Num
momento de fuga de capitais e ameaças de estrangeiros alarmados com o
desmatamento, a chantagem de Ricardo Salles é grave sinal de instabilidade e
insegurança.
Em meio ao maior volume de queimadas desde 2012, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) determinaram, na noite de quarta-feira, 21, que todos os agentes de combate em campo voltassem às suas bases. A alegação foi de que o Ministério da Economia se recusava a fazer repasses de verbas. Muitos dos 1.400 brigadistas já estavam a bordo de barcos e ônibus quando, após um acordo costurado às pressas com os Ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional, o Ibama determinou, na sexta-feira, que os agentes retomassem o combate aos incêndios. O episódio expõe dois aspectos da gestão ambiental do governo que vêm à tona dia sim e outro também: a inépcia e a perversidade.
Não
é a primeira vez que Salles ameaça um apagão no combate ao desmatamento e às
queimadas. Neste ano, o orçamento previsto para sua pasta foi de R$ 563
milhões. Ante as incertezas provocadas pela pandemia, o Ministério da Economia,
dentro de sua competência, determinou uma reserva de caixa de R$ 230 milhões.
No fim de agosto, ante a ameaça de Salles de paralisar as operações, o governo
liberou R$ 96 milhões para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Agora, o
ministro voltou à carga para exigir os R$ 134 milhões restantes.
Das
duas uma: ou a pasta, conforme suas dotações orçamentárias, acredita ter algo
como um direito líquido e certo aos recursos, o que lhe daria o direito de
acionar as devidas instâncias administrativas, ou, como é obviamente o caso, se
trata de uma margem discricionária, e sendo assim precisa negociar a liberação
com o Ministério da Economia e, em última instância, com o presidente da
República. Se julgar que o resultado dessas negociações inviabiliza a execução
de suas atribuições, o ministro pode sempre pedir as contas.
O
que é inaceitável, mesmo admitindo-se a legitimidade e a conveniência de suas
pretensões, é que um ministro venha a público expor seus pares da Esplanada dos
Ministérios. Tanto mais grave é a chantagem e a extorsão, com ameaça de
sabotagem às atividades de sua pasta, justamente no momento em que ela enfrenta
o avanço calamitoso do fogo.
A
atitude de Salles é equiparável, se não legalmente, moralmente, a um motim. A
Constituição veta às forças de segurança o direito à greve a fim de impedir que
a sociedade seja privada de um serviço essencial à ordem pública. Salles, por
sua vez, mostra que não hesitará em sacrificar o bem essencial que cabe à sua
pasta proteger, o meio ambiente, sempre que suas pretensões não forem
atendidas.
As
restrições não atingem apenas o MMA. Outros ministérios, a seu modo tão
essenciais quanto o do Meio Ambiente, como os da Infraestrutura ou da
Agricultura, também sofreram reduções. Mas seus ministros têm feito o que podem
com o que têm.
Salles
fez o que não pode e, para piorar, não buscou o que eventualmente pode ter.
Mais de R$ 1,4 bilhão do Fundo Amazônia, formado por doações da Noruega e da
Alemanha, está congelado porque o ministro levantou suspeitas de irregularidade
na aplicação de recursos, sem que no entanto tenha apresentado evidências
consistentes. Parte desse montante seria destinada a ONGs ambientalistas, um
dos bodes expiatórios de estimação da militância bolsonarista, mas parte
serviria para equipar órgãos de fiscalização, como o Ibama.
Além
disso, o programa Profisc 1 aprovou em 2018 uma dotação de R$ 140 milhões com
validade até abril de 2021 para o apoio às atividades de fiscalização na
Amazônia. Até agora, o Ibama utilizou R$ 77 milhões, dos quais apenas R$ 10,2
milhões foram sacados neste ano. Nenhum novo acesso ao recurso foi solicitado
pelo Ibama.
Num
momento em que o País é desafiado pela fuga de capitais e por ameaças de
investidores e autoridades estrangeiras alarmadas com o desmatamento, a
chantagem de Salles é um grave sinal de instabilidade e insegurança. Enquanto a
flora e a fauna de importantes biomas são destruídas, o ministro do Meio
Ambiente assinala reiteradamente que, longe de defendê-las com tudo o que tem,
pode, a qualquer momento, abandoná-las à sua própria sorte agindo como um
piromaníaco dentro de seu próprio Ministério.
Orgulho de ser pária – Opinião | O Estado de S. Paulo
Que
os formandos do Itamaraty se inspirem no passado para reconstruir a reputação
do País.
Que o chanceler Ernesto Araújo é uma desonra para o Itamaraty não é novidade. No seu tresloucado discurso de posse no Ministério das Relações Exteriores, em 2 de janeiro de 2019, o ministro já dissera a que vinha e, desde então, tem trabalhado quase exclusivamente para transformar a Casa de Rio Branco em uma espécie de casamata da chamada ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro. Em sua defesa, não se pode dizer que Araújo não esteja cumprindo bem a missão que lhe foi dada.
Sob
as ordens do presidente Jair Bolsonaro e a diligente condução de seu chanceler,
a guinada empreendida na política externa para “libertar” o País do “jugo
esquerdista”, do “marxismo cultural”, do “globalismo” e, pasme o leitor, do
“covidismo” colocou o Brasil na inédita posição de pária no cenário
internacional. De dois anos para cá, o Brasil deixou de ser um interlocutor
relevante em uma miríade de temas caros à comunidade das nações, como meio
ambiente, cooperação científica, ações humanitárias e comércio.
Até
aqui, Ernesto Araújo vinha, a seu modo, rebatendo as críticas à subversão da
tradição diplomática brasileira e à nova e inglória condição de pária
internacional do País aludindo à suposta resistência de alguns setores do
Ministério das Relações Exteriores, que estariam “contrariados” com as mudanças
que empreendeu na pasta, e às pressões de países não alinhados e organismos
multilaterais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU), entre outras
teorias conspirativas que servem mais ao anedotário do que à real compreensão
da dimensão dos males causados à reputação do Brasil no plano internacional. De
acordo com este obtuso raciocínio, o País não seria um pária, mas teria se
posicionado, isso sim, no que Araújo classifica como “o lado certo da
História”.
Esse
discurso mudou. Ao que parece, o ministro Araújo decidiu assumir de vez que não
só o País é um pária, como há razões para se orgulhar da condição.
Ao
participar da cerimônia de formatura de diplomatas no Itamaraty, dia 22
passado, Ernesto Araújo afirmou que “é bom ser pária”. Colocando o Brasil como
uma das únicas vozes a proclamar a liberdade no mundo, ao lado dos Estados
Unidos, o chanceler afirmou que, “se isso faz de nós um pária internacional,
então que sejamos esse pária, que sejamos esse Severino que sonha e essa
Severina que reza”.
O
chanceler aludiu a João Cabral de Melo Neto, poeta e diplomata que foi
escolhido o patrono da turma de formandos. “Modestamente, eu também
considero-me as duas coisas, poeta e diplomata.” Pobre João, logo em seguida
atacado em sua memória pelo inacreditável chefe da diplomacia brasileira. Após
dizer que João Cabral tinha “uma grande sensibilidade para o sofrimento do povo
brasileiro”, Araújo afirmou que a resposta do poeta a este “gigantesco e
premente problema” se dirigiu para o que chamou de “lado errado”, o “lado do marxismo
e da esquerda”. Uma vez mais, a referência ao “lado certo da História” que
tanto apraz aos liberticidas.
Entre
referências supostamente eruditas e parvoíces como “todo ‘isentão’ é um escravo
de um marxista defunto” que permearam o discurso, o ministro fez um balanço de
sua gestão à frente do Itamaraty, enumerando o que, em sua visão, seriam
conquistas advindas da inflexão na política externa. “Esta política externa
Severina, digamos assim, tem conseguido resultados. Concluímos acordos
comerciais com as maiores economias do mundo, como a União Europeia e os
Estados Unidos, e restauramos as relações com países de alta tecnologia, como
Israel e Japão.”
O
acordo comercial entre União Europeia e Mercosul está ameaçado pelos desatinos
do governo na condução da crise ambiental. Com os Estados Unidos, ainda não
deixou o campo das intenções. E como se restauram relações que jamais foram
rompidas permanece um mistério.
Oxalá
a turma de formandos do Itamaraty inspire-se no tão atacado passado da
instituição e um dia ajude a reconstruir a reputação do País.
Os números da Segurança Pública – Opinião | O Estado de S. Paulo
União
e Estados seguem repetindo os erros de sempre, e o crime organizado se
reinventa.
Compilado pela equipe do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base nos registros das Polícias Civil e Militar de cada unidade da Federação, da Polícia Federal e de órgãos governamentais da União, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública que acaba de ser divulgado não deixa margem a dúvidas. Mostra que, apesar de 2019 ter sido o ano com menor taxa de homicídios da atual década, o número de assassinatos voltou a subir no primeiro semestre deste ano, revelando que o nível de violência no País continua alto, com taxas muito acima das de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Entre
janeiro e junho, foram registradas 25.712 mortes violentas intencionais – cerca
de 7,1% a mais com relação ao mesmo período do ano passado. O aumento ocorreu
em 21 dos 27 Estados brasileiros, inclusive o de São Paulo, cujas taxas eram
proporcionalmente mais baixas do que a maioria das unidades federativas. Essas
mortes são resultantes de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais
seguidas de morte e mortes decorrentes de ação policial.
Responsável
por 13,3% do total de mortes violentas, este último indicador atingiu no ano
passado o maior patamar desde 2013, quando a letalidade policial passou a ser
objeto do Anuário. São Paulo e Rio de Janeiro, o primeiro e o terceiro
Estados mais populosos do País, respectivamente, responderam por 42% das mortes
causadas por ação policial em 2019.
Entre
os fatores responsáveis pelo aumento da violência no primeiro semestre de 2020,
segundo os coordenadores do Anuário, três merecem destaque. Em primeiro
lugar, eles afirmam que as unidades federativas com as maiores taxas de
crescimento de mortes violentas intencionais, entre janeiro e junho, foram
Ceará, Paraíba, Maranhão e Espírito Santo – ou seja, Estados onde ocorreram
greves de policiais militares, deflagradas por reivindicações corporativas, e
atritos entre as forças de segurança e os governos locais, decorrentes de
divergências políticas.
Em
segundo lugar, estão as disputas territoriais do crime organizado que foram
provocadas pela política de isolamento social no combate à pandemia. Como as
lideranças foram isoladas em penitenciárias de segurança máxima, perdendo
contato com suas quadrilhas, surgiram novos chefes nas ruas, explicam os
coordenadores do Anuário. A pandemia também alterou o abastecimento das
redes de tráfico. Por causa da redução da oferta de voos e restrições de
viagens, os grandes narcotraficantes passaram a brigar por rotas terrestres de
transporte de drogas que estavam sob o controle de facções rivais.
Em
terceiro lugar, destaca-se a conhecida simbiose entre a incompetência do
governo na articulação nacional de um programa de segurança pública, por um
lado, e a falta de recursos financeiros, por outro. Segundo o Anuário, no
ano passado os gastos efetivos do governo federal com segurança caíram 3,8% com
relação a 2018. “O discurso de prioridade política não foi acompanhado de
melhoria da qualidade do gasto ou do aumento de despesas”, observou o diretor
executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Além
disso, a União e os Estados continuaram investindo mais na compra de armas e
viaturas do que em informação, planejamento e estratégia, disse ele.
Com
relação às vítimas, o Anuário não trouxe novidades. Mais uma vez
registrou que, em 2019, a maior parte das vítimas foi de homens jovens e
negros. Por faixa etária, o grupo mais afetado foi o de até 29 anos, com 51,5%
do total. Por cor, 74,4% das vítimas eram negras.
Levantamentos
como esse são fundamentais para orientar a formulação de políticas públicas.
Mas, para que elas sejam eficientes e consistentes, as diferentes instâncias
governamentais têm de respeitar os números e compreender o que eles apontam.
Infelizmente, na União e em vários Estados a questão da segurança foi
convertida em marketing eleiçoeiro, o que explica por que a atuação do poder
público permanece marcada pela inépcia, enquanto a dinâmica do crime organizado
vai mudando.
O país das obras paradas – Opinião | O Globo
Passa
de um terço o desperdício de dinheiro nos empreendimentos públicos que nunca
ficam prontos
Em
plena pandemia, o país continua sem 1.709 unidades básicas de saúde e 741
pequenas obras de saneamento e recursos hídricos que deveriam estar funcionando
há pelo menos quatro anos, de acordo com a programação do governo federal,
responsável pelo financiamento. São obras de custo relativamente baixo, até R$
500 mil por unidade, interrompidas quando mais de dois terços já estavam
concluídos.
Sem
perspectiva de retomada, permanecem abandonadas em municípios do Nordeste
(60%), Sudeste (16%) e Norte (15%), como demonstram os anexos fotográficos de
um estudo setorial recém-concluído pela Câmara Brasileira da Indústria da
Construção e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em
parceria com a Brain (Bureau de Inteligência Corporativa).
Os
projetos integram o acervo do grande museu de obras públicas paradas que se
tornou o Brasil nesta década. Continuam inacabadas mais de 14 mil edificações
custeadas com recursos federais, já mapeadas pelo Tribunal de Contas da União
(TCU).
Em
países como o Brasil, estima o Fundo Monetário Internacional, chegam a 34% as
perdas no valor do investimento público realizado nos empreendimentos sem
conclusão. Joga-se dinheiro fora. O desperdício de dinheiro público aumenta na
proporção do tempo de negligência com esse enorme patrimônio.
No
conjunto, ele representa uma oportunidade perdida pelo governo Jair Bolsonaro,
que completará metade do mandato sem ter resolvido a equação das obras paradas,
uma das suas principais promessas na campanha eleitoral de 2018. Como mais de
60% do gasto previsto já foi realizado, a situação é propícia ao término dos
projetos. É possível organizar um mutirão em torno de alternativas inovadoras,
negociáveis com prefeituras, governos estaduais e fornecedores privados. A
solução mais evidente é recorrer a parcerias público-privadas.
Para
tanto, é fundamental analisar as razões do desleixo administrativo e instituir
mecanismos eficazes de prevenção ao desperdício de recursos. Isso requer total
transparência para que a sociedade possa acompanhar e questionar gestores
públicos desde a justificativa de prioridade para inclusão de cada obra nos
orçamentos até as fases de planejamento, execução e entrega.
A
cultura do sigilo favorece desvios, como mostraram a Operação Lava-Jato e
outras investigações sobre contratos governamentais. Tal cultura continua,
contudo, a florescer na gestão Bolsonaro. De acordo com a revista “piauí”, o
governo resolveu tratar como segredo de estado até mesmo as atas de reuniões do
grupo interministerial que decide o destino de recursos do orçamento federal,
conhecido como “junta orçamentária”. É mais um convite à corrupção e a outros
atos obscuros que moldam o caráter do governo.
A lei ultrajante que dá a Maduro poderes absolutos na Venezuela – Opinião | O Globo
A
nova legislação autoriza o ditador a violar a Constituição, numa versão
caricata de Luís XIV
A
saída do oposicionista Leopoldo López da Venezuela é o passo mais recente na
trajetória de uma nação que definha. Não bastasse a tragédia humanitária
provocada pela cleptocracia, o ditador Nicolás Maduro impôs ao país uma lei que
lhe dá poderes absolutos, a começar pelo privilégio de não obedecer à
Constituição e à legislação em vigor, promulgadas nos últimos 18 anos por ele
próprio e pelo antecessor, Hugo Chávez.
Os
cleptocratas de Caracas deram ao decreto o título de “Lei Antibloqueio”.
Justificaram-no como resposta à pressão econômica dos Estados Unidos. De acordo
com essa lei, o regime assume abertamente sua dimensão autoritária. Pelo texto
publicado na “Gazeta Oficial”, o ditador venezuelano deixa de se submeter
qualquer “norma legal ou infralegal” em vigor cuja aplicação considere
“impossível ou contraproducente”. Não há prazo fixado. O absurdo vale enquanto
o regime sobreviver.
O
objetivo expresso no decreto é dar a Maduro a capacidade de dispor, como
quiser, de todo o patrimônio venezuelano, público ou privado. Incluem-se aí os
bens já expropriados, em discussão na Justiça ou que venham a ser esbulhados
sob o pretexto de segurança do Estado.
Maduro
estabeleceu condições, definidas na lei como “excepcionais”, para promover um
redesenho das alianças domésticas e externas e reconfigurar o condomínio
civil-militar de que se tornou síndico em 2013, ao assumir a presidência em
eleições marcadas pela suspeita de fraude. Escolheu como instrumento a
transferência de ativos estatais e privados. Pela lei, “poderá criar e
implementar mecanismos financeiros em grande escala”.
O
tom descarado e escandaloso sugere que ele pretende executar a um só tempo na
Venezuela duas fases que caracterizaram o epílogo da União Soviética: a
desvalorização em massa dos ativos ameaçados de expropriação e a privatização
de bens públicos a custo quase zero, que deu origem às novas oligarquias
russas.
Todos
os atos de governo com efeito sobre o controle de bens estatais, investimentos
privados e compras governamentais, dentro e fora do país, naturalmente serão
“secretos e reservados”. A legislação proíbe por prazo indeterminado o acesso e
a divulgação de documentos relativos à não aplicação das leis vigentes.
Eventual acesso pelo Judiciário e pelo Ministério Público deverá ficar a
critério da Procuradoria-Geral da República, submissa à Presidência.
Maduro
passou a concentrar o poder nas próprias mãos, numa versão caricata do
absolutismo que sufoca toda oposição. Absurdo talvez maior, só mesmo a vista
grossa que a esquerda brasileira faz ao Luís XIV de Caracas.
Risco crescente – Opinião | Folha de S. Paulo
Inflação
indica fragilidades na economia, que suscita desconfiança das empresas
A
aceleração da inflação nos últimos meses constitui um alerta claro de que há
problemas na economia e de que qualquer deslize do governo poderá levar o país
a um quadro de grande dificuldade.
O IPCA-15 subiu
0,94% em outubro, a maior alta para o mês em 25 anos. Pressões nos
preços de alimentos, bens duráveis e transportes prevaleceram, mas, pela
primeira vez em muitos meses, também houve aceleração em serviços e nas medidas
que buscam capturar a tendência estrutural da inflação.
O
resultado é um rápido aumento das projeções para 2020, que já superam 3% e nas
próximas semanas podem crescer para ainda mais perto da meta de 4% fixada pelo
Banco Central para este ano.
Por
ora, pode-se considerar que a alta de preços está localizada em alguns setores,
não sendo um fenômeno generalizado. É natural, por exemplo, que haja algum
repasse da desvalorização do real, que encarece itens importados, para os
preços internos. A inflação no atacado, mais sensível à variação cambial, subiu
nos últimos meses.
No
caso dos alimentos, observa-se um impacto duplo, pois além da perda de valor do
real há aumento dos preços em dólar, ocasionado pela demanda chinesa por itens
como soja e proteína animal. Com a pandemia, além disso, houve perturbação nas
cadeias de produção, com falta temporária de insumos e produtos, o que eleva os
preços.
O
risco é que essas altas, ainda concentradas e em parte de caráter temporário,
se generalizem e afetem as expectativas para 2021. Nesse caso, os tradicionais
mecanismos de indexação, hoje um tanto dormentes por causa da recessão e da
elevada ociosidade produtiva, poderiam voltar com força.
No
limite, o Banco Central talvez se veja na necessidade de subir os juros para
evitar estouro das metas de inflação. Caso isso ocorra, a dívida pública, que
se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto, terá sua rolagem encarecida. Não
se mostra implausível que a dificuldade do Tesouro em vender seus títulos no
mercado se agrave.
Eis
o ciclo clássico da insolvência, que no Brasil resultou no passado em inflação
galopante. Para evitar esse cenário catastrófico, sobretudo para os mais pobres
que não têm como se proteger no mercado financeiro, é preciso que o governo
demonstre que o país não se desviará da rota do ajuste fiscal.
O
tempo é curto e o caminho é um só —aprovar no Congresso um Orçamento para 2021
que mantenha a aderência ao teto de gastos e reformas que permitam redução de
despesas obrigatórias.
Cabe
ao presidente Jair Bolsonaro fazer a escolha. Se insistir nos sinais populistas
que emitiu até agora —que levaram a maior parte
das empresas a perder a confiança na política econômica—
poderá levar o país ao desastre.
Retorno sensato – Opinião Folha de S. Paulo
Prefeitura
acerta ao reabrir escolas; protocolos de segurança são maior desafio
Quase
um ano letivo inteiro se perdeu em razão da pandemia. Fechar escolas por tanto
tempo e prejudicar o aprendizado de milhões de jovens só se tornou aceitável
porque a providência se impôs pela prudência —e esta manda agora retroceder de
forma organizada.
Meses
e meses sem estudar, ou assistindo a aulas improvisadas em telas, abrem um
rombo na capacitação de toda uma geração para a vida social e profissional. Os
estudantes mais pobres sofrem o prejuízo pedagógico maior, pois dependem de
conexões precárias, se é que têm acesso a elas.
Apenas
por isso já se pode cumprimentar o município. O prefeito Bruno Covas (PSDB),
candidato à reeleição, anunciou autorização para o funcionamento de escolas a
partir de 3 de novembro —embora, inexplicavelmente, não tenha reaberto
plenamente os parques.
A
permissão vale para as redes municipal, estadual e particular, começando pelo
ensino médio, de modo voluntário e com observância de medidas de segurança.
A
implementação desses protocolos sanitários, como o uso de máscaras e álcool em
gel, será o grande teste de um retorno precavido. Dúvidas sobre a capacidade do
poder público de garantir seu cumprimento foram, até aqui, o maior obstáculo
para reabrir as salas de aula, quando ainda se conhecia pouco a Covid-19.
Informações
importantes vão se acumulando, como as obtidas do censo sorológico providenciado
pela prefeitura, que prevê aplicar testes para detectar anticorpos contra o
coronavírus Sars-CoV-2 em todos os alunos e profissionais.
Entre
os 65,4 mil examinados, constatou-se que 13% haviam sido contaminados, dois
terços dos quais adolescentes ou crianças.
Pesquisas
realizadas em países que retomaram as aulas indicam ser baixo e administrável o
risco de infecção no recinto escolar.
A
decisão de receber primeiro os jovens de 14 a 19 anos se justifica por ser a
faixa etária que mais circula no espaço urbano e se expõe ao contágio, não
poucos pela necessidade imperiosa de trabalhar e reforçar a renda da família.
Não
há mais como postergar o provimento de educação. A hora é de fiscalizar e fazer
cumprir as medidas sanitárias nas escolas, reconhecendo que a expectativa de
perfeição pode tornar-se a maior adversária do cumprimento de obrigações
incontornáveis.
Decisões do Congresso não podem esperar as eleições – Opinião | Valor Econômico
O
momento singular da pandemia exige grandeza dos tomadores de decisão
Dentro
de 68 dias, o governo federal poderá se ver na situação de não poder gastar um centavo
sequer, por falta de autorização legal. O Congresso, mergulhado em disputas
internas e semiparalisado por causa das eleições municipais, não aprovou o
Orçamento de 2021.
Não
é uma situação inédita. Quando ocorre, o governo executa seus gastos ao ritmo
de um duodécimo por mês. Mas, no momento, esse plano B tampouco está
autorizado. Ainda não foi votada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que
contém essa válvula de escape.
Não
se sabe o que acontecerá se 2021 começar sem a LDO, admitiu na semana passada o
secretário do Tesouro, Bruno Funchal.
Esse
nem é o problema econômico mais sério provocado pela falta de votação de
matérias difíceis, mas essenciais para ditar o rumo das contas públicas a
partir de 2021. A indecisão se traduz na deterioração do perfil da dívida
pública, que se aproximou dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) por causa da
pandemia.
Em
setembro, por causa dos ruídos em torno da política fiscal e do cenário
externo, os juros de mercado para outubro de 2030 saíram de perto de 7,5% ao
ano para cerca de 8%, aponta o relatório da dívida do Tesouro Nacional. A
percepção de risco do Brasil cresceu 16,75%.
Isso
significa que aumentou a desconfiança em relação à capacidade do país de honrar
seus compromissos.
No
curto prazo, um ponto de preocupação são os grandes vencimentos de papéis do
Tesouro Nacional concentrados no primeiro quadrimestre de 2021. No momento, o
foco é construir até o fim do ano uma reserva que permita pagar tudo.
Paralelamente,
o trabalho é reforçar o “colchão de liquidez” para o governo ficar menos refém
do mercado nas operações de rolagem da dívida. O plano passa por receber
antecipadamente recursos emprestados ao BNDES e à Caixa e, possivelmente,
recolher ao Tesouro parte dos ganhos obtidos pelo Banco Central em operações de
câmbio. São operações programadas para o início de 2021.
Uma
ajuda mais imediata para reforçar o colchão seria a aprovação do Projeto de Lei
Complementar (PLP) 137, do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE). A proposta
permite utilizar o superávit financeiro de 29 fundos federais para bancar ações
da pandemia. São, em tese, R$ 177 bilhões a menos que o Tesouro precisaria
emitir de dívida.
A
transferência é específica para este ano de calamidade. Ou seja: para ser útil,
precisa ser aprovada e implementada ainda em 2020. O autor da proposta informou
ter obtido apoio de todas as lideranças partidárias para aprovar a matéria na
Câmara. A dúvida é: quando, nesse período pré-eleitoral, haverá sessão e quórum
suficiente para votá-la. Uma lei complementar precisa ser aprovada por pelo
menos 257 deputados.
Por
ser específica para a pandemia, a proposta de Benevides não se confunde com a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Fundos, enviada pelo governo ao
Congresso em novembro passado, que pretende extinguir, após dois anos, os
fundos que não tiverem sua existência confirmada por lei complementar.
Mas
a PEC dos Fundos, assim como o conjunto da reformulação do pacto federativo em
que está inserida, tiveram suas discussões suspensas até o desfecho das
eleições. O mesmo ocorreu com o sucessor do auxílio emergencial.
Bruno
Funchal afirmou que a deterioração do perfil da dívida decorre de “ruídos”
sobre a política fiscal e que agenda de reformas precisa andar para romper esse
processo. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, colocou a
política monetária na condição de passageira da política fiscal. De forma
elegante, ambos mostraram as sérias consequências da falta de decisão.
Considerando
que o segundo turno eleitoral ocorrerá apenas em 29 de novembro e que o recesso
parlamentar começa em 22 de dezembro, restará ao Congresso um prazo muito curto
para dar conta de tantos temas importantes e espinhosos.
Pelo
roteiro tradicional, essa novela acaba com a aprovação da LDO e, talvez, do
Orçamento. Questões estruturais continuariam girando em torno do seu próprio
eixo, como fazem há três décadas.
Dada a séria deterioração da condição fiscal do Brasil e as dúvidas quanto ao processo de recuperação econômica em 2021, é preciso dar um fim melhor para essa história. O momento singular da pandemia exige grandeza dos tomadores de decisão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário