- Valor Econômico
Juros em queda e óleo mudam o padrão da dívida bruta
A queda da taxa de juros e os recursos do pré-sal trazem um importante e substancial efeito sobre a trajetória da dívida bruta do setor público como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no curto, médio e longo prazos.
Simulações preliminares indicam que a dívida atinge 79,9% do PIB este ano, chega ao pico de 82,3% do PIB em 2024 e a partir de 2025 praticamente se estabiliza nesse patamar.
O gráfico abaixo foi elaborado por Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a pedido desta coluna.
As premissas são conservadoras. Salto considerou juros reais de 3,5% ao ano, na média do período, crescimento econômico anual de 2,2%, além das receitas dos leilões do pré-sal e do excedente da cessão onerosa e, também, outras receitas como os cerca de R$ 200 bilhões que ainda serão devolvidos ao Tesouro Nacional pelo BNDES.
Ele não prevê juros estáveis por longo período. Considera que o hiato do produto - que mede a diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial - que estima em 3% negativos pode ser fechado no fim de 2022, pressionando os preços e, por consequência, a taxa básica de juros que ele supõe que vai chegar a 7% nominais. Contando com uma taxa de inflação, medida pelo IPCA, de 3,5%, a taxa de juro real estaria nesse mesmo patamar.
Os dados oficiais da IFI só serão alterados quando da publicação do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de novembro. Por enquanto, discutem-se cenários, mas as indicações de que a dívida pública pode estar deixando para trás uma trajetória explosiva estão colocadas. Ao menos não se projeta mais a dívida chegando muito próxima de 100% do PIB no horizonte visível.
Isso não significa que o governo pode relaxar na gestão da política fiscal. As finanças do setor público ainda estão longe de ser uma preocupação secundária.
Há um superávit mínimo necessário para consolidar essa nova trajetória da dívida pública. Ele é ligeiramente inferior ao originalmente esperado, de 1,1% do PIB, e não 1,7% do PIB estimado, quando a taxa real de juros era maior, de 4,3% ao ano.
Embora menor, não é um objetivo fácil de atingir. Como hoje há um déficit nas contas públicas equivalente a 1,26% do PIB, o esforço fiscal necessário para estabilizar a dívida é de cerca de R$ 170 bilhões (ou 2,36% do PIB) para os próximos cinco anos.
É importante reiterar que o fato de o endividamento estar em uma trilha menos explosiva não autoriza o Executivo nem o Legislativo a supor que as coisas já estão bem.
Primeiro, a melhora pressupõe que toda a receita extra vindo do petróleo não será usada para aumentar o gasto, e sim para abater a dívida. E não é pouco dinheiro. São cerca de R$ 41 bilhões neste ano e mais R$ 24 bilhões em 2020 para a União.
Segundo, o gasto público não para de crescer. Mesmo que não se faça absolutamente nada, ele cresce de forma autônoma ano a ano só com as indexações existentes das despesas, seja à variação do salário mínimo ou a índices de preços.
Para enfrentar o engessamento do Orçamento e o aumento do gasto público o ministro da Economia apresentará, na próxima semana, proposta de emenda constitucional (PEC) do novo pacto federativo e da reforma administrativa. A primeira será encaminhada ao Senado e a da reforma administrativa seguirá para a Câmara.
A PEC do pacto federativo traz questões polêmicas que vão ferir interesses de quem está acostumado a ter o benefício do dinheiro assegurado todos os anos. São as receitas vinculadas a despesas específicas que abarcam 94% do Orçamento anual, deixando para uso discricionário só uns 6% do Orçamento. Essas receitas são “carimbadas”.
Exemplo da desvinculação que se pretende fazer é a dos fundos setoriais (fundo da marinha mercante, fundo de telecomunicações, fundo penitenciário etc.), cujos recursos passarão a compor o bolo orçamentário, engordando as verbas discricionárias. Os fundos constitucionais de Norte, Nordeste e Centro-Oeste serão excluídos da desvinculação e permanecem, portanto, inalterados.
O Orçamento da União tornou-se uma peça inadministrável e há muitos anos a área econômica dos governos vem se batendo na mesma tecla do engessamento, excessiva vinculação em que boa parte das receitas é carimbada para setores específicos da sociedade.
Soma-se a isso a obrigatoriedade de Estados e municípios terem que gastar uma porcentagem da receita que a União lhes repassa em saúde e educação, independentemente da demanda ser maior para educação em certos municípios, ou para a saúde, em outros.
Isso gera distorções absurdas, a ponto de prefeituras terem que pintar as escolas mais de uma vez por ano para cumprir essa obrigatoriedade, enquanto faltam recursos para a saúde ou vice-versa.
Essas são histórias que já caíram no anedotário.
É mais do que hora de transferir aos governos eleitos, nas três esferas da federação, a possibilidade de gerir suas prioridades, e não de apenas obedecer a um software que distribui os recursos públicos já com o carimbo de para onde devem ser enviados.
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