quinta-feira, 2 de julho de 2020

A taxa de desemprego não é mais a mesma

Taxa de subutilização da força de trabalho e o nível de ocupação devem ser preferíveis para a aferição do mercado de trabalho

Por João Hallak Neto* e Esther Dweck* - Valor Econômico

No mês de junho o IBGE divulgou a Pnad Covid 19, uma nova pesquisa que traz os primeiros dados sobre o mercado de trabalho durante a pandemia. Esta pesquisa semanal tem seus resultados iniciais com referência no mês de maio de 2020, portanto, já no período de isolamento social que começou na segunda quinzena de março em diversas cidades do país. Sendo assim, para análises comparativas entre o antes e o depois desse período atípico torna-se necessário o uso de bases de dados que possuam séries históricas mais amplas, como a Pnad Contínua, também do IBGE, e o Caged, do Ministério da Economia.

Os resultados mais recentes da Pnad Contínua revelam que a taxa de desemprego (ou taxa de desocupação, que é a denominação adotada pelo IBGE), indicador que normalmente chama mais atenção, situou-se em 12,9% no trimestre encerrado em maio, apresentando pouca variação em relação ao valor de igual período do ano anterior, 12,3%. Entretanto, essa relativa estabilidade contrasta com outros indicadores apresentados. A mesma pesquisa indicou uma redução de 7 milhões de pessoas ocupadas, sendo cerca de 2,5 milhões com carteira de trabalho assinada, quando comparada a igual período ano passado. Já o novo Caged apontou para uma queda de 1,5 milhão de empregos formais no trimestre finalizado em maio, além de 4,4 milhões de contratos de trabalho suspensos e 3,5 milhões com redução de até 70% das horas trabalhadas, em abril em relação ao mês de março de 2020.

Em um contexto de crise econômica, potencializada pela forma como têm sido adotadas as medidas para enfrentar a pandemia da covid-19 no Brasil, torna-se esperado, para o senso comum, que muitas pessoas deixem de ter uma atividade produtiva e sejam consideradas desempregadas. No entanto, essa perda de ocupações pode não impactar a estatística oficial da taxa de desocupação. Segundo as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) o trabalhador que não exerça atividade produtiva, para ser considerado como desocupado, precisa ter realizado busca efetiva e estar disponível para o trabalho. Caso uma dessas condições não seja observada, ele não será considerado desocupado, mas classificado fora da força de trabalho.

Frente à crise e à estagnação duradouras, pessoas que perderam suas ocupações podem deixar de procurar por trabalho em virtude de estarem desestimuladas e não vislumbrarem uma vaga no horizonte. Além disso, o fechamento de diversos empreendimentos, a preocupação com a saúde, o próprio isolamento social e, em alguns casos, a inviabilidade de se procurar trabalho em determinadas localidades tendem a reforçar o comportamento passivo em relação à busca por emprego.

Segundo distintas previsões, o Brasil está em meio a uma queda inédita do PIB, com impactos extremamente desfavoráveis para toda economia, o que levanta a seguinte questão: será que o tradicional indicador de taxa de desocupação está informando com clareza o que atualmente ocorre no mercado de trabalho? A resposta é não. Essa taxa passa a ser coadjuvante nessa comunicação e outros dois indicadores assumem destaque no diagnóstico.

Também recomendados pela OIT, a taxa de subutilização da força de trabalho e o nível de ocupação, igualmente calculados pelo IBGE seguindo as recomendações internacionais, devem ser preferíveis para a aferição do dinamismo - ou da falta dele - no mercado de trabalho.

Além dos “desocupados”, a taxa de subutilização inclui os “subocupados por insuficiência de horas trabalhadas” - trabalhadores cujas jornadas remuneradas são inferiores às 40 horas semanais, e que gostariam e poderiam trabalhar mais horas - e os “trabalhadores que estão na força de trabalho potencial” - pessoas que desistiram ou não puderam buscar por emprego, embora quisessem estar trabalhando. É, portanto, mais completo que a taxa de desocupação e mais adequado para ser utilizado em momentos de alta complexidade. Segundo a PnadC, a taxa de subutilização, que foi de 25% no trimestre móvel de março a maio de 2019, passou para 27,5% em igual período de 2020, um crescimento que reflete a desaceleração econômica e as consequências do isolamento social iniciado na segunda quinzena de março.

Um indicador não menos importante, embora de construção mais simples, é o nível de ocupação. Este consiste na proporção de ocupados sobre a população em idade ativa, ou seja, considera em seu denominador não só os ocupados e os desocupados (assim como a taxa de desocupação), mas também as pessoas que estão fora da força de trabalho. Na comparação entre os trimestres terminados em maio o indicador passou de 54,5% para 49,5% da população em idade ativa, respectivamente em 2019 e 2020. Evidentemente, quanto mais baixo o nível de ocupação, menos dinâmico e mais desfavorável estará o mercado de trabalho.

No gráfico, pode-se ver a comparação entre os três indicadores. Cabe ressaltar que a queda no nível de ocupação e o aumento da subutilização durante a crise de 2015-16 ainda não tinham sido revertidos. Portanto, o resultado atual agrava ainda mais um quadro que já era desafiador.

Seja um indicador com mais dimensões, como a taxa de subutilização, ou um indicador mais direto, como o nível de ocupação, importa ressaltar que ambos são essenciais para o estudo do mercado de trabalho, especialmente no momento atual. É por isso que estatísticos do trabalho planejam diferentes fórmulas e pesquisas para a investigação dos fenômenos, com questionários que podem ser considerados extensos, mas que cumprem papel fundamental na análise de um mundo complexo e em constante transformação. O uso combinado destas e de outras estatísticas, como as de informalidade, horas trabalhadas e rendimentos, traz um reconhecimento mais preciso da conjuntura e permite a elaboração de políticas efetivas para o enfrentamento de desafios tão importantes.

*João Hallak Neto é pesquisador do IBGE, doutor em Economia pelo Instituto de Economia da UFRJ.

*Esther Dweck é professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do Grupo de Economia do Setor Público IE/UFRJ.

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