"Pesquisas mostram que Bolsonaro já perdeu pessoas que pensaram em votar nele e já não pensam mais"
"Lula transfere de 20% a 22% para o candidato do PT, seja o Haddad ou Wagner, mas depende de conseguir fazer campanha"
Por Raphael Di Cunto | Valor Econômico
BRASÍLIA - Com 29 anos de atuação em campanhas eleitorais de todos os partidos, do Psol e PT ao PSDB e DEM, o estatístico Paulo Guimarães afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem potencial para elevar para 20% a 22% as intenções de voto do candidato do PT, seja Fernando Haddad ou Jaques Wagner, e que isso pode colocar a sigla no segundo turno da eleição presidencial. Mas a transferência de votos não superará esse percentual e dependerá das condições de Lula, que está preso, fazer campanha. Se conseguir, quem mais perderá votos será Ciro Gomes (PDT).
Guru do ex-prefeito do Rio de Janeiro César Maia (DEM), que ele ajudou a eleger em 1992 numa eleição que muitos davam como perdida - aparecia em terceiro no dia anterior ao primeiro turno -, "Paulinho" é responsável pela pesquisa encomendada pelo DEM para orientar os partidos do "Centrão" na busca pelo presidenciável mais competitivo. Para ele, nesse cenário fragmentado, a ida ao segundo turno está aberta a todos os candidatos, até João Amoêdo (Novo), mas a união dessas siglas será decisiva.
O deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) já é dono do discurso anti-PT e está inflado pelo erro dos adversários em bater em Lula. O caminho para crescer, aponta, é ser reconhecido como o opositor do governo Temer. Hoje ninguém ocupa esse espaço, nem o PT. "Tem aí 42% dos votos voando a espera de alguém", diz.
Bolsonaro, afirma o professor aposentado da Unicamp, que trabalhou na campanha de Aécio Neves (PSDB) em 2014, é vítima do mesmo movimento que derrubou Marina Silva (Rede) naquela eleição: a suposta estabilidade ou crescimento nas pesquisas esconde um percentual elevado de eleitores que pensaram em votar nele e desistiram. O brasileiro primeiro diz que vai votar em alguém para depois prestar atenção nas ideias. "Ele vê uma mulher bonita e diz: é essa. Mas depois percebe que tem mau hálito e vai atrás de outra. Esse movimento é constante na eleição".
Mais conhecido no meio político pelas inúmeras campanhas que fez no GPP, no Rio, "Paulinho" fundou com o filho em 2017 uma empresa nova, o Instituto Guimarães. A sede é em Campinas, mas ele viaja o país para dar consultoria a candidatos e, numa parada em Brasília na quinta-feira passada, conversou com o Valor. Além de campanhas estaduais já acertadas, ele estuda os convites para fazer as pesquisas e estratégia de uma candidatura presidencial, mas ainda não fechou com ninguém. A exemplo dos partidos, está esperando o cenário clarear.
Valor: O cenário na esquerda está mais favorável para quem ir ao segundo turno: Ciro ou o PT?
Paulo Guimarães: É mais difícil para o Ciro. Não se trata de direita/esquerda. É que, dentro da imagem positiva do Lula, daqueles que simpatizam com ele, quem tem mais voto é o Ciro. Se o Lula participa ativamente da campanha, ele vai tirar de quem tem mais voto ali e transferir para o candidato dele. Temos milhares de pesquisas que comprovam isso. O apoio de uma pessoa transfere 50% dos votos dela para outra, se for para o mesmo cargo. O Lula empresta algo em torno de 20% a 22% para o candidato do PT, seja o Haddad ou Jaques Wagner. Isso com o Lula atuante. O difícil é saber qual o tamanho dessa atuação pela condição que ele se encontra hoje.
Valor: Vídeos e bilhetes não são suficientes para transferir os votos?
Paulo Guimarães: Teria que medir, não gosto de chutar. Mas o Lula participando de palanque é uma coisa, com pessoas de porta-voz é outra. Um bilhete do Lula, se eu ler, não terá efeito nenhum. Se for de parceiro dele já vão acreditar, mas terá outra conotação, outro tom de voz, e isso é importante na campanha.
Valor: A esquerda é quem mais se beneficia da rejeição ao governo?
Paulo Guimarães: Aí discordo um pouquinho de quase todo mundo. Na eleição em Brasília, pega o [governador Rodrigo] Rollemberg, que é tido como de esquerda, e o [senador] Reguffe, que também é. Ambos estão no mesmo campo, mas o Reguffe é oposição ao Rollemberg. A pesquisa define claramente qual é o campo vencedor de uma eleição, se a situação ou a oposição. Em 2018, o campo vencedor para ir ao segundo turno é a oposição.
Valor: Então é o Lula?
Guimarães: Posso garantir que nem o Lula, nem Bolsonaro, nem os outros 15 ou 16 pré-candidatos, são opositores ao Temer. Para ser opositor a sua intenção de voto, dentro dos que têm avaliação ruim ou péssima do governo, tem que ser maior que a sua média. E ninguém se posiciona aí. Hoje é espaço desocupado e é onde tem 42% do eleitorado sem candidato, voando. E isso coloca qualquer um no segundo turno.
Valor: O combate as reformas do governo Temer, como faz a oposição, não é suficiente para ser visto como opositor? Como se posicionar aí?
Guimarães: Os outros 40% do ruim/péssimo do Temer já tem algum candidato, mas é o campo com mais votos soltos. É fácil? Aí é com os marqueteiros. Eles têm um problema para resolver: o Temer não é candidato, e ele tem que ter candidato para ficar personificado o governo. Não posso ser opositor a uma pessoa que não é candidata, é muito frágil.
Valor: Esse candidato é o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), mas ele tenta se distanciar do Temer e se aproximar do Lula, de quem foi presidente do Banco Central. Pode dar certo?
Guimarães: Não, não é assim. O que tem força é o Lula falar "o Paulinho é meu candidato". Com o [José] Serra para prefeito de São Paulo em 2004 já passamos por isso. Dentro da imagem positiva do Alckmin, que era governador, quem ganhava era a [então prefeita] Marta Suplicy. Quando o Alckmin falou "peraí, meu candidato é o Serra", acabou com a Marta, destruiu a Marta. É assim que funciona. Não adianta eu falar "sou amigo do Lula também" porque na hora que o Lula disser "é mentira, ele não é meu amigo", desmorona.
Valor: O voto anti-PT também não é capaz de levar ao 2º turno?
Guimarães: Esse é o outro campo desta eleição, o de oposição ao Lula. Mas que já tem dono. Se você é candidato e começar a falar mal do Lula, da Dilma e do PT, o eleitor vai falar: o Bolsonaro tem razão. E o Bolsonaro vai ultrapassar o teto pessoal dele, que é de 15%, 16%. Ele já aparece em algumas pesquisas públicas com 19%, 20%. Já está acima do teto. Os outros candidatos estão, indiretamente, ajudando ele.
Valor: Alckmin ou outros candidatos de direita não se beneficiam?
Guimarães: Depois que o [ex-presidente Fernando] Collor começa a caçar marajá, você não pode falar isso. Se fala, o eleitor pensa: então o Collor está certo. Aí eu dou gás para o Collor. Mas essa é uma eleição aberta. Uma eleição fechada é quando, como está ocorrendo com um Estado do Nordeste hoje, os cinco candidatos somados têm 138% de potencial de voto. Alguém só vai crescer em cima de alguém. Hoje, se pegar a eleição presidencial, mesmo com 17, 19 candidatos, o potencial de voto dá 62%. Não precisa ninguém roubar voto de ninguém, só fazer o trabalho direitinho, que é contra o Temer. A estratégia está montada, para quem quiser, de graça (risos).
Valor: Se o Bolsonaro já é dono desse eleitorado anti-PT, ele está, então, no segundo turno?
Guimarães: Se os 17%, 20%, que o Bolsonaro tem hoje serão suficientes só o tempo vai dizer porque está muito fragmentado. Em 2002 o Serra passou para o segundo turno com 18% [dos votos totais, 24% dos válidos]. Já na última eleição, a Marina, com 21% [dos votos válidos], não foi. Mas as pesquisas mostram que o Bolsonaro já perdeu muitas pessoas que pensaram em votar nele e já não pensam mais.
Valor: Como assim?
Guimarães: É o que se identifica com o grupo controle. Você pega três mil eleitores de um candidato e acompanha como se comportam durante a campanha. O Bolsonaro vem perdendo 20% dos eleitores a cada mês. Se tem 100 eleitores, perde 20 a cada mês. Mas não tem aparecido nas pesquisas quantitativas porque ele ganha outros 20%. É um movimento que ocorre com todos os candidatos, mas com mais intensidade com quem está na frente. Primeiro vem a onda de votar em alguém, vou votar no Bolsonaro, depois começo a prestar atenção no que ele fala. E aquilo pode não me atrair, desisto e não volto mais a pensar em votar naquele candidato.
Valor: Mas ele continua na frente, está ganhando outros eleitores.
Guimarães: A taxa de saída se mantém e pode acelerar com a campanha na TV - só dá para saber fazendo pesquisa quando de fato começar. O problema de quem está na frente é que o eleitorado que pode se interessar acaba primeiro para ele. Ele perde e ganha, perde e ganha, perde e ganha, aí acaba o eleitorado, não tem mais ninguém para entrar, e ele perde, perde, perde. Foi o que ocorreu com a Marina Silva em 2014, com o Celso Russomanno em 2012, com o Ciro em 2002 e com a Cidinha Campos em 1992. A Marina, nós trabalhamos na campanha do Aécio, perdia 30% dos eleitores a cada oito dias. Mas ganhava 40%, por isso parecia que ela crescia. O voto dela era 75% desejo de mudança, o eleitor não identificava nela outras competências pessoais que rendem voto. Diziam que ela era legal, simpática, evangélica, mas nada disso dá voto. Quando a campanha explorou na TV uma régua do tempo mostrando que, em grande parte da vida, ela estava com a Dilma, que não era mudança, intensificou esse movimento. Ela perdeu 30% em oito dias e ganhou 40%, perdeu 30% e ganhou 18% (porque não tinha mais eleitorado para ganhar). Aí perdeu 30% e não ganhou nada, perdeu 30% e ficou de fora do segundo turno. A dúvida é se isso atinge o Bolsonaro no meio da campanha ou às vésperas do fim.
Valor: O movimento dos partidos do "Centrão" para se unir em torno de um candidato é decisivo?
Guimarães: É decisivo. E eu ainda aposto que, se eles não fizerem campanha "pró-bolsonaro", de bater no Lula, colocarão candidato no segundo turno. Provavelmente contra o candidato do Lula - ainda é cedo em função de como o Lula estará na eleição.
Valor: O Ciro também negocia com esses partidos. Ele ganha ou perde ao fazer um discurso de esquerda, mas compor com siglas com ideias conservadoras?
Guimarães: O Ciro perderá grande parte dos seus eleitores hoje desde que o Lula consiga fazer campanha. Mas o centro pode compensar isso, o Ciro fica com imagem muito maior. [A contradição] Aí é pro marketing resolver. Se o Ciro se une com conservadores e faz discurso completamente liberal, criará um choque. Quando você fala em unir partidos, tem que unir ideias também. As divergências quem tem que colocar é o adversário. O adversário vai falar dos meus problemas, eu vou falar das minhas virtudes, não posso me desculpar de nenhum pecado e entrar na agenda dos inimigos. Isso está provado há milhares de anos, desde a Grécia.
Valor: Mas dá para ignorar um problema e vencer a eleição?
Guimarães: Você tem que ignorar e destacar seus pontos fortes. Por exemplo: acabei com os alagamentos em Ribeirão Preto. Foi o grande tema que fez a [ex-prefeita] Dárcy Veras se reeleger. E na contramão tinha saúde, que era muito boa quando ela entrou e ficou muito ruim, os adversários batiam muito. Foi uma guerra: ela não falou de saúde e eles não falaram de alagamentos.
Valor: Políticos comentam que, pelas pesquisas, o PSDB é o partido mais rejeitado, mais até que o MDB de Temer. Por que?
Guimarães: É mesmo o PSDB. O grande protagonista da última eleição foi o Aécio e o que aconteceu depois... contaminou. O Aécio é meu amigo. É muito pior você abraçar e depois alguém mostrar que [não é assim]. Depois que você se torna o arauto da moralidade, você não pode nem esquecer de pagar refil de refrigerante, fazer xixi fora do penico, que será execrado. O [Paulo] Maluf pode, o eleitor pensa "já sei que ele é bandido, mas fez um monte de coisa". Agora o Aécio disse que roubar é pecado, não pode. Se não fosse aquela gravação [da JBS], ele ia ganhar hoje no primeiro turno. Um mês depois da eleição fizemos pesquisa, o Aécio tinha 15% a mais do que a Dilma.
Valor: Essa rejeição alta tira o Alckmin de fora do segundo turno?
Guimarães: O ódio não é tão grande a ponto de tirar do segundo turno numa eleição tão fragmentada. Ser uma pessoa de 20% vai para o segundo turno, todos, absolutamente todos, tem chance, até o Amoêdo. Claro que quem tem mais rejeição, evidente, tem mais dificuldade. Mas ninguém tem rejeição que inviabilize a ida ao segundo turno porque ninguém tem mais de 80% de rejeição. Aliás, só o Temer.
Valor: Mas aí, no segundo turno, quem tem 70% de rejeição perde.
Guimarães: Não se for contra outro com rejeição de 70%....
Valor: A dificuldade do Alckmin crescer nas pesquisas é essa?
Guimarães: Dentro da imagem positiva do Alckmin, daqueles que simpatizam com ele e onde ele tem potencial para obter 60% dos votos - esse é um percentual histórico, que vale em todas as eleições-, hoje tem outros candidatos com voto ali e que vão perder espaço durante a campanha. O Álvaro Dias (Pode) e o Ciro estão em campanha há mais tempo. Aquele que é candidato muito antes de mim estará ganhando dentro da minha imagem positiva, o que é absolutamente impossível na hora o voto. Isso aconteceu com o Alckmin em 2008, quando o [Gilberto] Kassab disputou a reeleição [para a Prefeitura de São Paulo]. O Alckmin tinha 40% de seus votos dentro dos que avaliavam a gestão do Kassab como ótima ou boa e 40% dentro da imagem positiva da Marta. Quando a campanha começou e o Kassab mostrou o que fez, o Alckmin perdeu esses 40% para ele. Ficou momentaneamente como candidato de oposição, mas a oposição era a Marta. Ele perdeu os outros 40% e saiu no 1º turno. O Ciro terá dificuldades porque ele é muito forte na imagem positiva dos outros candidatos. Terá que compensar isso crescendo sua própria imagem positiva, angariando apoios ou sendo o opositor do Temer.
Valor: O candidato do governo deve estar fora do segundo turno. Ser opositor ao Temer ainda será decisivo nessa etapa?
Guimarães: Aí será embate de atributos porque não terá mais o Temer. Quem quer que seja terá que mostrar que é o melhor para resolver os preditores, aqueles problemas que movem o voto.
Valor: Como assim?
Guimarães: Na eleição passada, a economia respondia por mais de 60% da decisão de voto. Um tema que vários candidatos abordaram, a segurança, respondia por menos de 1%. Os candidatos estavam perdendo tempo. Ninguém acredita que ele vai resolver esse problema.
Valor: Não é a segurança pública que tem dado votos ao Bolsonaro?
Guimarães: Não. O voto dele está no ódio ao Lula. Antigamente a gente ajudou a perder muita eleição. Chegava e perguntava: qual é o principal problema? A pessoa falava as estradas. Só que as estradas lá são problema há 50 anos, as pessoas não vão acreditar que você conseguirá resolver. Não dá voto. É como a segurança no Rio, nem o exército conseguiu, se você prometer resolver vai virar meme, chacota. O que move o voto é uma coisa que estava ruim e melhorou, como o Lula com o Bolsa Família, ou algo que estava bom e ficou ruim, como a economia com a Dilma.
Valor: E qual é o principal preditor desta eleição? A Lava-Jato?
Guimarães: É a mesma história da estrada: o que estava ruim e continua ruim não move o voto. A Lava-Jato não acabou com a corrupção. Um preditor de voto é quando alguém que atribui importância maior a esse tema vota diferente dos demais. E não encontramos essa diferença.
Valor: Nem se um dos procuradores da Lava-Jato ou o juiz Sergio Moro declararem apoio a alguém?
Guimarães: Nenhum cliente pediu para medir... não vou chutar. Mas o Moro e a Lava-Jato não são unanimidade.
Valor: E qual é então o preditor?
Guimarães: O principal ainda são os temas ligados a economia.
Valor: As pesquisas mostram o mais alto índice de votos em branco e nulos em anos nesta eleição. Tem reversão ou são votos perdidos?
Guimarães: Tem. Muita gente está se espelhando nas eleições de Tocantins e Amazonas, mas eu trabalhei nelas, não pode projetar para a eleição de agora. Era mandato tampão, não tinha deputado, senador, presidente, era descasada do cenário nacional. O índice ficará um pouquinho acima do histórico. A eleição da Dilma com o Aécio teve 26% de não voto, não será nada muito diferente disso. E as redes sociais têm chamado a atenção para que o maior número de nulos está sempre entre os que desaprovam o governo. Se essas pessoas não votarem, só estão ajudando governos ruins a se perpetuarem.
Valor: A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para proibir divulgação de pesquisas por telefone na eleição. Concorda que devem ser vetadas?
Guimarães: Pesquisa por telefone não funciona, é enquete. Quase 10% da população não tem telefone e parcela importante não atende. Se eu não conseguir fazer com que os não respondentes falem, parte significativa da amostra fica de fora, não tem validade estatística. A pessoa pode defender o quanto quiser a pesquisa por telefone e acho que tem mercado para todo mundo, não deve proibir, mas melhor pesquisa é a residencial, não adianta. Só que é a mais cara.
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