segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Fareed Zakaria* - Uma reeleição improvável

-The Washington Post / O Estado de S. Paulo

Correrei novamente o risco de prever que Trump perderá a eleição. Ainda aposto no melhor dos EUA.

Em 2016, eu estava entre os que duvidavam da vitória de Donald Trump. Como muitos, estudei as pesquisas e acreditei que elas mostravam uma confortável margem contra ele. Pensei que o público enxergaria através de sua máscara. Era um candidato estranho demais, vulgar, ignorante a respeito da maioria das políticas públicas e patologicamente incapaz de dizer a verdade, mesmo em se tratando de assuntos triviais.

O que mais me convenceu da derrota de Trump foi o fato de eu acreditar em uma versão diferente dos EUA. Ele irrompeu no palco político questionando o local de nascimento de Barack Obama – um esforço desavergonhado para explorar o preconceito contra o primeiro presidente negro. Trump anunciou sua campanha pela Casa Branca com comentários racistas contra mexicanos. Prometeu “o fechamento total e completo" das fronteiras a todos os muçulmanos. Durante sua campanha, a retórica contra estrangeiros e minorias foi insultante.

Não acreditei que os americanos escolheriam isso. Cheguei aos EUA em 1982, em meio a uma profunda recessão, como estudante de pele escura e nome estranho cursando uma bolsa de estudos, sem nenhum dinheiro e sem conhecer ninguém. Encontrei um país que me recebeu de braços abertos. Ainda lembro de como fiquei impressionado com o quanto as pessoas eram amistosas, de um calor sincero. Na Índia, eu era mais consciente do fato de ser muçulmano do que nos EUA.

Talvez eu tenha vivido protegido nas cidades universitárias da Nova Inglaterra e em Nova York, mas raramente tinha entrado em contato com o tipo de racismo direto de Trump. É claro que eu sabia que isso existia, e já tinha lido a esse respeito em livros e jornais, e o visto retratado em filmes e programas de TV, mas não tinha me dado conta da magnitude do fenômeno. Assim, atribuí menos peso do que deveria aos fatores que indicavam uma vitória de Trump. Eu simplesmente não acreditava que alguém com uma visão tão racista fosse capaz de conquistar o país.

E aí é que está: sigo duvidando disso. Em primeiro lugar, muitos americanos votaram em Trump apesar do racismo do candidato, e não por causa dele. Mas, mais importante, uma maioria dos americanos reprova Trump, algo que foi observado durante a totalidade da sua presidência. Sua taxa média de aprovação durante o mandato é a mais baixa entre os presidentes desde que começamos a registrar esse dado. Como disse Nate Cohn, do New York Times, a sorte de Trump foi o fato de ter disputado a presidência contra a segunda candidata mais impopular da história americana (o mais impopular é ele). Por causa do colégio eleitoral e margens pequenas em três Estados, ele capturou a Casa Branca.

Há partes da coalizão de Trump que temem pelo futuro do país e, com isso, se mostram dispostas a comprar o óleo de serpente oferecido por um vendedor astuto. Os EUA estão mudando. Se pensarmos no núcleo de apoio de Trump – brancos sem ensino superior –, veremos que eles são uma parcela cada vez menor da população. Se pensarmos no núcleo de apoio de Joe Biden – brancos com ensino superior e minorias – observaremos que eles crescem a um ritmo ainda mais acelerado.

O New York Times analisou os dados e descobriu que, na Flórida, o bloco de brancos sem ensino superior que apoiam Trump encolheu em 359 mil indivíduos desde 2016, enquanto a coalizão de Biden aumentou em 1,5 milhão de pessoas. Na Pensilvânia, a base eleitoral de Trump encolheu em 431 mil pessoas, enquanto a de Biden cresceu em 449 mil. Se Biden vencer, o desafio será fazer com que todos os americanos entendam que o país sempre foi um grande experimento, uma tentativa de criar o primeiro país universal. Hoje, para estarmos à altura desse ideal, todos devem ser incluídos. O processo é bagunçado, e pode parecer perturbador e caótico.

Às vezes, nos perdemos em disputas envolvendo a terminologia e o politicamente correto. Mas tudo isso faz parte de um esforço para garantir que todos finalmente se sintam incluídos no sonho americano. Desde o nascimento do país, as ideias de liberdade e democracia foram expandidas, tornando os EUA grandiosos ao mergulhar destemidamente no futuro, e não afundando em uma nostalgia pelo passado.

Enquanto isso, correrei novamente o risco de prever que Trump perderá. Mesmo depois de tudo que os últimos quatro anos me ensinaram, ainda aposto no melhor dos EUA. Tradução de Augusto Calil

*Fareed Zakaria, é colunista e autor do livro ‘Ten lessons for a post-pandemic world’

Nenhum comentário: