Correrei
novamente o risco de prever que Trump perderá a eleição. Ainda aposto no melhor
dos EUA.
Em
2016, eu estava entre os que duvidavam da vitória de Donald Trump. Como muitos,
estudei as pesquisas e acreditei que elas mostravam uma confortável margem
contra ele. Pensei que o público enxergaria através de sua máscara. Era um
candidato estranho demais, vulgar, ignorante a respeito da maioria das
políticas públicas e patologicamente incapaz de dizer a verdade, mesmo em se
tratando de assuntos triviais.
O
que mais me convenceu da derrota de Trump foi o fato de eu acreditar em uma
versão diferente dos EUA. Ele irrompeu no palco político questionando o local
de nascimento de Barack Obama – um esforço desavergonhado para explorar o
preconceito contra o primeiro presidente negro. Trump anunciou sua campanha
pela Casa Branca com comentários racistas contra mexicanos. Prometeu “o
fechamento total e completo" das fronteiras a todos os muçulmanos. Durante
sua campanha, a retórica contra estrangeiros e minorias foi insultante.
Não
acreditei que os americanos escolheriam isso. Cheguei aos EUA em 1982, em meio
a uma profunda recessão, como estudante de pele escura e nome estranho cursando
uma bolsa de estudos, sem nenhum dinheiro e sem conhecer ninguém. Encontrei um
país que me recebeu de braços abertos. Ainda lembro de como fiquei
impressionado com o quanto as pessoas eram amistosas, de um calor sincero. Na
Índia, eu era mais consciente do fato de ser muçulmano do que nos EUA.
Talvez
eu tenha vivido protegido nas cidades universitárias da Nova Inglaterra e em
Nova York, mas raramente tinha entrado em contato com o tipo de racismo direto
de Trump. É claro que eu sabia que isso existia, e já tinha lido a esse
respeito em livros e jornais, e o visto retratado em filmes e programas de TV,
mas não tinha me dado conta da magnitude do fenômeno. Assim, atribuí menos peso
do que deveria aos fatores que indicavam uma vitória de Trump. Eu simplesmente
não acreditava que alguém com uma visão tão racista fosse capaz de conquistar o
país.
E
aí é que está: sigo duvidando disso. Em primeiro lugar, muitos americanos
votaram em Trump apesar do racismo do candidato, e não por causa dele. Mas,
mais importante, uma maioria dos americanos reprova Trump, algo que foi
observado durante a totalidade da sua presidência. Sua taxa média de aprovação
durante o mandato é a mais baixa entre os presidentes desde que começamos a
registrar esse dado. Como disse Nate Cohn, do New York Times, a sorte de Trump
foi o fato de ter disputado a presidência contra a segunda candidata mais
impopular da história americana (o mais impopular é ele). Por causa do colégio
eleitoral e margens pequenas em três Estados, ele capturou a Casa Branca.
Há
partes da coalizão de Trump que temem pelo futuro do país e, com isso, se
mostram dispostas a comprar o óleo de serpente oferecido por um vendedor
astuto. Os EUA estão mudando. Se pensarmos no núcleo de apoio de Trump –
brancos sem ensino superior –, veremos que eles são uma parcela cada vez menor
da população. Se pensarmos no núcleo de apoio de Joe Biden – brancos com ensino
superior e minorias – observaremos que eles crescem a um ritmo ainda mais
acelerado.
O
New York Times analisou os dados e descobriu que, na Flórida, o bloco de
brancos sem ensino superior que apoiam Trump encolheu em 359 mil indivíduos
desde 2016, enquanto a coalizão de Biden aumentou em 1,5 milhão de pessoas. Na
Pensilvânia, a base eleitoral de Trump encolheu em 431 mil pessoas, enquanto a
de Biden cresceu em 449 mil. Se Biden vencer, o desafio será fazer com que
todos os americanos entendam que o país sempre foi um grande experimento, uma
tentativa de criar o primeiro país universal. Hoje, para estarmos à altura
desse ideal, todos devem ser incluídos. O processo é bagunçado, e pode parecer
perturbador e caótico.
Às
vezes, nos perdemos em disputas envolvendo a terminologia e o politicamente
correto. Mas tudo isso faz parte de um esforço para garantir que todos
finalmente se sintam incluídos no sonho americano. Desde o nascimento do país,
as ideias de liberdade e democracia foram expandidas, tornando os EUA
grandiosos ao mergulhar destemidamente no futuro, e não afundando em uma
nostalgia pelo passado.
Enquanto
isso, correrei novamente o risco de prever que Trump perderá. Mesmo depois de
tudo que os últimos quatro anos me ensinaram, ainda aposto no melhor dos EUA. Tradução
de Augusto Calil
*Fareed Zakaria, é colunista e autor do livro ‘Ten lessons for a post-pandemic world’
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