Por inúmeros motivos, seria importante começar, ainda que tarde, a fazer a coisa certa
O cerco contra a destruição ambiental no Brasil está se fechando. O mais recente episódio, não o único nem o mais eloquente, foi a decisão do presidente da França, Emmanuel Macron, de protelar a aprovação do acordo da União Europeia com o Mercosul, e de impedir acertos com quem não respeitar o Acordo de Paris. No mesmo dia, 265 organizações civis da Europa e América Latina denunciaram o governo brasileiro por agressões ao ambiente e aos direitos humanos.
Depois de sua conduta execrável em relação ao maior desmatamento na Amazônia em dez anos, em 2019 (10,1 mil km2) e refutar os fatos, demitindo cientistas que os divulgaram, o governo Bolsonaro diminuiu sua exposição na área. Isso não significou que suas ações contra o ambiente cessaram, apenas que seguem agora em silêncio, tão longe dos olhos públicos quanto possível. A ideia de “passar a boiada” enquanto as atenções estiverem voltadas para a covid-19 explicita um programa de governo.
Salles, que teve sigilo bancário de seu escritório de advocacia quebrado em investigação por suposto enriquecimento ilícito enquanto foi secretário do governador Geraldo Alckmin, desestruturou os órgãos como ICMBio e Ibama, militarizou as direções regionais ou as entrega a neófitos, agora indicados pelo Centrão. Anteontem foi nomeado como superintendente do Ibama em Santa Catarina, um administrador de empresas que desde 2014 está com bens bloqueados pela Justiça devido a ação pública por improbidade administrativa pelo Ministério Público (O Estado de S. Paulo, 1-7).
Os holofotes foram deslocados para o vice-presidente Hamilton Mourão, que chefia desde abril um Conselho da Amazônia composto por 19 militares, sem membros do Ibama e da Funai. Mourão recorreu à Garantia da Lei e da Ordem para realizar algumas incursões contra o desmatamento na região, com os órgãos ligados ao ambiente subordinados ao comando militar. As impressões de fiscais que participaram das primeiras ações são negativas e não afastam a impressão de que seriam “para inglês ver”.
Outras ações destrutivas seguem o curso parlamentar, como o projeto que permite a mineração em terras indígenas e o lamentável projeto de regularização de terras, batizada de MP da grilagem. A MP caiu, tornou-se projeto de lei e tramita no Congresso, sem perspectiva de que os interesses de preservação ambiental sejam respeitados.
Enquanto isso, o desmatamento na Amazônia Legal não dá tréguas. Dados preliminares apontam que o recorde de 2019 pode ser igualado ou superado. No ano até maio foram emitidos alertas de desmate envolvendo 2.032 km2, um crescimento de 34,5% sobre igual período de 2019.
A mensagem dada de várias formas por Salles e pelo presidente Jair Bolsonaro, de que não se oporão a atividades de exploração nocivas ao ambiente, foi entendida por garimpeiros, grileiros e empresários inescrupulosos, e estimularam o desmatamento. Ele está espalhado por todos os biomas. Medido pelos avisos de desmate do sistema Deter, neste ano até junho, o Cerrado é a região mais atingida (34,1%), à frente da Amazônia (32,1%). Em ambos, o Mato Grosso se aproxima rapidamente do Pará na liderança da motosserra.
O presidente Jair Bolsonaro disse que a pressão externa se deve à “desinformação”. A blague faz pouco da tendência global por maior rigor na regulação ambiental sobre comércio e investimentos, que pode seguir um atalho com a pandemia. Esse consenso que se forma, por motivos legítimos, favorece disfarces protecionistas, como os da França. Macron deu declarações duras após perder eleições em algumas das principais cidades francesas para os verdes, em ascensão em toda a Europa. Merkel, cujo governo está na vanguarda do combate ao aquecimento global, assumiu ontem a presidência rotativa da UE.
O plano verde da Comissão Europeia caminha para impor compensações tarifárias sobre países que desrespeitam esforços para redução de emissões de carbono. Carta enviada a 8 embaixadas brasileiras por fundos que administram US$ 4 trilhões em ativos afirma que as atitudes do governo em relação ao ambiente “elevam os riscos de reputação, operacionais e regulatórios de seus clientes”. Parlamentos da Holanda e Áustria alegaram o desastre ambiental para rejeitar o acordo com o Mercosul. Uma vitória democrata, expelindo Donald Trump do poder dos EUA, trará mais um poderoso foco de atrito com o Brasil. Por inúmeros motivos, seria importante começar, ainda que tarde, a fazer a coisa certa.
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