candidatos de espectro político oposto liderando as pesquisas, e diversos postulantes menores alinhados ao centro.

Um eleito com alto grau de rejeição, o que é bastante possível, avalia, pode não usufruir nem mesmo da chamada "lua de mel" de início de governo para aprovar pautas importantes. Melo acrescenta que, devido a crise fiscal, o novo presidente não terá margem para recorrer ao velho método da barganha com congressistas. "Não vai ser tão simples negociar sem recursos, precisando fazer ajustes desgastantes. Será preciso um outro tipo de diálogo com o Congresso e com a população."

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